Centro de distribuição da Caoa: parceria nova com a Chery (Leandro Fonseca/Exame)
Karin Salomão
Publicado em 3 de abril de 2019 às 06h00.
Última atualização em 5 de abril de 2019 às 10h50.
Hyundai, Chery e, agora, Ford. O apetite do Grupo Caoa por montadoras chegou à fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, SP. O grupo brasileiro de Carlos Alberto de Oliveira Andrade teria assinado um acordo para comprar a planta, na qual manterá apenas a produção de caminhões. A fábrica produzia também o hatch Fiesta, que sairá de linha no fim do ano. A ideia é fabricar os veículos sob licença da Ford.
Nenhuma das duas empresas confirma o acordo. A Caoa sequer confirma a proposta. Especialistas ouvidos por EXAME apontam possíveis contratempos da Caoa com a fábrica da Ford. A norte-americana está deixando o mercado de caminhões por afirmar que o setor não dá lucro na América Latina e o motor fabricado nesta planta expiram em poucos anos. Encontrar um novo dono para a fábrica é uma iniciativa do governador de São Paulo, João Doria.
Andrade é o único acionista do grupo Caoa, que leva suas iniciais. O empresário impulsionou as marcas estrangeiras Hyundai, Subaru e Chery no Brasil. A empresa tem 175 concessionárias pelo país, sendo 12 da Ford, 89 da Hyundai, 65 da Chery, seis da Subaru e três de veículos seminovos, segundo levantamento de fevereiro de 2019 da consultoria ADK Automotive.
O grupo é também o maior revendedor da Ford na América Latina, já tem uma fábrica em Anápolis, GO, na qual fabrica os Hyundai Tucson e ix35, além dos Tiggo 5X e Tiggo 7, da Chery, e uma fábrica em Jacareí, SP. Também detém parte da operação Caoa Chery e é o importador oficial da Subaru.
O fechamento da fábrica da Ford foi anunciado em fevereiro deste ano, como parte de uma reformulação global do negócio da companhia para voltar ao lucro na América do Sul.
A Ford detém 5,1% do mercado de caminhões e é a sexta maior do setor, segundo dados da Fenabrave. O presidente da montadora afirmou que passou meses buscando alternativas viáveis para a operação até decidir pelo fechamento.
Apesar do aumento das vendas após a crise econômica, a Ford luta para manter rentabilidade e investimentos no país. Ela sofre com o aumento da concorrência no Brasil e no exterior e a pressão das matrizes para entregar mais eficiência. Nos Estados Unidos, também anunciou que deixará de comercializar os sedãs Fiesta, Focus e Fusion para concentrar os investimentos nos SUVs, mais rentáveis.
O grupo Caoa já havia demonstrado interesse na fábrica da Ford logo depois do anúncio do fechamento. Em nota emitida na época, a Caoa disse que tem “forte parceria” com a Ford há quatro décadas e que seria natural que as empresas conversassem sobre futuros negócios.
A possível compra da fábrica da Ford vem quase dois anos depois da compra de 50% da operação brasileira da Chery, na época à beira do colapso. O valor pago pelas ações, cerca de 60 milhões de dólares, era baixo perto do investimento de 1,2 bilhão de reais feito para a construção da fábrica da Chery em Jacareí, no Vale do Paraíba, em 2014. Atualmente, a capacidade da planta é de produzir até 150 mil veículos por ano.
O objetivo era conquistar mercado rapidamente, da mesma forma agressiva com que fez com a Hyundai, décadas antes. Foi criada a Caoa Chery, que anunciou em 2017 o investimento de até 2 bilhões de dólares nos próximos cinco anos no país e passou a investir pesado em marketing para desenvolver a marca no Brasil.
A Chery ainda é pequena por aqui. Em fevereiro, tinha 0,8% de participação do mercado de automóveis. Mas foi a empresa que mais cresceu em 2018, com alta de 131% nas vendas. Este ano, a expectativa é aumentar as vendas em 280%.
Empresa e dono se confundem, já que Carlos Alberto de Oliveira Andrade é o único acionista do grupo que leva seu nome. O “doutor Caoa”, como é conhecido pela formação em medicina, é uma das figuras mais emblemáticas e, ao mesmo tempo, mais controversas do mercado automotivo brasileiro. Ele nasceu em João Pessoa, numa família de 17 irmãos. Na adolescência, vendia café aos clientes de um empório de secos e molhados do pai.
Depois, comprou um Gordini Dolfini, carro de classe média da época, e virou sócio de uma frota de táxi. Em meados dos anos 60, vendeu o táxi, fez as malas, mudou-se para São Paulo e comprou um mercadinho no centro da cidade. De volta para a Paraíba, tornou-se um cirurgião gástrico.
Ao mesmo tempo em que trabalhava no hospital, fazia negócios pela cidade. Aceitou como pagamento uma loja que viria a se tornar a principal revenda da Ford do Nordeste. Em 1984, comprou outras duas concessionárias da Ford em São Paulo. Para ganhar mercado, abria aos domingos, dava descontos e negociava de forma agressiva.
Em 1992, logo depois do fim das barreiras a importações, o grupo tornou-se representante da Renault no Brasil. Mas, depois de uma briga com a francesa buscou outro parceiro: a Hyundai. Tornou-se também o importador oficial da Subaru em 1998. O fundador deixou de presidir a empresa em 2013, com a chegada de Antonio Maciel Neto. Neto, investigado na Operação Acrônimo da Polícia Federal, deixou o cargo em 2017 para dar lugar ao então vice-presidente, Mauro Correia.
Há inúmeras histórias sobre Caoa, de agressividade que chegou a fechar concorrentes a uma busca incansável pelas vendas. Uma reportagem de 2014 de EXAME conta que ele chegou a interromper uma reunião com diretores em uma concessionária quando viu um potencial cliente que olhava os carros deixar a loja sem comprar.
“O termo que o define é ‘comerciante’, não administrador ou empresário”, diz Raphael Galante, consultor da Oikonomia Consultoria Automotiva. “Por mais que ele tenha mudado muitas coisas na operação da Caoa ao longo dos anos, ele ainda age como comerciante: vai onde tem oportunidade para vender”, afirma. Isso explica, em partes, porque a Caoa é uma das poucas empresas do setor automotivo a não ligar para exclusividade — afinal, uma mesma marca tem sob seu guarda-chuva a revenda de quatro marcas. Lojas parede a parede podem vender, ao mesmo tempo, carros da Chery, da Ford e da Hyundai.
Pessoas ligadas ao mercado, contudo, questionam os interesses de Caoa por trás de uma possível compra da fábrica da Ford, quando a Caoa já tem duas fábricas. Além disso, a Ford deixou o mercado de caminhões justamente por afirmar que o setor vinha dando prejuízo na América Latina. “A Ford saiu por um motivo. A contrapartida do governo teria de ser muito alta para que alguma empresa aceitasse esse negócio”, afirma Galante.
Se concretizado o negócio, a Caoa teria ainda outro desafio: os motores atuais dos caminhões Ford expiram em 2022, com motores novos devendo ser apresentados em 2023. Assim, a Caoa só teria dois ou três anos para vender os atuais modelos Ford.
De qualquer forma, Paulo Roberto Garbossa, diretor da consultoria ADK Automotive, afirma que pode ser útil a expertise do grupo Caoa na área de caminhões, vinda da comercialização dos modelos HR e HD80 da Hyundai. Para Garbossa, Caoa “entende o DNA brasileiro” como ninguém, e que poderia conseguir tirar leite de pedra na fábrica, se concretizado o negócio.