Redação Exame
Publicado em 20 de março de 2025 às 09h00.
Por Avanish Sahai*
Ginni Rometty, ex-CEO da IBM, uma vez disse: "A chave para o sucesso com a IA não é apenas ter os dados certos, mas fazer as perguntas certas." Hoje, essa visão vai além do mundo corporativo e se aplica à disputa global pela liderança em Inteligência Artificial.
Nações e players tecnológicos não competem apenas por quem possui mais dados ou algoritmos mais avançados, mas por quem consegue formular as melhores perguntas — aquelas que direcionam a tecnologia para resolver desafios estratégicos, econômicos e sociais.
EUA, China e Índia estão na linha de frente dessa corrida, buscando não apenas dominar a inovação, mas também definir como a IA será usada para moldar o futuro das sociedades e consolidar suas posições no cenário competitivo global.
Ao observar essa corrida, fica evidente que os investimentos bilionários, a construção de infraestruturas robustas e a criação de ecossistemas tecnológicos são os pilares dessa competição. No entanto, a verdadeira questão vai além do domínio tecnológico: trata-se de equilibrar inovação com responsabilidade, promovendo avanços que beneficiem tanto economias quanto sociedades.
As gigantes de tecnologia americanas, como Amazon, Google e Microsoft, estão liderando investimentos massivos em infraestrutura de IA. Em 2025, essas empresas devem investir US$ 325 bilhões em capital, um aumento de 46% em relação ao ano anterior. Esse movimento é impulsionado pela crença de que a IA representa a maior oportunidade desde a internet.
Amazon, por exemplo, está destinando grande parte de seus recursos à Amazon Web Services (AWS), buscando consolidar sua posição como líder em serviços de nuvem e IA. No entanto, esse ritmo acelerado de gastos tem gerado questionamentos entre investidores, especialmente diante de modelos open-source mais acessíveis, como o DeepSeek, da China, que entregam resultados competitivos a custos significativamente menores.
A abordagem americana é clara: acelerar a inovação por meio de investimentos de capital de empresas privadas, e minimizar regulamentações que equilibrariam segurança e liberdade de mercado. Mas será que apenas o volume de investimento, com poucas diretrizes governamentais, seria suficiente para manter a liderança?
A fórmula chinesa, por outro lado, adota uma estratégia que combina regulamentações adaptativas, incentivos governamentais e investimentos robustos em infraestrutura. O país já conta com um ecossistema de IA avaliado em mais de US$ 70 bilhões e cerca de 4.300 empresas dedicadas ao setor.
O lançamento do modelo DeepSeek, que rivaliza com os produtos da OpenAI, é um marco dessa abordagem. Com foco em aplicações específicas, como saúde, manufatura e energia, a China está demonstrando como alinhar inovação com transformação industrial em larga escala.
Além disso, o governo chinês investe em iniciativas como o Next Generation AI Development Plan, que visa posicionar o país como um hub global até 2030. Essa visão de longo prazo, combinada com uma infraestrutura avançada e um ecossistema de dados integrado, coloca a China em uma posição única para competir globalmente.
No entanto, desafios como a fragmentação de dados e lacunas de talento ainda precisam ser superados. A capacidade da China de navegar esses obstáculos determinará se ela conseguirá transformar seu potencial em liderança sustentável.
Enquanto EUA e China disputam as primeiras posições, a Índia emerge como um player estratégico, focando em construir uma base nativa e com investimentos em recursos humanos. Recentemente, o país anunciou a criação de três Centros de Excelência em IA, voltados para saúde, agricultura e cidades sustentáveis.
Com um orçamento de cerca de US$ 120 milhões nos próximos cinco anos, esses centros buscam desenvolver soluções escaláveis para desafios locais, como diagnósticos médicos avançados e gestão eficiente de recursos agrícolas. Essa iniciativa faz parte da campanha “Make AI in India and Make AI Work for India”, que reflete a ambição do país de se tornar um líder global.
Além disso, a Índia está investindo em infraestrutura digital e capacitação de talentos, reconhecendo que uma força de trabalho qualificada é essencial para sustentar o crescimento no setor. Ao mesmo tempo, o governo indiano explora parcerias internacionais e modelos open-source para acelerar sua jornada.
Embora cada país tenha suas próprias prioridades, a colaboração internacional será crucial para definir os padrões éticos e regulatórios. Questões como soberania de dados, interoperabilidade e governança responsável exigem esforços conjuntos para garantir que os avanços beneficiem a sociedade como um todo.
No entanto, a competição também levanta perguntas importantes para mercados emergentes, como o Brasil. Deveriam esses países alinhar-se a uma das potências líderes, aproveitar frameworks open-source ou construir suas próprias infraestruturas? Essas são decisões estratégicas que demandam a união de esforços entre governos, empresas e instituições acadêmicas.
Estamos testemunhando uma nova era de inovação, aonde a IA não apenas transforma indústrias, mas redefine a dinâmica geopolítica e a competitividade econômica global. Assim como a revolução da internet remodelou economias e sociedades, a corrida pela liderança em IA determinará quem estará na vanguarda da próxima onda de progresso global.
Os EUA apostam no poder do capital, a China na escalabilidade estratégica e a Índia na construção de uma base local. Qual dessas abordagens prevalecerá? Apenas o tempo dirá, mas uma coisa é certa: estamos apenas no começo dessa jornada transformadora e líderes empresariais, empreendedores, acadêmicos e membros do governo precisam se engajar e colaborar para definir suas estratégias.
*Avanish Sahai é veterano do Vale do Silício, membro dos conselhos do Brazil at Silicon Valley e do Commonwealth Club World Affairs e das startups de AI Birdie.ai e Flywl. Ocupou posições de liderança na Oracle, Salesforce, Servicenow e Google Cloud e também já foi membro dos conselhos de diversas empresas públicas e privadas.