Adriana Rocha Severino: Celeiro Orgânico foca na produção de alimentos por meio de princípios sustentáveis (Arquivo pessoal)
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 13 de junho de 2025 às 14h23.
Última atualização em 13 de junho de 2025 às 14h29.
Depois de ouvir uma entrevista do famoso agrônomo José Lutzenberger (1926-2002), a gaúcha Adriana Rocha Severino, hoje com 57 anos, resolveu mudar radicalmente a sua vida. A conversa do ambientalista sobre Gaia (conceito que aborda a Terra como um organismo vivo) provocou uma guinada em sua trajetória. “Naquele momento, nasceu em mim a vontade de trabalhar a favor de Gaia. Eu precisava me reinventar e entendi que esse era o meu verdadeiro propósito”, lembra.
Determinada a construir uma vida baseada em princípios sustentáveis, a então publicitária mergulhou no universo da agroecologia. Adriana começou a frequentar feiras orgânicas, buscou capacitação e, no início dos anos 2000, encontrou uma oportunidade de atuar na área de administração de uma cooperativa orgânica em Novo Hamburgo (RS).
Para ela, a estadia por 15 anos na cooperativa foi a sua “melhor escola”. Ali, aprendeu sobre laticínios, pães, hortaliças, criação de animais e turismo sustentável -- e também criou a sua primeira agroindústria para alimentos sem glúten.
Em 2015, Adriana conheceu Porto Seguro, no sul da Bahia, e bastaram dois dias de passeio para decidir que a cidade seria o seu novo lar. “Foi paixão à primeira vista”, diz. Com o aprendizado sobre agroecologia já consolidado, ela sentiu-se pronta para dar os próximos passos. Três anos depois da mudança, criou o Celeiro Orgânico, empreendimento que reúne horta, agroindústria e certificação orgânica a apenas 15 km da Orla Norte da cidade.
A empresa de Adriana está inserida em um setor de crescimento acelerado. Segundo a consultoria Precedence Research, o mercado global de alimentos orgânicos deve alcançar US$ 658 bilhões até 2034, especialmente impulsionado pelo interesse em uma alimentação mais saudável e pela preocupação com o meio ambiente.
Nesse cenário, o consumo das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) tem ganhado relevância. Essas plantas são conhecidas por resistirem a enchentes, secas e mudanças climáticas. Atualmente, cerca de 10 mil espécies estão catalogadas no Brasil.
As PANCs chamaram a atenção de Adriana. Antes de empreender de fato, a gaúcha coordenou o Projeto Selo Orgânico, dentro da Secretaria de Agricultura de Porto Seguro, a fim de entender com mais profundidade o mercado de PANCs. “Foi importante para mim poder incentivar e apoiar agricultores e indígenas da região com assistência técnica e cursos”, diz.
O objetivo da iniciativa era viabilizar a certificação de propriedades e produtos com o selo de orgânico – um passo inédito na cidade. Com apoio da Rede de Agroecologia Povos da Mata, certificadora participativa pioneira na Bahia, o projeto avançou. Em 2018, os primeiros agricultores foram certificados e, em 2020, o Celeiro Orgânico também conquistou sua certificação.
Adriana Rocha Severino: "Chamamos de mato o que ainda não conhecemos o valor nutricional ou funcional” (Arquivo pessoal)
No início da operação do Celeiro Orgânico, em plena pandemia, a produção enfrentou desafios logísticos e climáticos. Foi então que a empreendedora apostou ainda mais nas PANCs, espécies tradicionais que haviam sido marginalizadas pela padronização do consumo.
“É fundamental que a definição de mato seja ressignificada. Chamamos de mato o que ainda não conhecemos o valor nutricional ou funcional”, avalia.
Adriana também destaca a importância de uma agricultura adaptada a cada região: “O lugar onde você vive sabe o que seu corpo precisa, e vai fornecer isso. Eu tive que reaprender a plantar, a entender o solo e o clima”.
Atualmente, além das PANCS, o Celeiro Orgânico produz hortaliças e frutas, e vende produtos certificados diretamente para consumidores em busca do que Adriana define como “comida de verdade”. A proposta do negócio é clara: investir em uma agricultura que regenera o solo e transforma hábitos alimentares.
Por meio das redes sociais, a empreendedora compartilha dicas de uso dos alimentos e informações que incluem até como é o sabor de flores comestíveis. “Muitos me conhecem na cidade como a mulher das flores azuis”, brinca.
O planejamento e a busca por conhecimento técnico também foram pilares para a consolidação do negócio de Adriana. Já com o empreendimento em mente, antes de mudar-se para a Bahia, ela recorreu ao Sebrae para desenvolver a marca e fazer cursos de gestão, planejamento estratégico e criação de novos produtos. “Precisava de um planejamento para viabilizar a minha mudança e criar um trabalho sustentável na região”.
Ela cita a ausência de políticas públicas e o acesso limitado à tecnologia como entraves para a expansão da agricultura orgânica no Brasil. “O principal desafio é despertar nas pessoas a vontade de mudar. A população está doente, sem incentivos ou orientação para a produção orgânica. Os resilientes, que têm o coração pulsando a favor do planeta, é que mantêm essa agricultura viva”, afirma.
Outra questão fundamental, segundo Adriana, é perpetuar essa visão nas novas gerações. A permanência de jovens no campo, explica, depende de condições estruturais. “É necessário tecnologia e equipamentos que facilitem o trabalho. O Brasil está ficando para trás, e não tem incentivo aos pequenos agricultores. Mas como sobreviver sem alimento?”, questiona.
Em 2024, a empresária venceu a etapa estadual do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios na categoria Produtora Rural. Para ela, a premiação foi consequência de uma trajetória movida por propósito. “Vi em um desafio uma oportunidade de negócio”.
Ao olhar para trás, Adriana destaca que a agroecologia não foi apenas um caminho profissional, mas uma escolha de vida – e isso inclui nunca ter dado ouvidos a quem a chamava de “ecochata”.
Para as novas empreendedoras, ela dá um conselho direto: “Não escute pessoas que nunca ousaram. Inspire-se nas mulheres que incomodam, que têm coragem de fazer diferente”.
Para o futuro, ela segue comprometida com o desenvolvimento de uma cadeia alimentar mais diversa, regenerativa e financeiramente viável. “Meu aprendizado é contínuo, me desafio sempre e quero, por meio de cursos digitais, ajudar as pessoas a cultivar e consumir alimentos mais saudáveis, alimentos do futuro”, conclui.