Cruise: empresa da General Motors já recebeu investimento de R$ 50 bilhões para carros sem motorista (Tayfun Coskun/Anadolu Agency/Getty Images)
Repórter de Negócios
Publicado em 24 de setembro de 2023 às 09h15.
Última atualização em 24 de setembro de 2023 às 19h11.
De São Francisco, Califórnia
Em uma tarde de sexta-feira ensolarada em São Francisco, na Califórnia, um amontoado de turistas procura o melhor ângulo para fazer fotos na Lombard Street. A rua atrai pessoas de todo o mundo pelo jeito que é desenhada: cheia de curvas, uma seguida da outra, na descida de uma colina. De um instante para o outro, porém, a mira das lentes sai da curiosa rua. Dobrando uma outra esquina, um carro branco, cheio de câmeras, do teto aos espelhos, rouba a atenção. “Deve ser o Google mapeando a rua para atualizar no Street View”, diz uma turista.
A turista está quase certa. O carro é mesmo do Google, mas o serviço que ele está prestando não é para o Street View, a ferramenta que permite visualizar imagens 360 graus das ruas e estradas do mundo. Na verdade, ele está atuando para a Waymo, um braço do Google para corridas e caronas por aplicativo.
Mas por que tanta câmera? A resposta fica mais clara conforme o carro se aproxima dos turistas. No banco de trás, dois clientes desembarcam na famosa rua. No banco da frente, porém, não há nenhum motorista. O carro está dirigindo sozinho. É um táxi robô.
A cena descrita acima foi presenciada pela reportagem da EXAME na última sexta-feira (23), mas poderia muito bem ter sido vista por qualquer pessoa que visita São Francisco, no norte da Califórnia. A cidade é uma das primeiras do mundo a ter dado permissão, em agosto, para que empresas comercializem serviços de táxi autônomo, sem motorista. Antes disso, até tinha um ou outro carro prestando o serviço, mas sem cobrar ou em áreas limitadas da cidade.
Por lá, duas são as empresas que oferecem o serviço. Uma é a Waymo, empresa subsidiária da Alphabet, dona do Google. A gigante de tecnologia começou a trabalhar no projeto de ter carros elétricos em 2009, há mais de uma década, e começou a prestar os serviços comercialmente nos últimos dois anos, primeiro em Phoenix, no Arizona, e depois em São Francisco.
A outra é a Cruise, que nasceu independente em 2013 e que foi adquirida em 2016 pela General Motors, dona da marca Chevrolet. A montadora, aliás, investiu pesado no projeto. Em 2018, por exemplo, aportou com o Softbank cerca de 3,3 bilhões de dólares na tecnologia, algo em volta de 17 bilhões de reais. Hoje em dia, a cifra de investimento na companhia já passa dos 50 bilhões de reais. Em São Francisco, começou a atuar em 2022 em um projeto mais experimental e ganhou escala agora, com a liberação para comercialização total do serviço.
Na prática, os dois veículos são bem parecidos. Ambos têm sensores e câmeras que ficam girando e capturando movimentos em 360 graus na parte de cima do carro, sobre o teto. Os dois também têm câmeras nos espelhos retrovisores, na frente e atrás do veículo. Todo esse aparato, somado a informações de geolocalização e machine learning, subsidiam a tecnologia que faz o carro andar sem motorista.
À medida que a noite cai, uma onda de carros cheios de câmeras e vazios de motoristas invade o centro da cidade. Não é raro você ver, em um mesmo quarteirão, dois ou três veículos andando em fila.
Tem uma razão por ter mais carro à noite do que durante o dia. No caso da Cruise, a empresa só opera neste turno, entre as 21h e as 5h30min do dia seguinte. É quando há menos carros e pessoas na rua. Também é quando os famosos bondinhos elétricos que andam pela cidade estão fora de operação.
A reportagem da EXAME pegou carona em um dos veículos em operação pela Cruise. O serviço tinha acabado de começar, por volta das 21h30, quando o carro se aproximou do ponto de partida. Passou rapidamente por onde eu o aguardava e, alguns metros à frente, freou e parou de maneira súbita. Entre o tempo de pedir e a chegada do veículo foram cerca de 15 minutos. Lá começava minha jornada.
Para desbloquear o carro, é preciso liberar o comando pelo aplicativo da Cruise. Assim que entro, um comando de voz se apresenta e me dá boas-vindas. O táxi robô tem nome: se chama Hera. “Cada veículo tem seu próprio nome, nenhum é igual”, diz Vanessa Darthy, que me acompanha nessa viagem. Vanessa é baiana radicada em São Paulo e se mudou para São Francisco há cerca de três anos. Desde então, oferece tours para brasileiros pela cidade e pela região do Vale do Silício. Recentemente, começou a incluir, como diferencial de cortesia em seus pacotes, passeios com o táxi robô.
Para começar a viagem, duas coisas são necessárias: a primeira é pôr o cinto de segurança. Sem ele, o carro não sai do lugar. A outra é dar “start” em uma tela touch screen que fica disponível em frente ao passageiro. Na tela também é possível ver o mapa com o caminho que o carro está tomando, escolher a música e jogar um “quiz” de conhecimentos gerais. Ainda não é possível, por exemplo, regular ar-condicionado ou luzes do veículo. Entre o banco de trás e o assento do motorista, há um acrílico que impede, por exemplo, que o passageiro encoste no volante ou em botões do painel de controle.
