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Brasil não sabe explorar o turismo, diz presidente da Accor

Para Roland de Bonadona, fazer negócios no país "não é para principiantes". A EXAME.com, ele deu sua última entrevista no comando da rede, que deixa após 20 anos


	Bonadona: depois de 21 anos no comando da Accor no Brasil, executivo deixa empresa
 (Divulgação/Accor)

Bonadona: depois de 21 anos no comando da Accor no Brasil, executivo deixa empresa (Divulgação/Accor)

Luísa Melo

Luísa Melo

Publicado em 23 de junho de 2015 às 16h13.

São Paulo – Há 21 anos no comando da rede de hotéis Accor no Brasil, o francês Roland de Bonadona vai deixar o posto no próximo dia 1º de julho. Ele passará a batuta para o colega Patrick Mendes, que há três anos dirige marcas da empresa na América do Sul.

Com quatro décadas de experiência, Bonadona conhece de perto o mercado hoteleiro. Sob sua gestão, o número de unidades da Accor pulou de 22 para 260 na América Latina – 219 delas só no Brasil.

O executivo foi o responsável pelo lançamento das marcas econômicas da companhia por aqui, a família Ibis, segmento com a maior expansão dentro do grupo.

Em março, foi eleito presidente da Câmara de Comércio França-Brasil, projeto que assumirá pelos próximos dois anos.

Bonadona concedeu sua última entrevista como presidente da Accor a EXAME.com. Ele falou sobre sua contribuição para a empresa, o legado (e os erros) da Copa para o país, o ambiente de negócios por aqui e sobre seus novos planos. Confira os melhores trechos:

EXAME.com – A Accor no Brasil está há mais de 20 anos sob o seu comando. Como vocês construíram o processo de sucessão?

Roland de Bonadona – O processo de sucessão ocorreu nos últimos dois anos e foi muito bem estruturado. Meu sucessor (Patrick Mendes) está aqui no Brasil há três anos e já estava designado para assumir marcas da Accor na América do Sul. Ele conhece bem o país e o continente, conhece bem a empresa e os desafios de operar na região.

EXAME.com – Você participou da escolha?

Bonadona – O processo é muito bem elaborado junto com toda a empresa, comandado pelo RH, mas ele era o meu candidato, fui em quem o indiquei.

EXAME.com – Recentemente, a rede anunciou que irá construir 26 novos hotéis na região da América Latina e Caribe até 2018, a maioria da bandeira Ibis. A empresa continuará investindo na expansão do segmento econômico?

Naturalmente, a gente vende mais diárias econômicas do que de luxo. A demanda cresce mais na base da base pirâmide. Temos hoje 219 hotéis em operação no Brasil, e outros 159 sendo desenvolvidos. Dentro dessa carteira de desenvolvimento, a maioria dos hotéis são econômicos, 29 da categoria midscale (intermediária) e apenas dois de luxo.

Essa é a relação normal na hotelaria. Estamos presentes em 92 cidades do Brasil e temos hotéis cinco estrelas em somente meia dúzia delas, que são grandes metrópoles operacionais – como São Paulo, Rio de Janeiro, Guarulhos (por conta do aeroporto internacional), Florianópolis e Recife.

As diárias de luxo custam a partir de 500 reais e nem todo turista paga esse preço, geralmente acontece nas grandes cidades e estamos nos desenvolvendo muito nas pequenas.

EXAME.com – A crise econômica pode interferir nesse projeto de expansão?

Bonadona – Um hotel novo demora em torno de 4 anos e meio para ficar pronto, desde a assinatura do contrato com o investidor até a abertura para o público. A crise, com a dificuldade de acesso a recursos, pode atrasar a entrega dos empreendimentos (prevista para o fim do ano de 2018).

Mas não vamos deixar de construir, porque sabemos que a situação é temporária e o Brasil vai continuar a crescer quando ela passar. A nossa carteira de desenvolvimento garante a expansão do grupo nos próximos anos.

Nesse intervalo, porém, devem aparecer novas conversões de hotéis (processo em unidades de hoteleiros independentes passam a operar por marcas da Accor). Isso é mais rápido do que construir.

EXAME.com – Você já disse que gosta de visitar os hotéis que estão sob sua gestão para se aproximar do dia a dia deles. Como você tem feito isso ultimamente, com uma rede tão grande?

Bonadona – Quando cheguei aqui (em 1990) a Accor tinha 22 hotéis (na América Latina) e uma equipe pequena. Todo mundo se conhecia, havia uma relação de proximidade. Hoje ela tem 219 unidades no Brasil e abre a cada ano uma quantidade maior do que a que havia naquela época. Mas também tem uma operação mais estruturada, o que facilita. 

Acho importante traçar uma visão estratégica do que precisamos almejar para daqui quatro ou cinco anos e, ao mesmo tempo, ter uma presença mais direta tanto nas equipes, para conhecer o clima dentro da empresa na prática, tanto junto aos donos dos hotéis, nossos parceiros e clientes.

EXAME.com – E como vocês criam essa proximidade?

