COP26, em Glasgow: os desafios globais trazem oportunidades para pequenas e grandes empresas (Christoph Soeder/Getty Images)
“Glasgow começa a partir de agora, temos de internalizar tudo o que aconteceu lá para avançar. Há muito dever de casa”, disse Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), na abertura do debate online promovido pela entidade na última terça para avaliar os principais ganhos da 26ª Conferência do Clima da ONU (COP26).
Além de Marina, participaram do evento Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura, Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Liège Correia, diretora de sustentabilidade da JBS, Natália Renteria, gerente técnica do CEBDS, e Marcelo Ramos, deputado federal. A mediação foi de Roberto Pelin, gerente de comunicação do CEBDS.
Para a presidente da confederação, uma das grandes conquistas foi a participação ativa da sociedade, como nunca foi vista antes, com representantes de diversos segmentos discutindo caminhos para a questão enquanto os governos fechavam os acordos.
“A COP26 teve esse aspecto voluntário, furando um pouco da bolha que existe entre a sociedade e o âmbito das negociações”, comentou Marina.
Ana Toni, concorda. “A gente retorna para o Brasil vendo que esse movimento não tem volta. No setor empresarial, ficou claro que empresas estão mobilizadas para isso e quais não estão, e a sociedade está de mãos dadas com as que fazem parte dessa construção. Isso foi muito bom de ver: saímos mais unidos como sociedade”, pontuou.
Marina ressaltou que a movimentação prévia das empresas, encabeçada pelo CEBDS, foi essencial para que o setor privado chegasse à conferência preparado e alinhado.
“Uma coisa acertada foi a coalizão que promovemos, para mostrar que grandes empresas, pesos-pesados do PIB, estão entendendo qual é o desafio do clima e, sobretudo, qual é a oportunidade para o Brasil que isso traz. Por isso, foi formada essa aliança com mais 14 entidades, dando a apoio a 119 assinaturas de CEOs, um trabalho desenvolvido desde 2020 e que culminou com a COP”, avaliou.
Denise Hills, da Natura, destacou que, embora tenha sido uma convenção do clima, a questão das florestas, com toda a sua biodiversidade, tornou-se tema central na COP26.
“Com a assinatura do acordo de florestas, estamos num outro patamar. Talvez para muita gente não fique clara a importância das florestas tropicais no combate às mudanças climáticas e quanto a biodiversidade pode ser fonte, principalmente para o Brasil, de recursos. Isso é valor. É motivo de atração de recursos para uma nova economia, a bioeconomia de floresta em pé”.
O pacto, que abrange mais de 90% das florestas globais, foi uma grande vitória, também no ponto de vista da presidente do CEBDS. "Sem a Amazônia não tem Acordo de Paris. A biodiversidade é uma grande solução. Os ativos, os projetos agroflorestais, são uma grande oportunidade que o Brasil tem no crédito de carbono, pagamento por serviços ambientais e outros tantos aspectos”, disse.
Denise acrescentou que a declaração de florestas será fundamental para o cumprimento das metas do Brasil, especialmente as intermediárias, porque diz respeito a como vamos chegar aos resultados. “E nesse plano é essencial ter a participação do setor empresarial. Temos de nos ver como agentes de mudança”.
“Desmatamento na Amazônia é um fator a ser discutido porque fala também da competitividade das nossas empresas”, ressaltou Denise. Segundo ela, a Comissão Europeia, por exemplo, está discutindo não comprar produtos de empresas brasileiras que não garantam a dissociação dessas commodities com desmatamento.
“Um aprendizado dessa COP é sobre olhar para essas áreas desmatadas como oportunidade de novos modelos de negócios baseados na natureza, com sistemas agroflorestais, que incluam a população tradicional. É uma tremenda oportunidade para a Amazônia, para o Brasil e para as empresas que podem fazer parte de tudo isso”, declarou.
Liège Correia, da JBS, trouxe o acordo do metano, que prevê a redução de 30% das emissões de metano até 2030, como um dos pontos marcantes. “Somos o quinto maior emissor, então, para o Brasil esse acordo é significativo no cenário global. Grande parte das emissões vem da digestão do gado e nosso país tem um dos maiores rebanhos do planeta”, lembrou.
Na visão dela, o Brasil tem todas as condições de atingir as metas do acordo, assim como ir além delas. Como exemplo desse esforço, a executiva falou das ações promovidas pela JBS nos últimos anos.
