As negociações e os principais painéis da COP26 acontecem na Blue Zone, área restrita a quem está credenciado junto à UNFCCC (Emily Macinnes/Bloomberg/Getty Images)
Marina Filippe
Publicado em 6 de novembro de 2021 às 09h00.
Última atualização em 8 de novembro de 2021 às 06h33.
A chegada ao aeroporto de Glasgow, cidade escocesa com quase 600.000 habitantes, logo mostrou um pouco o tom da COP26. Ao entregar ao fiscal o passaporte e a carta da United Nations Climate Change (UNFCC), órgão da ONU responsável pela cúpula climática, a primeira pergunta foi: “você veio à COP26? Soube que o presidente do Brasil não virá, mas bom saber que a imprensa do país está aqui.”
Glasgow vive esse momento como uma Copa do Mundo. Até o final do evento, são esperados 30 mil visitantes, de quase 200 países. A cidade se tornou um mosaico de povos, culturas e estilos. Nos trens da ScotRail, que conectam o pavilhão de eventos aos bairros e a Edimburgo, cidade a 50 minutos de Glasgow onde muitos preferiram ficar para fugir dos altos preços de hospedagem, africanos, asiáticos e latino-americanos disputam espaço com os trabalhadores locais. Nos bares e restaurantes, diferentes idiomas competem com a música ambiente, quase sempre composta de bons rocks britânicos.
Embora a presença de estrangeiros seja notada, a COP26 está sendo chamada de a COP menos diversa da história. As restrições de viagem dificultaram o planejamento, especialmente dos países do hemisfério Sul. E há muitas reclamações sobre a dificuldade de se obter credenciais, especialmente entre organizações da sociedade civil, que sempre marcaram forte presença dentro e fora do evento. Mas, mesmo sem credenciais, foram elas que dominaram as atenções na primeira semana da cúpula.
Da presença recorde do setor financeiro e empresarial, aos protestos da juventude, convocados por Greta Thunberg, o que se viu foram cobranças por mais ação e menos falatório. As empresas querem acelerar a transição para a economia de baixo carbono, os jovens, demandam um capitalismo mais justo e com equidade para todos.
Vídeo: Há futuro? Com Greta Thunberg, jovens pedem justiça climática agora
Para não se perder na COP26 é preciso entender que há duas áreas principais: a zona verde, onde todos são convidados a entrar e, além de palestras, há espaços coloridos e interativos, como numa feira de ciências. E a zona azul, a meia hora de caminhada, onde acontece a maior parte dos eventos, todos para credenciados. Entrar nela é como embarcar num voo internacional.
Há uma primeira checagem de documentos, no portão. É preciso apresentar a credencial e o resultado do teste diário de covid-19, fornecido gratuitamente pelo governo britânico. Em seguida, os participantes caminham em zigue-zague por faixas organizadoras de fila até uma segunda checagem, antes de entrar na área de detectores de metal e raio-x de malas. É preciso retirar casacos, cinto e notebooks. Superada essa parte, há mais uma checagem, onde os crachás são escaneados e seguranças conferem se a foto na credencial e no banco de dados da UNFCCC conferem com a pessoa em questão.
Ao fazer o credenciamento, todos recebem uma caixa de boas-vindas com um passe livre de transporte público, válido para toda rede da ScotRail, lenços antissépticos, máscara, álcool em gel e uma garrafa de água, que pode ser utilizada nas dezenas de bebedouros espalhados pelos pavilhões. Para se localizar dentro da Blue Zone, há um sistema de números e letras. O estande do governo brasileiro, por exemplo, está na zona D, corredor 4ª. O Brazil Climate Action Hub, espaço da sociedade civil brasileira, fica na mesma zona, corredor 4B, em frente ao estande da Arábia Saudita.
Metros à frente está a área E, onde acontecem os grandes anúncios da COP26, como os do presidente Alok Sharma e seus convidados. Nesta sala, as cadeiras são reservadas por país ou organização, e a imprensa pode acompanhar ao fundo.
Ao lado, na zona F, há uma dezena de salas de negociações e palestras. A entrada ali só acontece se houver lugares vazios, então aglomerações são vistas na porta. Entre as zonas E e F há ainda espaço de alimentação, quase sempre com um café e uma geladeira com sanduíches – difícil encontrar recheios que não levem ovos e queijos.
No final do grande corredor, quase fora do centro de eventos, está a sala de imprensa. Apenas jornalistas têm acesso. O espaço tem dois andares. Embaixo, ficam as redes de TV, que contam com monitores e equipamentos para transmissão ao vivo. Em cima, numa espécie de mezanino, há mesas para a imprensa escrita e para as TVs que não reservaram antecipadamente um espaço no térreo. As principais agências de notícias, como Reuters e AFP, possuem salas privativas. A EXAME se posicionou em frente à sala da Reuters, onde também costumam ficar duas repórteres italianas e uma equipe da alemã Deutsche Welle, formada por um espanhol e uma colombiana.
Em meio à correria frenética de dedos batucando teclados e preces para que a rede dê conta de subir os vídeos, há um drama em comum: as tomadas. O Reino Unido utiliza um padrão ainda mais exclusivo do que o brasileiro, formado por dois quadrados e um retângulo posicionados em triângulo. Há uma espécie de mercadinho dentro da Blue Zone, que vende salgadinhos e algumas bugigangas. Os adaptadores se esgotaram no primeiro dia.
Nos primeiro cinco dias, a reportagem da EXAME contabilizou 57.000 passos no pedômetro do smart watch. Com tantas idas e vindas, foi possível perceber que os seguranças e os demais profissionais de apoio estão escalados para estarem sempre no mesmo local, e os rostos começam a ficar familiares. O mais difícil de se acostumar é com o frio de zero grau na hora de sair de casa, e o calor que ultrapassa os 20 graus na sala de imprensa.
A verdade é que a COP26 toma os arredores. Na avenida de entrada há diversos protestos, sendo a maior parte deles à beira do Rio Clyde, próximo da ponte que divide as zonas azul e verde. Quem está ali pede por medidas efetivas, e parece ter pouca confiança nos anúncios feitos do lado de dentro.
Outro exemplo aconteceu nesta sexta-feira, 5, quando milhares de jovens se reuniram há cerca de 1,5 quilômetro dali para pedir por atitudes agora. A ação foi liderada pelo Fridays for Future, organizado por Greta Thunberg e jovens do mundo todo – mais uma vez com muitos brasileiros falando português e inglês.
A realeza britânica também está presente. Tradicional defensor do meio ambiente, o príncipe Charles, herdeiro do trono, tem se encontrado com representantes de vários países e com empresários. Na quinta-feira, 4, ele se reuniu com um grupo de governadores brasileiros, formado por Eduardo Leite (RS), Mauro Mendes (MT) e Renato Casagrande (ES), além de secretários de outros estados.
O príncipe de Gales estava animado e até aceitou uma série de quebras de protocolos. Apesar da proibição de tirar fotos informada antes do encontro, ele posou para selfies com os representantes brasileiros. E aceitou com elegância que uma ativista brasileira, Flavia Bellaguarda, com quem nunca tinha encontrado, atuasse como intérprete, sussurrando em seu ouvido, quando o equipamento de tradução simultânea deu problema. É um exemplo do esforço britânico em fazer essa COP dar certo. O resultado dele será conhecido na próxima semana, quando chegam a maioria dos chefes de delegação. O clima promete esquentar nas negociações.