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Com gestão bem avaliada, privatização da Eletrobras atrairia investidores, dizem especialistas

Empresa deu prejuízos por anos a fio e, depois de um choque de gestão conduzido pelo ex-presidente Wilson Ferreira Júnior, ganhou eficiência. Por isso, deve ficar no radar de investidores caso saia do controle da União

Eletrobras: empresa é responsável por gerar mais de 37% da energia do país (Caio Coronel/Itaipu Binacional/Divulgação)

Eletrobras: empresa é responsável por gerar mais de 37% da energia do país (Caio Coronel/Itaipu Binacional/Divulgação)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 24 de fevereiro de 2021 às 17h42.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2021 às 20h27.

A gigantesca estatal Eletrobras, que gera mais de 37% da energia do país, está mais próxima de ser privatizada depois de estar no centro de uma medida provisória encaminhada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira ao Congresso. Na avaliação de analistas, a estatal é considerada um bom ativo no mercado e estaria madura para ser vendida caso a privatização avance.

Essa é a avaliação do mercado que acompanha de perto sua gestão nos últimos anos, desde que a possibilidade de ser privatizada foi ventilada durante o governo do ex-presidente Michel Temer.

A empresa, que atua na área de geração e transmissão de energia, viveu anos de prejuízo e interferência política devido ao seu elevado número de subsidiárias e controladas. 

Além disso, entre os anos de 2012 e 2015, teve seu caixa usado politicamente, principalmente por causa da Medida Provisória 579, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que cortou o valor da energia em 20%.

Subsidiárias deficitárias (que já foram vendidas) nos estados do Amazonas, Roraima, Rondônia, Acre, Alagoas e Piauí também fazem parte do pacote de medidas que levaram a estatal a viver penúrias no começo desta década. Entre 2012 e 2017, foram 28 bilhões de reais em prejuízos.

O ex-presidente Wilson Ferreira Júnior, que assumiu a empresa em 2016 e ficou até janeiro deste ano, é visto pelo mercado como o executivo que conseguiu "consertar" a casa. 

Ele reduziu praticamente pela metade o número de funcionários com programas de demissão voluntárias e vendeu as distribuidoras nas regiões norte e nordeste, deixando a empresa mais "apetitosa".

Em fevereiro de 2016, por exemplo, as ações da companhia valiam cerca de 6 reais. Cinco anos depois, principalmente após o assunto da privatização andar nesta semana, as ações chegaram à casa dos R$ 34.

Nesta quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma Medida Provisória ao Congresso que autoriza a estatal a entrar no Plano Nacional de Desestatização, a primeira de muitas etapas a serem concluídas até que ela deixe de ser pública e se torne privada.

Apesar de o governo falar em uma agenda de privatizações, vender qualquer estatal demora.

No modelo proposto pelo governo Bolsonaro, haverá uma capitalização da Eletrobras na bolsa de valores. Ou seja, o governo venderá suas ações até deixar de ser acionista majoritário.

Segundo um analista do mercado ouvido pela EXAME, a atratividade da companhia será alta nesta futura rodada de vendas de ações porque a companhia "promete" um bom retorno para os investidores no futuro e, com uma gestão mais eficiente, pode reduzir custos, inclusive o de capital.

A medida provisória enviada pelo governo Bolsonaro manterá o governo com o direito a veto a algumas decisões, as chamadas golden shares.

Da perspectiva do mercado financeiro, esta não é a melhor das configurações que garantem retorno, mas o modelo costuma gerar menos estresse político e mais facilidade de aprovação no Congresso.

"O atual presidente é um cara mais de mercado, que arrumou a casa. Acho que vale muito a pena a venda da Eletrobrás. Vai trazer eficiência. Isso se vê pelas distribuidoras. As privadas são mais eficientes. A empresa não vai conseguir fazer uma expansão dentro do cenário da geração distribuída, que é o que a gente vive com os painéis fotovoltaicos, se continuar estatal”, opina o professor", opina Alexandre Street, do Departamento de Engenharia Elétrica da Puc-Rio.

Para ele, a empresa até tem problemas, mas são "bombas" fáceis de serem desarmadas nas mãos de bons gestores do mercado. 

Alexandre Street defende também que, junto da privatização da Eletrobras, o Congresso Nacional avance com a discussão da liberalização do mercado de energia elétrica.

Hoje, o que vigora é o mercado regulado e apenas clientes que têm um consumo a partir de um determinado nível de energia podem escolher de qual distribuidora irá recebê-la.

Mais capital

A economista da Toro Investimento Paloma Brum defende a privatização também como uma forma de a empresa conseguir capital no curto prazo. Entre as estatais, ela também acredita que a Eletrobras é a que está mais preparada para a privatização.

"A empresa requer cerca de R$15 bilhões por ano, mas consegue investir apenas algo entre R$3 bilhões a R$4 bilhões anuais. A carência de injeção de capital torna a Companhia mais lenta em relação à inovações tecnológicas, o que se reflete em grande medida na defasagem da matriz energética brasileira comparada à de outros países", explica.

Incompatibilidade com o futuro

O Projeto de Lei do Senado 232, proposto pelo Governo Temer e que está travado no Congresso, traz, entre outros pontos, a proposta de garantir acesso a qualquer distribuidor para todos os consumidores.

Apesar da regulação não ter andado, o Brasil já vive uma liberalização que passa pelo avanço da tecnologia que permite a instalação de placas solares.

Na prática, o consumidor já encontrou caminhos para ficar independente das distribuidoras.

"A Eletrobras não teria a agilidade e a competência para estar nesse ambiente liberalizado como estatal. Isso é coisa para empreendedor e não para governo. Você vai ter poucos exemplos no mundo de holding estatais de energia que atuam bem como de mercado.  A França é um caso. A liberação vai garantir que esses novos players vão estar num ambiente mais saudável."

Luiz Augusto Barroso, CEO da consultoria da PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética, que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, participou da elaboração do Projeto de Lei do Senado.

Ele também entende que o cenário "pulverizado" de geração distribuída de energia é um das justificativas para estruturar a abertura de mercado prevista no PLS 232 e organizar a alocação de custos.

“O mercado liberalizado dá, na prática, uma forma de escolher como você contrata energia. Verde, eólica, indexada, a forma com que você quiser. E isso dá origem a um mercado com preços que podem ser maiores ou menores que o da distribuidora daquela região. O núcleo disso é trazer eficiência através de competição, e as regras precisam evoluir. Além disso, neste contexto, uma Eletrobras pública tem muito mais dificuldade de ter a agilidade necessária para ser uma vencedora neste novo cenário ", explica.

Além disso, destaca que a empresa tem qualidade de ativos, como as usinas e diversificação e que, privatizada, a Eletrobras pode ampliar sua área de atuação.

 

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