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Cervejarias artesanais revigoram cidades norte-americanas

Durante a proibição ao álcool, a indústria foi acusada de destruir a sociedade. Agora produtoras de cerveja são vistas como uma força do bem

CERVEJARIA CLEMSON BROTHERS:  ao redor dos Estados Unidos, pequenas cervejarias artesanais estão ajudando a restabelecer a economia de cidades comerciais que foram abandonadas por suas antigas indústrias (Eva Deitch/The New York Times)

CERVEJARIA CLEMSON BROTHERS: ao redor dos Estados Unidos, pequenas cervejarias artesanais estão ajudando a restabelecer a economia de cidades comerciais que foram abandonadas por suas antigas indústrias (Eva Deitch/The New York Times)

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Da Redação

Publicado em 10 de março de 2018 às 10h55.

Middletown, Nova York – Em uma manhã de um sábado recente, quando a Equilibrium Brewery abriu suas portas aqui, os fãs já faziam fila por um lote fresco de suas cervejas de cores indefinidas.

Os viajantes, vindos de Massachusetts, Nova Jersey, Pensilvânia e Rhode Island, agarraram todas as latas e garrafas que podiam pagar, por 16 dólares o pacote com quatro. Depois de uns goles, alguns partiram em busca de uma refeição, seus dólares de turistas sendo direcionados a uma recuperação desta região central.

“Com certeza estamos causando um impacto na comunidade”, diz Ricardo Petroni, um dos donos da Equilibrium, que abriu em 2016 no local de uma antiga fábrica de carne fechada por não pagar impostos. “Quando nos mudamos para cá, dava para ver as velhas cicatrizes dos maus momentos, mas agora podemos dizer que coisas novas estão florescendo”, afirma.

Por todo o país, as cervejarias vêm despertando distritos comerciais adormecidos, que um dia já foram movimentados centros de produção. Se durante a época da proibição, e mesmo depois, os negócios com base no álcool foram acusados de destruir a sociedade, agora essas produtoras de cerveja estão sendo vistas como uma força do bem.

“Os efeitos dessa onda econômica são definitivamente visíveis”, afirma David Barnett, analista sênior de pesquisa da corretora de imóveis comerciais JLL, de Chicago. As cervejarias “criam uma aparência bacana de turismo para quem é de fora da cidade e também são boas para os moradores”.

Em 2016, havia 5.301 pequenos fabricantes de cerveja, conhecidos tipicamente por cervejarias artesanais. Elas eram 4.548 em 2015, quando o país ultrapassou sua marca histórica de 4.131 cervejarias, de 1873, segundo a Associação das Cervejarias, um grupo comercial. (Nenhuma foi registrada entre 1920 e 1932, os anos da proibição.)

Embora sejam pequenas, essas cervejarias estão ajudando a promover uma sacudida econômica. Em 2016, contribuíram com 68 bilhões de dólares para a economia nacional, segundo a associação.

(Eva Deitch/The New York Times)
CERVEJARIA EQUILIBRIUM: fãs de cerveja artesanal vindos de diversos estados americanos esperam na fila para comprar os produtos da Equilibrium, em Middletown , NY

Como reconhecimento da sua importância, as cervejarias artesanais receberam um presente inesperado na forma de uma revisão do código tributário. O Senado incluiu uma disposição que reduz o imposto sobre a cerveja produzida nos Estados Unidos, principalmente em pequenas fábricas. Esse tratamento especial se alia aos subsídios generosos de comunidades locais, ansiosas para trazer negócios para seus distritos industriais, que em geral passam por dificuldades.

O Nordeste, o Meio-Oeste e o Oeste ainda representam grande parte dessa indústria, mas 36 estados dobraram sua produção de cerveja artesanal de 2011 a 2016, de acordo com Barnett, que no ano passado escreveu o relatório “The Craft Beer Guidebook to Real Estate” (O Guia da Cerveja Artesanal para os Imóveis) para a JLL. “É difícil ignorar uma indústria que cresceu tanto”, afirma.

Na busca por lugares para fabricar bebidas especiais, como cervejas amargas e stouts, as cervejarias parecem seguir uma fórmula. Elas gostam de prédios do começo do século 20 com mais de 900 metros quadrados e tetos altos, afirma Sandy A. Barin, vice-presidente da corretora de imóveis comerciais CBRE, de Minneapolis, que possui essas fabricantes entre seus clientes.

As cervejarias em Minneapolis, que costumam alugar em vez de comprar, normalmente assinam contratos de cinco anos e pagam 4,50 dólares por 0,1 metro quadrado anualmente, segundo Barin, embora os inquilinos em geral tenham que arcar com o custo das reformas, mesmo que os proprietários ofereçam créditos para acabamentos como pintura e carpetes. “A montagem em geral é bem dispendiosa”, diz Barin.

Além disso, as cervejarias geralmente procuram locais próximos de casas e prédios, segundo Barin, que conta que um bairro hoje popular em sua cidade, North Loop, é um antigo distrito industrial que costumava produzir arados e debulhadores.

