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'Com apenas uma franquia, o franqueado tem um emprego, não um negócio', diz especialista americana

Com mais de 30 anos de experiência em marcas como Domino’s, Olive Garden e Popeyes, Aicha Bascaro fala sobre as diferenças entre Brasil e Estados Unidos, os desafios da expansão e os caminhos para ter sucesso no franchising

Aicha Bascaro, especilaista americana em franquias: "Uma franquia é, acima de tudo, uma promessa de consistência" (KayHillmanPhotography/Divulgação)

Aicha Bascaro, especilaista americana em franquias: "Uma franquia é, acima de tudo, uma promessa de consistência" (KayHillmanPhotography/Divulgação)

Isabela Rovaroto
Isabela Rovaroto

Repórter de Negócios

Publicado em 11 de setembro de 2025 às 17h30.

Última atualização em 11 de setembro de 2025 às 18h45.

O franchising brasileiro é um dos mais desenvolvidos do mundo: são mais de 3.600 redes e 200 mil unidades franqueadas, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF). O setor movimentou R$ 273 bilhões no último ano e se consolidou como um dos motores do varejo nacional.

Ainda assim, apesar da maturidade, fatores como a carga tributária elevada, o crédito caroe a dificuldade de treinar equipes em escala distanciam o mercado brasileiro em relação ao americano, considerado referência para o modelo de expansão.

Quem faz essa análise é Aicha Bascaro, fundadora da American Franchise Academy e uma das maiores especialistas no tema. Com mais de trinta anos de experiência no setor, ela começou como entregadora de pizzas da Domino’s nos anos 1980 e, ao longo da carreira, trabalhou em marcas globais como a Pretzel Maker, Popeyes e Olive Garden. Hoje, ela se decida a treinar multifranqueados nos Estados Unidos.

Aicha viveu no Brasil em 1995, quando foi enviada pela Domino’s para apoiar a operação do Rio de Janeiro. Agora, retorna ao país quase 30 anos depois para participar do Somo Multi 2025, congresso de multifranqueados que acontece na próxima semana em São Paulo, onde fará uma palestra sobre os elementos essenciais para crescer em rede.

Além disso, a especialista também vai conduzir uma masterclass na EXAME em parceria com a CommUnit, ecossistema para formação de franqueados. O evento, voltado para grandes franqueados, na qual pretende detalhar processos e práticas de gestão aplicadas nos Estados Unidos e que podem acelerar a profissionalização do franchising brasileiro.

“Estou muito animada para voltar ao Brasil. Na minha primeira experiência, fiquei impressionada com a sede de conhecimento dos franqueados. Agora quero compartilhar tudo o que aprendi nesses anos para que eles possam transformar um emprego em um verdadeiro negócio”, afirma.

Confira, a seguir, a entrevista completa com Aicha Bascaro, fundadora da American Franchise Academy:

O que mais chama sua atenção no franchising brasileiro hoje?

O Brasil é um mercado muito mais maduro do que qualquer outro na América Latina. Há muitas marcas de sucesso, franqueados multiunidade e uma forte cultura de aprendizado. O que vejo é uma grande disposição de olhar para o modelo americano e absorver as melhores práticas. Isso é positivo: enquanto nos EUA foram necessárias décadas para construir marcas gigantes, o Brasil pode acelerar esse caminho aprendendo com essa experiência acumulada.

Você esteve no Brasil em 1995 com a Domino’s. O que mudou desde então?

Passei seis meses no Rio de Janeiro ajudando o master franqueado a estruturar a operação. Já naquela época percebi a vontade dos brasileiros de aprender. Hoje, vejo um mercado muito mais sofisticado, mas que ainda enfrenta barreiras importantes, especialmente na tributação e no acesso a capital.

Quais são as principais diferenças entre os mercados de Brasil e Estados Unidos?

