Loja da Ri Happy em São Paulo: (Germano Lüders/Exame)
Carolina Riveira
Publicado em 26 de março de 2020 às 15h04.
Última atualização em 27 de março de 2020 às 00h59.
Entrar em uma loja colorida e barulhenta e ser recebido por uma variedade de jogos, bichos de pelúcia, eletrônicos, carrinhos e bonecas. Na dúvida, receber ainda a ajuda de um vendedor sorridente. Contar com esse apelo para vender não será mais possível no setor de brinquedos, que, em meio à pandemia do novo coronavírus, que causa a infecção respiratória covid-19, viu quase todas as suas lojas físicas serem fechadas.
A Ri Happy, maior varejista brasileira especializada no segmento, sentiu a crise na pele. Todas as suas 284 lojas físicas, localizadas sobretudo em shopping centers, estão inacessíveis desde 20 de março -- primeiro por decisão da própria empresa e, dias depois, por decretos estaduais e municipais.
Para sobreviver aos meses desafiadores que virão, a rede está investindo como nunca em sua experiência online. Antes do aprofundamento da crise do coronavírus no Brasil, 8% das vendas da Ri Happy vinham dos canais digitais. Agora, a fatia deve aumentar, diz o presidente Héctor Núñez. "Aceleramos o abastecimento do centro de distribuição para garantir que vamos ter produtos durante a crise", afirma.
A Ri Happy já possuía uma série de frentes digitais, mas, com as lojas fechadas, precisou se reinventar mais rapidamente. Além do e-commerce tradicional, pedidos agora são feitos até por mensagem de WhatsApp. O sistema está funcionando em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba, e chegará a novas localidades nos próximos dias.
Mesmo no comércio eletrônico, o fechamento das lojas afetou a própria logística. Das 36 unidades que atuavam como mini-centros de distribuição (CD), incluindo algumas em teste piloto, somente cinco estão com estoque funcionando. Muitas das lojas ficavam em shopping centers. Nesse formato de mini-CD, os produtos chegam ao cliente vindos da loja mais próxima, e não do centro principal, que fica em Extrema, Minas Gerais, acelerando as entregas.
Por isso, a empresa precisou adaptar a operação nessas lojas restantes para seguir com os prazos usuais. Em muitos lugares, entregas da Ri Happy podem ser feitas em três ou quatro horas após o pedido -- a média do varejo brasileiro é superior a 10 dias, segundo a empresa de inteligência de e-commerce Compre&Confie.
"Nestas lojas que funcionam como mini-CD, mesmo os lojistas estão ajudando nas entregas agora", diz Núñez. Para a parte da equipe que ainda precisa contribuir com tarefas no mundo físico, tudo está funcionando dentro das regras sanitárias estabelecidas contra o coronavírus, com máscaras, luvas e higienização das mãos, reforça o presidente da Ri Happy.
Para dar conta dos pedidos, também estão sendo intensificadas as parcerias de logística com o app de entregas colombiano Rappi e o serviço de entregas gaúcho Delivery Center.
O online será essencial para o varejo neste momento de crise, e o mesmo vale para os brinquedos. A Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) estima que 20% das vendas no setor já venham do comércio eletrônico, segundo o presidente Synésio Batista da Costa.
Além das vendas diretas de grandes redes, como a Ri Happy, vários fabricantes fazem parcerias para vender os produtos em varejistas menos especializadas, como Mercado Livre, B2W, Amazon e Magazine Luiza. Nessas redes, o comércio eletrônico já está estabilizado e funcionará a todo vapor nos próximos meses. "Temos avanços significativos no ramo, que neste momento ajudam na sobrevivência", diz Costa.
Mesmo antes do fechamento das lojas, o fluxo de consumidores já começava a diminuir na Ri Happy, segundo Núñez, com os brasileiros preocupados em evitar contágio e saídas desnecessárias. Hoje, são mais de 2.400 casos confirmados e mais de 50 mortes no Brasil. A expectativa de agentes de saúde é que o pior ainda pode estar por vir.
