Negócios

Bulgari se rende à cerâmica com joias reféns da bolha do ouro

A valorização do ouro virou de pernas para o ar a dinâmica econômica das joias - tanto para compradores quanto para vendedores

Loja da Bulgari, em Nova York: cerâmica com joias ao invés do ouro (Alli Harvey/Getty Images)

Loja da Bulgari, em Nova York: cerâmica com joias ao invés do ouro (Alli Harvey/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 22 de junho de 2011 às 13h25.

São Francisco, Mumbai e Istambul - Em junho, Bill Doddridge pilotou seu monomotor Cessna 400 até Twentynine Palms, no limite do Deserto de Mojave, na Califórnia. Com uma pistola calibre 45 no cinto, se dirigiu a uma mina abandonada. Ele estava em busca de ouro.

Após cavoucar a terra, se esgueirar por poços, Doddridge acabou comprando a mina, fechada desde a Segunda Guerra Mundial. O ouro a ser minerado ali serviria como um negócio paralelo à sua rede de joalherias. A arma, no fim, era apenas uma precaução contra cascavéis.

“Se não conseguimos ganhar dinheiro vendendo ouro, podemos muito bem começar a minera-lo”, disse Doddridge, de 55 anos, presidente da Goldenwest Diamond Corp., de Tustin, na Califórnia. A companhia é dona da rede Jewelry Exchange, com 17 lojas e um website. “É um mundo insano.”

A valorização do ouro - que atingiu o recorde de US$ 1.431,25 por onça em 7 de dezembro - virou de pernas para o ar a dinâmica econômica das joias, tanto para compradores quanto para vendedores, com resultados diversos em diferentes partes do mundo. O volume de joias de ouro comprado nos Estados Unidos caiu 36 por cento nos últimos três anos. Na Índia, onde a demanda disparou, mulheres estão comprando pulseiras ocas que se parecem com joias maciças. Joalheiros europeus estão misturando o metal a aço e cerâmica. Exportadores turcos estão fechando empresas com a queda nas encomendas.

Quando o ouro atrapalha

“O negócio de joias está refém de algo completamente fora de seu controle”, diz Michael Langhammer, presidente da Quality Gold, atacadista de Fairfield, no estado americano de Ohio. Segundo Langhammer, a empresa está redesenhando modelos para utilizar mais prata.

O ouro subiu cerca de 200 por cento desde o lançamento de um fundo garantido em ouro negociado em bolsa, feito em novembro de 2004 pelo World Gold Council. Com o fundo, o metal passou a poder ser adquirido na Bolsa de Nova York com a mesma facilidade com que se compra ações.

“O ouro é a única coisa que atrapalha esse negócio”, disse Doddridge. Ele espera um aumento de 7 por cento nas vendas totais neste ano, e uma queda de 25 por cento nas vendas de artigos de ouro.

No Richline Group, fabricante de Mount Vernon, no estado de Nova York, controlada pela holding Berkshire Hathaway Inc. de Warren Buffett, 40 por cento das vendas vêm do ouro, comparado a 70 por cento em 2006, segundo o diretor operacional Mark Hanna. A Signet Jewelers Ltd., dona de mais de 1.300 lojas nos EUA e cerca de 550 no Reino Unido, está oferecendo mais produtos de prata, tungstênio e titânio, diz Ed Hrabak, diretor sênior de merchandising.


Consumidores ‘ouro-centrados’

A Bulgari SpA, com sede em Roma, ampliou a gama de anéis de sua linha B.zero1, que em 2000 eram feitos em ouro sólido, para incluir outros que misturam ouro a cerâmica

“É uma forma interessante de introduzir algo mais atraente, mais excitante para o cliente final, uma forma de propor algo que pode ser menos caro”, diz Francesco Trapani, presidente da Bulgari, terceira maior joalheira do mundo.

A Tara Jewels Ltd., de Mumbai, inventou o Honeydium, uma mistura de prata, cobre, zinco e índio que, segundo a empresa diz em seu website, oferece uma “percepção” equivalente à de ouro amarelo de 10 quilates.

Na Índia, país que é o maior consumidor de ouro e maior produtor de joias em ouro, a paixão por pulseiras, colares e brincos de ouro existe há séculos. Apesar do preço, a demanda no terceiro trimestre aumentou 36 por cento, o maior aumento no mundo, segundo o World Gold Council, que representa empresas de mineração.

“O consumidor indiano é ‘ouro-cêntrico’”, diz Rajeev Sheth, diretor-gerente da Tara Jewels, que fornece para a Wal- Mart Stores Inc. e outras redes e é dona de 30 lojas na Índia. “Isso não vai mudar se o ouro chegar a US$ 2.000 a onça ou US$ 3.000 a onça.”

‘Must’

A companhia tem uma unidade em Panyu, China, e três fábricas em Mumbai, incluindo uma com 1.600 trabalhadores que andam em tapetes com saliências para capturar ciscos de ouro que grudam nos sapatos.

“O ouro é um must”, diz Dhara Shah, noiva prestes a se casar, enquanto procura joias de 22 quilates na Dwarkadas Chandumal Jewelers, onde um painel eletrônico exibe a cotação do ouro em letras vermelhas.