Ao todo, as cervejarias, que normalmente também possuem bares, hoje ocupam 58.000 metros quadrados na região metropolitana de Minneapolis-St. Paul; em 2016, eram 47.000 metros quadrados. Em 2017, foram abertas 11 novas cervejarias nessa área, segundo a CBRE, e espera-se que mais 11 sejam inauguradas este ano.

A oferta de comida aumenta o apelo da cervejaria, transformando a visita em “uma noitada com tudo incluído”, explica Barin.

Normalmente, as fabricantes de cerveja abrem um restaurante adjacente, mas, em Minneapolis, elas em geral fazem parcerias com food trucks. A Modist Brewing, aberta em 2016 em uma antiga fábrica de sal em North Loop, chamou vários food trucks para servir seus clientes famintos.

O número de cervejarias aumentou em todo o país nos últimos anos. Segundo cálculos feitos em meados do ano passado, a indústria estava prestes a registrar uma taxa de crescimento de cinco por cento em 2017, de acordo com Bart Watson, economista-chefe da associação. “Não vimos muita desaceleração”, conta.

Em vários lugares, porém, a indústria permanece muito subsidiada, o que levanta questões sobre se as cervejarias podem seguir com as próprias pernas e quanto tempo isso vai levar.

O prédio da Equilibrium, por exemplo, foi vendido para a empresa por 260.000 dólares, com 225.000 perdoáveis se eles permanecerem no negócio por pelo menos cinco anos, segundo Petroni, que, com seu sócio, Peter Oates, investiu 1,4 milhão de dólares para reformar a propriedade. Dez pessoas trabalham lá hoje.

Além disso, a Equilibrium se beneficiou de uma isenção de imposto de venda sobre os materiais de construção e de uma redução de curto prazo nos impostos sobre propriedade, entre outros incentivos locais. Ali perto, a Clemson Brewing Co., de três anos, alojada no alto prédio de tijolos de uma antiga fábrica de lâminas de serra também procurou isenções de impostos antes de se estabelecer aqui e recebeu incentivos parecidos, que as autoridades de Middletown dizem ser necessários.

“Nos anos 1980 e 1990, percebemos que as indústrias não iriam voltar para nenhuma dessas cidades”, explica Maria Bruni, diretora de desenvolvimento econômico de Middletown. “Há um grande apoio da nossa comunidade porque passamos 20 anos olhando para esses prédios sem fazer nada.”

(Eva Deitch/The New York Times)
FERMENTADORES DE CERVEJA: a produção da Clemson Brothers funciona nas instalações de uma antiga fábrica de lâminas de serra e recebeu, juntamente com a Equilibrium, incentivos fiscais para se estabelecer em Middletown

Em fevereiro, havia 390 cervejarias artesanais em Nova York, segundo a Liquor Authority do estado; em 2012, eram 97. Do movimentado Brooklyn até as pequenas cidades na fronteira com o Canadá, as cervejarias incluem a Newburgh Brewing Co., que ocupa uma antiga fábrica de caixas de 1850; a Battle Street Brewery, que fica em uma estação de trem desativada de Dansville, perto do Finger Lakes; e a Pressure Drop Brewing, em Buffalo, montada em um prédio que abrigava uma fábrica de barris. A região de Binghamton também se tornou muito procurada.

Os moradores podem apoiar os incentivos, mas nem sempre concordam que o álcool vai melhorar a comunidade, diz Chris Andrus, um dos fundadores da Mitten Brewing Co., em Grand Rapids, no Michigan.

Embora a cidade tivesse muitas cervejarias, não existia nenhuma na região oeste, um antigo centro de fabricação de móveis de classe média baixa, quando Andrus e seu sócio, Max Trierweiler, encontraram um prédio de 1891 que abrigou um corpo de bombeiros. Os vizinhos, preocupados com a possibilidade de um novo bar prejudicar aquela região já complicada, reclamaram nas reuniões de zoneamento, conta ele.

Os oponentes, no entanto, devem ter mudado de ideia desde que a cervejaria abriu em 2012. A Mitten fecha mais cedo do que os outros bares da região, conta Andrus, e reúne muitas famílias. A cervejaria, que dá lucro, também parece ter atraído investimentos para o bairro. Do outro lado da rua há uma destilaria de gim, estabelecida em uma antiga fábrica de roupas, e na esquina existe uma churrascaria, montada no local de uma antiga lanchonete. Outras cervejarias também estão chegando à região.

Não é surpresa, portanto, que os valores das propriedades também estejam aumentando. A casa do corpo de bombeiros de 560 metros quadrados da Mitten, que custou 220.000 dólares, hoje vale cerca de 600.000, segundo Andrus, “em grande parte por nossa causa”.

Se as cervejarias artesanais são uma moda passageira ou vão durar depende do gosto dos bebedores, mas as evidências sugerem que a paixão pelo produto é grande.

Em um dia de janeiro em Middletown, Bob Helligrass e Jaime Loughridge, amigos da região de Albany, estavam almoçando no Tapped, um bistrô ao lado da Equilibrium, aberto mais ou menos na mesma época.

Antes de comprarem suas IPAs na Equilibrium, os dois já haviam estado na Hudson Valley Brewery, em Beacon, Nova York, para adquirir algumas de suas bebidas, e também comeram algo pelo caminho. “As cervejarias trazem uma série de benefícios”, afirmou Helligrass.

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