Plantação de cacau sustentável no estado do Espírito Santo / Divulgação: Nestlé
Repórter
Publicado em 6 de outubro de 2023 às 10h26.
Última atualização em 20 de outubro de 2023 às 11h04.
VILA VELHA E LINHARES (ES)* — O ano de 2023 está sendo um período de movimentações para a Nestlé, uma das principais empresas de alimentos do mundo. Boa parte das mudanças giram ao redor do negócio de chocolates.
Há três grandes novidades. A primeira foi o desfecho da compra da marca Garoto, fundada em Vila Velha, no Espírito Santo, em 1929. Há mais de 20 anos de divulgada, a aquisição teve o sinal verde do Cade, órgão federal antitruste, em junho deste ano.
Em setembro, quatro meses após o fim do enrosco envolvendo a marca capixaba, a Nestlé anunciou a compra do Grupo CRM, dono das marcas de chocolate Kopenhagen e Brasil Cacau e da rede de cafeterias Kop Koffe.
A aquisição colocou o segmento de chocolates num lugar bastante relevante na estratégia da Nestlé Brasil. “O crescimento da categoria chocolate veio muito forte desde a pandemia, tanto que conseguimos acelerar e crescer três anos na frente do que a gente previa,” afirma Mariana Marcussi, head de marketing de chocolates da Nestlé Brasil.
Agora, a Nestlé aposta em novos processos para a produção do cacau. O mote é tornar a produção da matéria-prima mais sustentável, seja do ponto de vista social, ambiental e, por fim, o econômico.
Em linhas gerais, o cacau sustentável privilegia a matéria-prima vinda de produtores cujo manejo se difere em algumas práticas. Numa dessas fazendas visitadas pela reportagem da EXAME em Linhares, cidade a 137 quilômetros de Vitória, é possível entender na prática a diferença. Por ali, o produtor cuida da plantação, colheita, fermentação e secagem das amêndoas, além do destino das cascas do cacau. O que diferencia o cacau sustentável é o cuidado: não apenas com a produtividade do fruto, mas também com o meio ambiente e treinamento dos profissionais.
Na plantação, outras culturas, como a seringueira e o mamão, são plantadas juntos com o cacau. Por ser uma planta mais frágil e de estatura menor, o cacau precisa de sombra para poder produzir mais. Ainda no estágio da plantação, os produtores dessa fazenda buscam usar cada vez menos agroquímicos e tem responsabilidade com o uso da água por meio de um novo sistema de recursos hídricos que libera a quantidade exata para cada área plantada do cacau. O processo de secagem da amêndoa também está ficando mais mecanizado, ajudando os produtores a focarem em outras atividades, como manejo do solo, uso das máquinas e na compostagem do casqueiro, que é tratado em uma área reservada e depois aproveitado como adubo. Além desses processos agrícolas, o cultivo deste fruto gera renda para a população local, que apesar de estar em terras mais remotas, possui um trabalho digno na cadeira do cacau e treinamentos sobre processos cada vez mais sustentáveis.
A aposta no cacau sustentável ganhou força em 2023, com os novos e grandes investimentos da empresa no setor de chocolate, além da necessidade do Brasil se tornar autossuficiente em cacau. Apesar dos investimentos recentes, a aposta no manejo sustentável do cacau vem de algum tempo dentro da empresa.
Chamado de “Nestlé Cocoa Plan”, o programa chegou no Brasil em 2010 com objetivo de produzir o próprio cacau e de forma sustentável. “Em 2018, a Nestlé Global anunciou um compromisso de trabalhar com cacau 100% sustentável até 2025. Para atingir essa meta, apostamos R$ 100 milhões para acelerar as iniciativas do programa “Cocoa Plan no Brasil,” diz Marcussi.
Para um cacau ser considerado sustentável, são considerados três aspectos: ambiental, social e econômico. Por ser um fruto nativo da região Amazônica e um importante gerador de renda para as comunidades, o cultivo do cacau contribui para o desenvolvimento das regiões produtoras, a criação de cooperativas e a melhora na renda e na qualidade de vida de milhares de famílias, segundo Anna Paula Losi, presidente executiva da AIPC (Associação das Indústrias Processadoras de Cacau.
"Além desse aspecto de desenvolvimento social, o plantio do cacau por meio dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) e do Sistema Cabruca também tem um papel fundamental, uma vez que permite consorciar a produção de outras espécies ao cultivo do cacau", afirma Losi, que reforça que assim, em uma mesma área, o produtor pode cultivar não só o cacau, mas também banana, castanha, açaí e outros produtos, aumentando a sua renda e contribuindo para a preservação das espécies daquela região.