Nos Estados Unidos, o crescimento é recompensado. No Brasil, parece que o sucesso é punido com impostos. Além disso, aqui o acesso a crédito é limitado e muito caro. Um franqueado americano, se tem bom histórico, consegue empréstimo para abrir cinco unidades de uma vez. No Brasil, muitas vezes é preciso juntar o lucro de anos para abrir a segunda loja.

Outro ponto é o treinamento: uma lei americana impede que franqueadores treinem diretamente os funcionários das lojas franqueadas. No Brasil, isso não existe, o que é uma vantagem. Mas falta tempo e recursos para que os franqueados invistam em capacitação.

Quando um franqueado deixa de ter um emprego e passa a ter um negócio de fato?

Eu costumo dizer que ter apenas uma unidade franqueada é como ter um emprego. O dono abre a loja, atende clientes, fecha o caixa e vai para casa exausto. Para ser empresário, é preciso virar multfranqueado.

E isso exige, primeiro, uma mudança de mentalidade: acreditar que é possível crescer e ter coragem de delegar responsabilidades. Depois, é preciso acesso a capital, algo mais fácil nos Estados Unidos do que no Brasil. E, por fim, é fundamental desenvolver a capacidade de gestão, formando e treinando pessoas de confiança para tocar as operações do dia a dia. Sem esses elementos, o franqueado fica preso ao balcão e não consegue construir de fato um negócio.

É importante adaptar uma franquia à cultura local?

Uma franquia é, acima de tudo, uma promessa de consistência. O cliente precisa ter a mesma experiência em São Paulo, no Rio ou em qualquer país. Isso garante confiança. Mas existe a chamada “tropicalização”, que permite pequenas adaptações sem trair a essência da marca.

Na Domino’s, por exemplo, no Caribe lançamos a pizza de barbecue, que não existe nos Estados Unidos, mas fazia sucesso localmente. Na Guatemala, criamos uma pizza de feijão-preto. O essencial, como o pepperoni ou a mussarela, nunca muda. O equilíbrio é manter o core da marca intacto e adaptar apenas quando realmente necessário.

O que o Brasil pode aprender com a experiência americana?

A lição mais valiosa é a disciplina em processos e padrões inegociáveis. O franchising americano cresceu porque construiu procedimentos sólidos e consistentes, aplicados em todas as unidades.

Mas também é preciso equilíbrio: quando franqueadores quebram a lógica de ganha-ganha com os franqueados, o sistema desmorona. Há marcas que chegaram a ter 5.000 unidades e hoje têm menos de 300 porque perderam essa relação.

Como a tecnologia vem transformando o franchising?

Quando comecei na Domino’s, anotávamos pedidos à mão. Hoje, a rede de pizzarias é uma empresa de tecnologia também. Criaram seus próprios sistemas e até hoje são referência. E agora entramos na era da inteligência artificial. Já tenho clientes franqueados que usam chatbots para atender clientes e marcar serviços. A verdade é que toda empresa também é uma empresa de tecnologia. Quem não entender isso ficará para trás.

Quais setores devem liderar o crescimento das franquias?

Por muito tempo, o food service liderou e ainda é extremamente relevante. Afinal, a necessidade por comida nunca vai acabar. Mas vemos um crescimento expressivo em serviços pessoais, academias, educação e, desde a pandemia, serviços residenciais e de cuidados com idosos. Esse é um segmento que deve crescer nas próximas décadas com o envelhecimento da população.

Que conselho você daria a quem quer abrir uma franquia no Brasil?

Eu diria que o primeiro passo é escolher muito bem a marca, e isso significa ir além do discurso do franqueador: é preciso conversar com outros franqueados, entender a economia da unidade e avaliar se você gosta do produto e dos clientes que vai atender.

O segundo é escolher o ponto certo, já que a localização é decisiva para o sucesso. E o terceiro é investir nas pessoas, porque cada funcionário pode se tornar um futuro gerente. Se o franqueado conseguir unir esses três elementos, terá mais chances de prosperar.

Acompanhe tudo sobre:FranquiasEstados Unidos (EUA)

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