Felipe Iszlaji, CEO e fundador da Clarice.ai: startup se prepara para edital do governo por meio do Plano Nacional de Inteligência Artificial (PBIA)
Repórter
Publicado em 30 de julho de 2025 às 09h39.
Última atualização em 30 de julho de 2025 às 11h02.
A startup brasileira Clarice.ai, especializada em assistentes de escrita e revisão de textos, anunciou o levantamento de R$ 2,5 milhões em uma rodada pre-seed. O investimento será destinado ao desenvolvimento de um Large Language Model (LLM) — a "engrenagem" por trás de ferramentas com o ChatGPT —, focado no português brasileiro.
A rodada contou com a participação dos fundos de investimento Raio Capital e Veredas Capital, além de recursos do programa PIPE Invest da Fapesp. Com ela, a Clarice.ai começa a cravar seu espaço num setor em que o Brasil ainda engatinha: o de inteligência artificial generativa.
Hoje, nomes como ChatGPT, Gemini e Claude são os mais conhecidos. Embora potentes, foram inicialmente desenvolvidos para o inglês e adaptado ao português. Segundo o CEO e fundador Felipe Iszlaji, isso abre espaço para erros.
"Nosso foco é criar uma IA que compreenda as nuances e o estilo da escrita em português", afirma o CEO. Iszlaji é linguista computacional com doutorado e passagens por Google e Santander. A ideia para a Clarice surgiu na área de educação do banco, onde ele testava manualmente mais de mil textos. "Percebi que poderia ser automatizado e comecei a desenvolver a ferramenta", diz.
Fundada em 2020, a Clarice.ai foi lançada no ano do centenário de Clarice Lispector, o que gerou grande repercussão na mídia. O site da empresa chegou a ser derrubado pelo pico de acessos. Desde então, a plataforma vem crescendo como uma das alternativas locais ao LanguageTool e Quillbot, que também oferecem ferramentas de revisão de texto.
Atualmente, a Clarice.ai tem mais de 500 mil usuários e registrou R$ 1 milhão em receita nos últimos 12 meses. Os planos vão de R$ 22,45 a R$ 99,90 mensal ou anual, para uso pessoal.
Escritores, advogados, profissionais do marketing, jornalistas e criadores de conteúdo são algumas das profissões que fazem uso da plataforma.
Com o aporte, a empresa quer oferecer recursos mais avançados, como adaptação de tom, humanização de textos e sugestões de estilo, além de revisão gramatical.
É importante ressaltar que, para qualquer LLM ser criado, é necessário extrair informações de algum lugar. A OpenAI, por exemplo, tem enfrentado disputas judiciais ao longo dos anos por suspeitas de violação de direitos autorais. A empresa por trás do ChatGPT chegou a falar que "é impossível" criar ferramentas como o GPT-4 sem utilizar material protegido.
O grande diferencial da Clarice.ai está aí. Ao invés de pegar informações 'de fora', a startup está extraindo dados dos próprios usuários para treinar o LLM, como os textos revisados e reescritos.
"Esses dados são extremamente importantes para treinar um modelo de linguagem em português. É uma grande diferença pegar textos gerais, como os da Wikipédia, e usá-los para treinar uma IA, em comparação a pegar uma frase com problemas de estilo ou gramática e corrigi-la. Isso resulta em um modelo linguisticamente muito melhor", diz.
Iszlaji explica que a startup consegue, por exemplo, ver quais trechos do texto os usuários escolhem e alteram durante a revisão. "É muito mais valioso que um 'joinha' na resposta do ChatGPT, que você pode acabar gostando de uma parte e não das outras", afirma. Assim, a IA da Clarice aprende e consegue ajustar as sugestões para ficar mais similar ao que o autor realmente deseja.
Treinar um modelo de IA específico para o português ocorre em um momento importante: em 2024, o governo brasileiro anunciou um investimento de R$ 1 bilhão para o desenvolvimento de modelos de linguagem em português por meio do Plano Nacional de Inteligência Artificial (PBIA).
De lá para cá, o estado do Piauí criou o SoberanIA, um modelo de linguagem estatal que usa dados públicos curados em português. Também há empresas como a Maritaca AI, com seu modelo Sabiá, e a WideLabs, com o Amazônia IA, que já desenvolvem LLMs voltados para o mercado brasileiro.
Iszlaji também mencionou que, embora tudo dependa do edital ainda não publicado, o fundador já chegou a conversar com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), responsável pelo PBIA, para contar mais sobre a Clarice.
A startup planeja lançar uma API em breve, permitindo que outras empresas integrem sua tecnologia de IA nas próprias plataformas. Um exemplo disso é o Perplexity, que funciona como uma mistura entre Google e ChatGPT: usuários pagantes conseguem escolher qual será a "engrenagem" utilizada para responder aquela pergunta, e ela pode ser de qualquer empresa que disponibilizou o API.