Ainda sobre o aspecto ambiental, um estudo da ONG Solidaridad, de 2018, apontou que a floresta de cacau tem capacidade de sequestro de carbono superior ao da floresta convencional. “Enquanto uma área com cacau sequestra cerca de 120 toneladas de CO2/ha/ano, a floresta convencional sequestra apenas 6,5 toneladas de CO²/ha/ano,” diz Losi.
O baixo acesso do produtor de cacau à assistência técnica é outro fator que impacta muito na produção do cacau sustentável, e essa necessidade foi identificada em um estudo realizado pelo Instituto Floresta Viva, com o apoio da iniciativa CocoaAction Brasil, em 2020, sobre o perfil da produção de cacau na Bahia. Apenas 5% dos produtores entrevistados afirmaram ter acesso à assistência técnica regularmente.
Esse estudo acompanhou 2.443 propriedades rurais ao longo de quatro anos e é o primeiro levantamento completo que se tem da atividade cacaueira no estado. “Com esses dados, as indústrias têm feito investimentos na melhoria da produtividade, assistência técnica e sustentabilidade dos produtores, principalmente dos pequenos produtores, que são aqueles que mais precisam de apoio e incentivo,” afirma Losi.
Para apoiar a causa, a AIPC lançou um e-book compilando os projetos em andamento na cadeia produtiva do cacau. A ideia da publicação é mostrar que o setor vem trabalhando de forma conjunta e constante, para alavancar a produtividade em suas mais diversas frentes.
Ao enxergar esse gargalo na produção nacional do cacau, as indústrias do setor, como empresas processadoras e chocolateiras, se movimentaram e estão investindo e fomentando o cacau sustentável. “Grande exemplo disso é a iniciativa CocoaAction Brasil, que conta com o investimento das empresas Barry Callebaut, Cargill, Dengo, Harald, Mars Wrigley, Mondelēz International, Nestlé e Ofi,” diz a presidente da AIPC.
Por ser uma iniciativa que reúne representantes de todos os elos da cadeia, desde produtores a indústrias, do poder privado ao público, a CocoaAction” se tornou fundamental nesse processo de modernização e crescimento da cadeia produtiva do cacau no Brasil, afirma Losi. “Todos têm o intuito de debater os desafios e gargalos do setor, por isso é importante buscar, não só na iniciativa privada, mas também com o poder público, ferramentas que contribuam para que o Brasil volte a ser autossuficiente na produção de cacau, a fim de que os produtores tenham acesso à assistência técnica e ao crédito e possam investir na melhoria da produção e da produtividade.”
Essas necessidades do setor foram identificadas no estudo apenas em 2018, mas os gargalos com a produção do cacau são mais antigos. Na década de 80 a doença conhecida como “vassoura de bruxa” derrubou a produtividade do cacau do estado Bahia pela metade, desde então o Brasil deixou de ser autossuficiente. Com este cenário, em 2009, a Nestlé apostou no programa “Cocoa Plan”, que busca ajudar produtores a produzirem cacau sustentável no Brasil.
Por ter cerca de 40% da participação do mercado de chocolate do Brasil, a Nestlé sentiu a necessidade de apostar mais neste produto que é o segundo da casa em demanda do consumidor. “Dentre os nossos produtos mais consumidos, temos o leite, o cacau e o café. E dentro do mercado brasileiro, a Nestlé é a maior compradora de cacau,” afirma a diretora. Apesar de ter um forte mercado interno, o cacau que consumimos ainda não é 100% nacional e tampouco é sustentável. Com o objetivo de aumentar a produtividade do cacau brasileiro focando em práticas regenerativas, surgiu o Programa Nestlé Cocoa Plan. “Temos um pilar muito forte de melhores práticas agrícolas, trabalhando todas as práticas de ESG, e queremos com o Nestlé Cocoa Plan cultivar o cacau de forma sustentável no Brasil,” diz Marcussi.