As paredes estão cobertas de conjuntos para noivas, colares e brincos com até 100 gramas de ouro e que custam 230.000 rúpias ou mais. Shah, 27 anos, diz que o orçamento dela chega a 350.000 rúpias. Para ela, o preço “vai subir ainda mais”, por isso gastará todo seu orçamento agora. “É um bom investimento.”

Para acomodar salários que não sobem tão rápido quanto o ouro, os varejistas precisam ser criativos. “O orçamento permanece o mesmo, a renda permanece a mesma, mas eles querem que as joias pareçam suficientemente grandes”, diz Deepak D. Tulsiani, dono da Dwarkadas Chandumal Jewelers.

Isso significa fabricar artigos leves e pulseiras ocas, o que exige mais trabalho manual. Na loja-fábrica dos irmãos Bank, em Mumbai, 90 gramas de ouro se transformam em seis pulseiras de 2 a 3 centímetros de largura em cerca de 12 horas. Usar uma quantidade menor de ouro para o mesmo trabalho leva mais tempo, diz Abhijit Bank, 41 anos, que é dono do negócio em sociedade com o irmão Sujit, de 37 anos.


Na loja-fábrica, numa viela onde ficam os atacadistas de sáris no Bazar Zaveri, 10 artesãos trabalham sentados em bancos de madeira. Eles usam maçaricos para dobrar o metal, pinças para colocar as pedras nos brincos e peças em forma de cone para dar forma a pulseiras.

“Eles precisam ser mais cuidadosos, porque o ouro leve é muito macio”, diz Abhijit Bank, sentado de pernas cruzadas no chão.

Tempos nada áureos

No Grand Bazaar de Istambul, com seis séculos de existência, o ouro é tão essencial que é usado para pagar aluguéis. Os moradores ainda vêm ao local em busca de pulseiras e moedas dadas como presentes em casamentos, nascimentos e outras ocasiões especiais. Por outro lado, os turistas, que sustentam o bazar, têm mostrado menos interesse por ouro, dizem os varejistas.

“Os clientes europeus não estão mais comprando”, diz Ismail Yilmaz, funcionário da joalheria Sait Koc que trabalha a 24 anos no Grand Bazaar.

A demanda doméstica por ouro na Turquia subiu 3 por cento em volume no terceiro trimestre, segundo dados do World Gold Council. As exportações caíram 20 por cento nos últimos três anos com a produção migrando para países com mão-de-obra mais barata, segundo a Associação de Exportadores de Minerais e Metais de Istambul.

O negócio de joias foi “cortado com uma faca”, diz Cihan Kamer, presidente da Atasay, que fabrica joias em ouro para o mercado externo. Desde 2008, a Atasay fechou seis de seus nove escritórios no exterior, incluindo um aberto há 27 anos em Nova York.

O setor está espremido pela disparada no preço do ouro e por custos trabalhistas elevados, diz Cihat Cirpici, proprietário da Hibas Kuyumculuk, atacadista que deslocou operações de Istambul para Dubai.

Crescimento chinês

“Gente que estava nesse negócio a vida toda está indo para diamantes, se tem sorte. Do contrário estão sem emprego ou dirigindo táxis”, diz Alaatin Kameroglu, presidente da Associação de Ourives de Istambul. Ele estima que o nível de ocupação no setor retraiu 20 por cento em dois anos. “Se o preço do ouro continuar subindo, coisas piores vão acontecer”, disse.

Na China, a demanda por ouro pode dobrar em uma década, de acordo com o World Gold Council. O volume de joias de ouro vendidas aumentou 8 por cento no terceiro trimestre.

Yan Jie diz que dirigiu duas horas da província de Hebei até a loja de departamentos Caishikou em Pequim com a noiva Yang Hongwei, uma contadora de 23 anos, e os pais dele.

“Apesar de ainda não termos definido uma data para o casamento, queremos comprar ouro agora antes que os preços fiquem malucos”, diz Yan, funcionário público que também tem 23 anos. Entre os artigos da loja estão pingentes de 31,99 gramas com o rosto de Mao Tse-Tung e barras estampadas com o Deus da Fortuna e o Coelho, signo chinês para o Ano Lunar de 2011.

Os mercados da Ásia e dos EUA não poderiam ser mais distintos, diz Sheth, da Tara Jewels. O honeydium é destinado a americanos e ocidentais que não têm ligação emocional com o ouro, Sheth diz.

“Aqui eles preferem ganhar de Natal um enorme anel feito de prata e folheado a ouro com diamantes incrustados do que uma pecinha fina de ouro com diamantes”, diz Sheth. “Eles estão mais preocupados com o valor percebido, o impacto obtido com o dinheiro.”

Acompanhe tudo sobre:Bolhas econômicasCrises em empresasEstratégiagestao-de-negociosLuxo

Mais de Negócios

Ele viu o escritório afundar nas enchentes do RS. Mas aposta em IA para sair dessa — e crescer

Setor de varejo e consumo lança manifesto alertando contra perigo das 'bets'

Onde está o Brasil no novo cenário de aportes em startups latinas — e o que olham os investidores

Tupperware entra em falência e credores disputam ativos da marca icônica