Bonadona –Temos uma reunião chamada “Sinta-se em casa”. Uma vez por mês, grupos de colaboradores de outras cidades vêm para são Paulo para conhecer a sede e as outras marcas da companhia. A gente passa três horas juntos, é uma maneira de sentir um pouco a temperatura do terreno. Frequentemente eu também visito alguns hotéis e tenho contato com os investidores.

Além disso, a gente monitora não apenas os indicadores financeiros, mas a satisfação dos clientes. Fazemos isso não só através de questionários diretos após a estadia, mas por meio do que eles comentam nas redes sociais. E ainda verificamos se o nível de motivação dos funcionários está dentro dos padrões das melhores empresas para se trabalhar. Porque se eles se sentem bem, vão tratar bem o consumidor.

Esse monitoramento é fundamental porque garante o resultado financeiro de longo prazo.

EXAME.com – Que oportunidades a Copa do Mundo do Brasil, realizada no ano passado, e os Jogos Olímpicos, que ocorrerão no país no ano que vem, trouxeram para a Accor?

Bonadona –  Quando há eventos desse porte, cria-se uma janela de desenvolvimento nos locais onde eles acontecem. Os requisitos para implantar hotéis, como a concessão de alvarás e as condições de construtibilidade, são flexibilizadas. Assim,  (durante esses acontecimentos) o projeto hoteleiro se torna mais viável nessas cidades do que seria em outros momentos. Se você tem bom parceiros, consegue dar uma acelerada nos planos.

No Rio de Janeiro (que vai sediar as competições olímpicas no ano que vem) já abrimos novos hotéis e estamos construindo mais alguns. Das 26 unidades que teremos até o início dos jogos, praticamente 16 são resultado da Copa e das Olimpíadas.

EXAME.com – Vai ter demanda para tudo isso quando as Olimpíadas terminarem?

Bonadona – Quando se dimensiona um parque hoteleiro para esses eventos, acontece a mesma coisa que houve com os estádios de Cuiabá e Brasília, por exemplo. Ele fica deficitário (quando os jogos terminam). No caso dos hotéis, a gente sabe que, progressivamente, o crescimento da demanda ajuda, mas esse movimento pode ser acelerado com políticas de desenvolvimento ao turismo.

EXAME.com – Você já disse que o Brasil aproveitou mal as oportunidades durante a Copa. Qual a avaliação que você faz das Olimpíadas?

Bonadona – O turismo é um grande eixo de desenvolvimento econômico e social e o Brasil tem recursos naturais e culturais que estão entre os maiores do mundo. Um estudo feito todos os anos pela Organização Mundial do Turismo (OMT) sobre a competitividade do setor hoteleiro mostra que o Brasil está na 12ª posição no quesito cultura e recursos naturais, mas cai para a 76ª quando o assunto é ambiente de negócios e infraestrutura e para a 82ª quando se trata de políticas de regulamentação. O país tem o mais difícil, mas não sabe explorar.

Trazer a Copa e as Olimpíadas foi um bom trabalho do (ex-presidente) Lula e do (ex-prefeito do Rio) Eduardo Paes. Era uma chance enorme, esses eventos abrem uma janela mundial sobre o país, o mundo inteiro olhou para o Brasil na Copa e vai acontecer a mesma coisa ano que vem.

O país fez investimentos em estádios, infraestrutura e telecomunicação, que eram importantes, mas nenhum em promoção do turismo. Foi uma perda de oportunidade e está acontecendo algo parecido agora.

Deveríamos nesse momento promover e valorizar os destinos que os cerca de 1 bilhão de turistas mundiais ainda não conhecem aqui. Há muitos esforços para modernizar o Rio, construir hotéis, mas não se vê nada para incentivar as pessoas a conhecer outros lugares, cidades ao redor que possam ser visitadas depois dos jogos.

O desafio é como fazer isso. É preciso que uma uma autoridade do governo queira, como ocorreu na Alemanha e Reino Unido.

EXAME.com – Que legado você deixa para a Accor?

Bonadona – A Accor é um grande grupo global que tem uma expertise muito forte no desenvolvimento de conceitos hoteleiros – como Ibis e Novotel – na capacitação das pessoas, no monitoramento de ferramentas.

O ambiente de negócios brasileiro não é fácil, não é para principiantes, tem que ser enfrentado com conhecimento, com parceiros que são capazes de atuar nesse terreno. O que fazemos muito bem é usar os modelos Accor combinados com a energia e a receptividade dos brasileiros e a resiliência dos investidores locais, que sabem que a crise vai passar, que sabem trabalhar com os maiores juros reais do mundo e com a Justiça lenta.

Essa capacidade de juntar as forças locais é que fez nosso sucesso aqui.

EXAME.com – E quais são os seus projetos depois de deixar a Accor?

Bonadona – Fui eleito presidente da Câmara de Comércio França-Brasil (CCBF). Conjugar o que a França pode trazer com a expertise brasileira me interessa muito e vou estar ocupado com isso nos próximos dois anos.

Também pretendo continuar no setor de hospitalidade, não como executivo, porque já assumi a presidência da maior rede do país, mas com consultoria e investimentos. Oportunidades com certeza vão aparecer.

Me naturalizei brasileiro, amo as pessoas daqui, os parceiros. Vou ficar no Brasil para poder testemunhar as mudanças necessárias para se aproveitar o que esse país tem de bom.

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