“Durante a conferência, por exemplo, firmamos uma parceria com a DSM na utilização de suplementos nutricionais que reduzem 90% a emissão de metano nos bovinos”, contou. “Com essa e outras medidas, a pecuária assume o papel de parte da solução, não do problema”.
Outra questão que Liège salientou, foi a importância das tecnologias agropecuárias que já são adotadas no Brasil, como a integração lavoura-pecuária-floresta, que permite produzir mais na mesma área, alternando os ciclos produtivos, e a regeneração de pastagens degradadas.
“Uma vez bem manejadas, essas pastagens passam a ser mais um fator de captura de carbono. Assim, conseguimos, muitas vezes, ter balanços negativos dessas áreas, capturando mais gases do que emitindo”, explicou.
Segundo a diretora, a JBS tem implementado inovações como essas para cumprir o compromisso de se tornar net zero já em 2040, atuando nas emissões diretas e indiretas de toda a cadeia de valor. “Para isso, estamos investindo 1 bilhão de dólares até 2030 no processo de descarbonização das operações globais e 100 milhões de dólares em pesquisa para soluções de agropecuária”.
Essa questão foi uma outra vitória, segundo Marina Grossi. “Para o setor empresarial, foi um divisor de águas. Viemos nos preparando para esse marco, para mostrar que existe um setor empresarial moderno que está olhando para a frente”, disse. “Se fechamos as regras, do jeito que queríamos, então está na hora de avançarmos no tema”, completou.
Para Natália Renteria, a demora de seis anos para que o Artigo 6 do Acordo de Paris fosse regulamentado mostra o tamanho do desafio dessa missão. “Isso agora foi feito de uma maneira muito inteligente, porque amarraram todo o funcionamento desse mercado às NDCs dos países, às suas metas voluntárias. Isso, para mim, foi a beleza do mecanismo adotado”, analisou a gerente técnica do CEBDS.
“Um requisito para um país aceder a esses mercados é estar em dia com o cumprimento das metas prometidas. Para isso, é preciso ter um relato do andamento dessas metas e uma ambição que vai aumentando a cada cinco anos. Ou seja, isso vai ampliar e reforçar as nossas metas nacionais”, ressalta.
Ela avalia como positivos os detalhes da regulamentação, como a inclusão dos componentes socioambientais e dos ajustes correspondentes (quem vendeu os créditos não pode utilizá-los na sua meta), além da governança global e nacional desse mercado.
Mas alerta que não deve ser visto como a grande solução. “Não é uma bala de prata que resolve todos os problemas. Deve ser encarado como uma possibilidade para ajudar a cumprir as metas, mas não podemos nos apoiar só nele. A forma com que vamos usar esse mecanismo é que vai mostrar o seu valor.”
O deputado Marcelo Ramos, que trabalha no Projeto de Lei 528, que visa regulamentar o mercado de carbono no Brasil, diz que “não é uma escolha o país se inserir no esforço global pelo equilíbrio climático”.
Segundo ele, além dos fatores ambientais, essa questão tem impactos econômicos importantes, já que, sem um mercado regulado, haverá dificuldade de inserção dos produtos brasileiros que dependem da exportação no mercado internacional.
“E também porque um país que tem hoje 15 milhões de desempregados não pode abrir mão de uma nova economia, uma economia verde com um potencial de 70 bilhões de dólares em créditos após a compensação das nossas emissões”, acrescentou.
Segundo ele, o único entrave para a votação da pauta é ainda o Ministério do Meio Ambiente (MMA). “Mas não consigo encontrar nenhuma explicação racional para que o MMA seja contra a votação dessa pauta. Praticamente todos os setores estão engajados na aprovação da proposta”.
Para Ana, do iCS, a COP26 também escancarou o que a ciência já alertava: os esforços até o momento ainda são insuficientes para barrar o aquecimento do planeta. Por isso, ela avaliou que há dois modos de enxergar o balanço do evento.
“Dá para olhar como um copo meio cheio e um copo meio vazio. Eu diria que no copo meio cheio tivemos a declaração de floresta, a de metano, a de carvão, o mercado de carbono. E entramos na COP com previsão de chegar a 2100 com aumento de 3.3 graus e saímos com o compromisso de chegar a 2.4. O copo meio vazio é que está muito longe de 1.5 grau. Os 2.4 são melhores — e ainda é só uma promessa —, mas muito longe do que precisamos”.
Por isso, a diretora chama a atenção para o fato de que, em 2022, nas eleições, há uma necessidade de que o tema sustentabilidade seja uma bandeira de qualquer candidato e que haja um compromisso sério de implementar o que foi assinado na conferência.