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Como o novo modelo de gestão da Zappos dará adeus aos chefes

Rede de varejo da Amazon está se desfazendo da estrutura hierárquica tradicional com base na teoria da holocracia. Nela, não há cargos nem chefes. Compreenda


	Tony Hsieh: presidente da Zappos decidiu adotar teoria que dá aos seus 1,5 mil funcionários autonomia para serem, praticamente, chefes de si mesmos
 (Jonathan Alcorn/Bloomberg)

Tony Hsieh: presidente da Zappos decidiu adotar teoria que dá aos seus 1,5 mil funcionários autonomia para serem, praticamente, chefes de si mesmos (Jonathan Alcorn/Bloomberg)

Luísa Melo

Luísa Melo

Publicado em 22 de maio de 2015 às 16h53.

São Paulo -  Investir 350 milhões de dólares do próprio bolso em um escritório e oferecer dinheiro para que novos funcionários deixem a companhia (só para testar a fidelidade deles) não é, definitivamente, o que se pode chamar de um estilo de gestão convencional. 

Desta vez, porém, Tony Hsieh, presidente da Zappos e autor das proezas citadas, foi ainda mais longe: ele decidiu acabar com os chefes dentro da sua empresa.

Em sua reunião de fim de ano, a rede de varejo da Amazon anunciou para 2014 o início da implementação de um sistema chamado "holacracy" (termo traduzido para holacracia ou holocracia, em português) que abre mão da hierarquia, dos cargos, e dos gerentes.

Basicamente, a ideia é estruturar a companhia com base nas funções que ela necessita e não nas pessoas responsáveis por esses trabalhos. 

Como funciona

Definida como uma "tecnologia social" por seu criador, o consultor e ex-empreendedor de tecnologia Brian Robertson, a holocracia extingue a tradicional estrutura piradamidal, em que o poder vem de cima para baixo. Em vez disso, a organização passa a funcionar em círculos semi-independentes que englobam uns aos outros. 

Segundo o site oficial da holocracia, um círculo mais "baixo" está sempre ligado a um "superior" e há pelo menos duas pessoas que pertencem a ambos - e também tomam decisões sobre os dois. As duas são escolhidas por meio de votação: uma pelos integrantes do círculo "inferior" e a outra pelos do "superior". 

Entre esses círculos, pode haver alguns voltados para a implementação de projetos específicos, outros de administração de departamentos ou de operações comerciais.

Independentemente do nível ou do assunto em que os círculos são focados, cada um deles é livre para criar as suas próprias políticas e decisões, mas deve fazer o possível para cumprir as metas propostas pelo círculo superior. 


Na holocracia, também não existem cargos pré-definidos, mas sim papéis (roles, no termo em inglês). Esses papéis nada mais são do que as funções que os funcionários devem desempenhar e podem ainda ser divididos em subpapéis. 

A ausência de chefes e gerentes, porém, não significa que não há profissionais que orientem os outros na empresa. No sistema, há funcionários que têm a função de direcionar as pessoas para determinados "papéis" (e também de retirá-las deles), mas que não têm autoridade para definir o que elas devem fazer.

As tarefas a serem realizas por cada papel são definidas por reuniões de governança, com participação de todos os integrantes de cada círculo.

Ou seja: o trabalho de cada funcionário na empresa será "supervisionado", mas não haverá chefes com autoridade para assumir a direção da carreira dos seus subordinados, como acontece no modelo tradicional. 

"É como se em cada pedaço da organização estivesse o todo. Cada círculo tem autonomia, responsabilidade, comando e subordinação. A empresa toda está nele", define João Brandão, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EASP), da Fundação Getulio Vargas.

Para ele, a holocracia vai ao encontro do que os jovens que estão no mercado de trabalho (a famosa geração Y) buscam. "Eles querem autonomia, mas muitas empresas não sabem dar a interdependência como contrapartida. Esse modelo proporciona essas duas coisas. É parecido com ser dono de um apartamento: o imóvel é seu, você toma as decisões ali, mas ele faz parte de um condomínio, uma organização maior", explica. 

A Zappos, porém, não é pioneira em adotar o sistema. Evan Williams, co-fundador do Twitter, por exemplo, está construindo sua nova empresa, a Medium, sobre os pilares da holocracia. São cerca de 50 empregados que terão autonomia quase absoluta no trabalho.  Mas, com cerca de 1,5 mil funcionários, a Zappos deve ser a maior empresa a se arriscar a seguir a teoria. 

Os desafios

Mudanças nunca são simples de se implementar, ainda mais uma como a holocracia, que transforma toda a organização de uma empresa. 

Grosso modo, a  holocracia coloca cada funcionário em evidência dentro da companhia. Ele recebe poder, é convidado a tomar decisões, a ser criativo, independente e agir com transparência.  


Críticos dizem que ela jamais funcionará em grandes companhias, como a Zappos, devido à complexidade dessas corporações. Na opinião do professor João Brandão, o sistema só dará certo em empresas maduras, independente do tamanho que elas tiverem. 

Quando fala em maturidade, o professor não se refere apenas à solidez da cultura e dos resultados da organização, mas também à equipe. "Para uma pessoa ter autonomia, ela precisa também ter maturidade. Caso contrário, não adianta falar no grupo como um todo, porque ela estará sempre pensando individualmente, em como ganhar mais", explica.

Outro desafio que possivelmente será enfrentado pelas empresas que se aventurarem pelos caminhos da holocracia está diretamente ligado ao seu ponto chave: a ausência de cargos. Segundo ele, há uma crença instaurada de que o sucesso é consequência de subir degraus - e eles não existem, ou pelo menos não são tão claros, na holocracia.

"O sucesso hoje é associado a três coisas: prestígio, poder e dinheiro. Se todos têm igual poder dentro da companhia, será preciso dar uma contrapartida financeira significativa para que as pessoas queiram ficar ali". 

Além disso, a falta de cargos pode dar um nó na cabeça dos recrutadores e dos candidatos a emprego, segundo o professor. "Se alguém sai de uma empresa que adota a holocracia e vai procurar trabalho em outra que não adota, ele não sabe exatamente a que cargo pode concorrer, ele não sabe bem o que ele é", diz. 

Fazer o presidente da empresa compreender que ele não tem mais o poder de decisão também não é uma tarefa simples. Segundo Brian Robertson, criador da holocracia, essa é uma das partes mais interessantes de seu trabalho. "E, do outro lado, lembrar os demais que o processo de governança garante a você a responsabilidade e a autoridade de tomar essa decisão; ela é sua, e não é função do seu chefe te dizer o que fazer", escreve o consultor no site oficial da teoria. 

Conforme Robertson conta no site, um dos chefes que decidiu adotar o sistema disse a ele: "graças a Deus, agora eu posso parar de tomar todas as decisões por aqui!". 

O problema é que nem sempre a reação é essa. Há o risco de os presidentes de empresa entrarem em colapso e voltarem para a forma convencional de deter o poder e influenciar o restante da equipe. Segundo Robertson, isso pode acontecer até mesmo inconscientemente, quando, na melhor das intenções, o presidente tenta ajudar os outros a se alinharem com a visão da empresa. 

Apesar de o termo holocracia ser relativamente novo, outras experiências semelhantes (de empresas que não têm chefes mas não adotam a estrutura em círculos) já estão em prática pelo mundo. Na Califórnia, nos Estados Unidos, cada um dos cerca de 500 funcionários da produtora de tomates Morning Star é chefe de si mesmo. A companhia é líder mundial de mercado na produção da fruta. 

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