Em linha com os processos sustentáveis apresentados pela AIPC, a Nestlé investe em diferentes práticas para produzir um cacau nacional mais sustentável:
Na plantação: essa diversidade de cultura que é plantada junto com o cacau gera novos empregos para a população local, principalmente para as mulheres, que atuam na colheita dessas culturas adicionais. Além disso, a sombra das outras culturas aumenta a produtividade do cacau;
Na distribuição de água: são usados sistemas de irrigação mais eficientes, aproveitando a água de forma mais consciente;
No uso do agroquímico: a aposta é na utilização de controle biológico sempre que possível, associado a utilização do manejo integrado de pragas e doenças (MIPD);
Na colheita: utilizam mecanização sempre que possível, dando melhor condição de trabalho para os funcionários, principalmente relacionado a ergonomia;
No descarte: todos os resíduos orgânicos são utilizados para realização de compostagem e produção de compostos orgânicos que irão substituir a utilização de fertilizante químico e consequentemente reduzir a pegada de carbono;
Na geração de emprego: os produtores rurais e funcionários são orientados sobre a obrigatoriedade de todas as leis trabalhistas, assim como ter uma condição adequada de trabalho a cada uma das atividades.
No treinamento dos produtores: além de aumentar a rentabilidade do cacau, outra preocupação do programa é o treinamento dos produtores alinhado aos processos de sustentabilidade e produtividade na lavoura.
A companhia que possui boa parte das plantações de cacau nos estados da Bahia e Pará (90%), e o restante no Espírito Santo (5%) e em Rondônia (5%), atualmente têm 63% das plantações de cacau sustentáveis, a meta é chegar a 100% em 2025 por meio do programa Cocoa Plan, segundo a diretora de marketing da Nestlé.
“O que estamos fazendo é garantir o nosso negócio. Queremos continuar crescendo na produção de cacau, porque é uma categoria importante para os consumidores locais, por isso estamos pensando em ter a matéria-prima novamente, mas feita de maneira correta, respeitando as pessoas e o meio ambiente. Não tem como pensar em futuro sem pensar em responsabilidade com a cadeia que a gente trabalha.”
Além das práticas sustentáveis, outro desafio da Nestlé será trabalhar a segregação e a rastreabilidade dessa cadeia, ou seja, quanto de cacau sustentável tem em cada marca de chocolate. Atualmente, por balanço de massa, a diretora Marcussi garante que o Kit Kat é 100% cacau sustentável desde 2016, e que o Alpino, Talento, Prestígio e Batom usam cacau sustentável desde 2022. “Além dessas marcas, no ano que vem entraremos com a os ovos de Páscoa 100% sustentável, junto com os tabletes, que é o nosso core business, e por fim as caixas de bombons,” diz a diretora.
O cuidado com a escolha com a matéria-prima pode ser um ponto a ser trabalhado junto com as novas marcas (Kopenhagen, Brasil Cacau), afirma Marcussi. “Ainda estamos em processo de tramitação com o Cade, enquanto isso não temos a definição da estratégia com essas grandes marcas, mas tudo que fizer sentido, que tiver sinergia e for para o bem do consumidor, acredito que acontecerá naturalmente, e a escolha da matéria-prima pode ser um dos pontos a serem avaliados.”
Com 4 mil fazendas de cacau hoje no Brasil, a Nestlé estima ter um número maior de fazendas em 2025, entre 10 e 14 mil fazendas. “Com o nosso investimento de R$ 100 milhões, 70% do valor será para buscar essas fazendas que tem potencial para o cultivo do cacau e os outros 30% será para trabalhar a produtividade, que são projetos de mais longo prazo.”
Com a emergência do cacau sustentável, após atingir o maior número de fazendas, em 2025 as prioridades do investimento mudarão. A partir de 2025, a companhia irá inverter essa lógica de primeiro recrutar fazenda e depois a produtividade, diz a diretora da companhia. “Com um número maior de fazendas, conseguiremos focar na produtividade, que pode demorar de dois e três anos, porque o cacau é uma cultura que demora três anos para produzir. Trata-se de um investimento que nunca foi feito na Nestlé.”
Com projetos como o Cocoa Plan, a expectativa é que o Brasil se torne um dia autossuficiente em cacau sustentável. Atualmente, o Brasil está em 6º lugar sendo responsável por 4,20% da produção mundial, de acordo com o International Cocoa Organization (ICCO).
Em 1º lugar está a Costa do Marfim, como o maior produtor de cacau do mundo responsável por 44,15% da produção mundial. Em seguida vem Gana, segundo maior produtor com 15,05%, Equador com 8,01%, Camarões com 5,82%, Nigéria com 5,61% e Indonésia com 3,60%. “Se toda a indústria de chocolate, não só a Nestlé, puxar essa cultura, conseguimos ser autossustentável com a produção de cacau e pelas projeções acredito que conseguimos atingir esse objetivo em 4 anos ou no máximo 10 anos,” afirma Marcussi.
*A jornalista viajou a convite da Nestlé Brasil