Na semana encerrada em 15 de março (ainda antes da quarentena obrigatória), o setor de brinquedos como um todo teve queda de 11% no faturamento em relação à semana anterior. Os dados são do instituto de pesquisa de consumo NPD Group, os mais recentes disponíveis. Em relação ao ano anterior, a queda é de 14%. Em 2019, o segmento faturou 4,2 bilhões de reais no Brasil no ano, alta de 2%.
"O problema para o varejo não é só o fechamento obrigatório. O perfil de consumo em lojas físicas não vai voltar ao que era tão cedo, ainda que o comércio volte a abrir, porque as pessoas terão de ganhar de novo confiança para ir a um ambiente fechado", diz o presidente do NPD Group no Brasil, José Guedes. Os países europeus, que já vinham sendo afetados pela quarentena anteriormente, também apresentaram quedas nas últimas semanas, segundo o NPD, que monitora 13 países.
Na Ri Happy, o coronavírus vem sendo discutido desde o começo do ano. Um comitê de crise foi criado em 4 de março, quando o Brasil tinha menos de dez casos confirmados. Naquele começo, a preocupação maior era com a cadeia de suprimentos, vinda sobretudo da China, país onde a pandemia começou. Semanas depois, a atenção se voltou para o impacto direto também nos clientes brasileiros.
Um dos desafios das vendas online é conseguir atrair os pais e crianças a comprar mesmo a distância. O foco no varejo, mesmo no comércio eletrônico, vem sendo em itens de primeira necessidade, como alimentos e fármacos. Neste cenário, outra das frentes abraçadas pela Ri Happy para continuar se relacionando com os clientes é uma maior frequência e variedade de conteúdo online. A campanha "Modo brincar" foi adaptada para "Modo brincar em casa".
A diretora de marketing Emilia Velloso vem tocando conteúdos especiais para, segundo a executiva, apoiar os pais que precisam trabalhar em casa. Há desde jogos e brincadeiras postadas nas redes sociais até transmissões ao vivo com informações de saúde para mães grávidas. O canal da Ri Happy no YouTube, o "Toyzera", já é o sexto mais assistido entre o público infantil, segundo a empresa. "A gente nunca vai conseguir replicar a experiência das lojas. Mas existem outras formas de engajar com as famílias, por meio de bom conteúdo, uma boa seleção de produtos", diz Velloso.
A Ri Happy ainda não divulga o impacto do surto do novo coronavírus projetado nas vendas. "Que terá uma queda em vendas é evidente que teremos. Mas a magnitude dela é muito cedo para quantificar", diz Núñez. "Ainda não temos um horizonte desta crise e de quanto tempo ficaremos fechados."
Para o segundo semestre, a temporada de ouro do setor -- que inclui o Dia das Crianças em outubro --, a expectativa é que a pandemia do novo coronavírus já esteja melhor controlada. O abastecimento de matéria-prima e produtos vindos da China também deve começar a se normalizar em breve, com a estabilização do número de casos no país. Ainda assim, Costa, da Abrinq, estima que pode haver um cenário de maior compra dos fabricantes nacionais, chegando a cerca de 30% estrangeiro e 70% de produção local.
Uma boa notícia é que ao menos nem todos os brinquedos devem sofrer da mesma forma. Segundo o NDP, três categorias tiveram queda menor do que a média na receita de vendas no Brasil: os brinquedos esportivos e que envolvem movimento, os jogos e quebra-cabeças e os bichos de pelúcia. O setor espera que a vontade de brincar -- e de gastar para isso -- continue em alta. "Mesmo com tudo que estamos vivendo, todos os dias acontecem 150.000 aniversários", diz Costa, da Abrinq. "Apesar do isolamento, as crianças estão com os seus pais e isso segue impulsionando as vendas."
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