Ao darmos start, o carro liga e parte rumo ao destino final. A primeira sensação é de estranhamento - principalmente nas esquinas, quando o volante vira quase que por completo para o carro entrar em uma nova rua. Apesar disso, não há grandes surpresas pelo caminho: ele acelera quando pode acelerar, freia quando precisa e para em todos semáforos e faixas de segurança, dando espaço para os pedestres.
Mas como em qualquer viagem, há percalços no caminho. De um segundo para outro, um homem surge por entre dois carros estacionados, dando um susto no táxi robô. Ele freia bruscamente, dando um solavanco que faz o corpo de quem está no banco passageiro ir para frente. Mas tanto quem está dentro como quem está fora do carro ficou a salvo.
Mais para frente, o carro que está na frente do táxi robô para no meio da pista, à espera de alguém. Prontamente, o veículo sem motorista liga o sinal e ultrapassa o carro parado, mesmo em uma faixa de mão dupla. Ele também identificou, rapidamente, que não vinha ninguém e que a ultrapassagem era possível. Em um outro momento atípico, ele faz uma curva e resolve entrar entre dois carros, mas um veículo impaciente não dá espaço. Como já está no meio da pista, podendo trancar um cruzamento, o táxi robô decide tentar mais um pouco, e vai, aos poucos, acelerando para conseguir o espaço que precisa. No último ato atípico, ele para em um semáforo fechado, mas decide ir mais um pouquinho, ficando em cima de uma faixa de segurança.
Apesar desses acontecimentos, a verdade é que a impressão que dá, passado os minutos iniciais, é que você está em um carro normal. Os únicos momentos em que você volta a perceber que não tem ninguém por de trás do volante é quando olha para o assento do motorista ou quando algum curioso, na rua, para tudo que está fazendo para fotografar o veículo. Ou então na hora de sair do carro, quando você vai agradecer pela corrida e não tem ninguém para receber o “obrigado”.
A baiana Vanessa Darthy trabalhou por 10 anos no Itaú, na área de tecnologia e produto, quando decidiu, durante a pandemia, que se mudaria para os Estados Unidos. Alugou um apartamento em São José, uma das principais cidades do Vale do Silício e fincou residência em solo estadunidense. Trabalhou mais um tempo remotamente para o banco até pedir demissão.
Desde então, ela tem um outro negócio. É a Darthy Go, uma agência de turismo que recebe brasileiros na região de São Francisco. São três pacotes: o clássico em São Francisco, um por Napa Valley e outro pelo Vale do Silício, onde leva os turistas a conhecerem as sedes de big techs como o Google e Meta, do Facebook.
Muito ligada em tecnologia, Vanessa percebeu cedo que poderia usar os táxi robô como um atrativo e um diferencial nos seus passeios. Por isso, desde abril, ao final do tour, a baiana convida os seus clientes a darem uma voltinha de carro autônomo. “Eu não faço como parte do pacote, mas ofereço como uma cortesia”, diz. “A maioria das pessoas aceita, mas tem também quem fica com medo e prefere não fazer”.
Sobre quem aceita, a percepção é quase sempre a mesma. “Nos primeiros cinco minutos, eles ficam impressionados, olhando para tudo”, afirma Vanessa. “Depois, eles começam a se divertir até com outras coisas, como o fato de ter um monte de gente que tira foto e abana para quem está dentro do carro”.
Como anda frequentemente com os táxis robô desde abril, Vanessa garante que já há mudanças e aperfeiçoamentos. “No início, ele tinha mais dificuldade de entender algumas coisas, às vezes ele parava e ficava calculando por alguns segundos o que fazer”, diz. “Vendo agora, ele está muito mais evoluído. Quase não trava mais e tem uma capacidade de tomar decisões muito rápida”.
Por enquanto limitado à área de São Francisco, Vanessa acredita que não levará tempo para ele pegar a highway e ir para outras regiões do Vale do Silício.
Apesar de chamar a atenção dos turistas e de ser uma experiência curiosa para quem usa, nem todos estão contentes com os táxis robô que estão dominando o centro de São Francisco. Um grupo chamado Safe Street Rebel tem ganhado espaço nas manchetes dos jornais da cidade por protestar contra os táxis sem motoristas colocando cones em cima do capô dos veículos. Com isso, o sistema não consegue andar, porque reconhece que tem um objeto estranho.
No site da Safe Street Rebel, o grupo argumenta que não há leis de responsabilidade para esses carros, que eles não são seguros e que podem tirar o trabalho de pessoas, como motoristas de aplicativo. Além deles, a Aliança dos Motoristas de Táxi de São Francisco também emitiu uma nota protestando contra o serviço, chamando a tecnologia de imatura e dizendo que toda vez que um táxi robô erra, há fila de congestionamento na cidade.
A EXAME procurou a Waymo e a Cruise para que falassem sobre seus produtos e posições, mas não teve retorno. Em seu site, a Cruise fala que “muitas das colisões que nossos veículos autônomos encontraram ocorreram em baixas velocidades e não foram causadas pelo comportamento de direção deles”.
O debate sobre segurança e sobre o futuro do trabalho não são os únicos desafios para essas empresas. Em termos de negócio, há um ponto importante no radar: como escalar, fazer receita e recuperar os investimentos bilionários já feitos na tecnologia. Os veículos ainda são caros, custando cada um cerca de um milhão de reais, a frota é pequena e a demanda, por mais que seja alta, é limitada pelas leis. Nos Estados Unidos inteiro, por exemplo, só duas cidades permitem comercialização do serviço.
São pontos importantes que, sem dúvida, seguirão sendo discutidos ao longo do caminho. A viagem dos táxis robô está só começando.