Lojas Americanas: empresa de lojas físicas detem 61,5% da varejista online B2W, e precisará aumentar dívida para que o e-commerce continue crescendo (Alexandre Battibugli/Exame)
Carolina Riveira
Publicado em 20 de agosto de 2019 às 15h05.
Última atualização em 20 de agosto de 2019 às 16h41.
Bom para a B2W, ruim para as Lojas Americanas. É como parte do mercado vem lendo o anúncio feito pela varejista online B2W na noite de segunda-feira, 19, quando a empresa afirmou que vai captar mais 2,5 bilhões de reais com a emissão de mais de 64 milhões de novas ações ordinárias.
Na prática, significa um grande novo aporte das Lojas Americanas, seu acionista controlador, com 61,5% de participação. A empresa se comprometeu a aumentar seu número de ações na B2W -- dona dos endereços de comércio eletrônico das próprias Lojas Americanas e de Submarino e Shoptime -- proporcionalmente à nova emissão, além de comprar as ações que porventura os acionistas minoritários não quiserem. Se todos os atuais acionistas comprarem as novas ações, o aporte das Lojas Americanas será na casa dos 1,5 bilhão de reais, e o dos minoritários será de outros 1 bilhão de reais.
É o quarto aumento de capital da B2W aprovado pelo conselho da empresa desde 2014, e, desta forma, o quarto grande aporte das Lojas Americanas. De lá para cá, já foram mais de 6,9 bilhões de reais em aumento de capital, o que equivale a mais de 4,4 bilhões de reais aportados pelas Lojas Americanas.
O objetivo do novo capital é permitir “que a companhia siga investindo na plataforma digital e acelerando seu crescimento, por meio de um ecossistema completo de soluções”, segundo ata da reunião de acionistas da B2W em que a medida foi aprovada. Nos últimos anos, a empresa aprimorou sua plataforma de logística, começou a integrar as vendas virtuais com as vendas físicas das Lojas Americanas e lançou a carteira digital AME (na qual as Lojas Americanas têm 56,9% de participação e a BW2, 43,1%).
O aporte permitirá à B2W transformar dívidas de 2,1 bilhões de reais num caixa de 400 milhões de reais. Investir mais só para torrar ainda mais dinheiro parece contraproducente, mas é assim que as coisas vão no mundo paralelo do varejo online. Tanto é que analistas classificaram a medida como positiva para a B2W, podendo ajudar no crescimento da empresa em um mercado de comércio eletrônico cuja disputa é cada vez mais acirrada.
Para as Lojas Americanas, no entanto, o aporte a ser feito na B2W deve levar a um aumento do endividamento da companhia. Se comprar, em novas ações, apenas o correspondente à sua atual participação na B2W, as Lojas Americanas verão seu endividamento subir de 1,5 vez os ganhos operacionais para 2,16 vezes, segundo cálculos do banco BTG Pactual.
A corretora Coinvalores também considerou o aporte um mau negócio para as Lojas Americanas, mas "necessária" para o crescimento da plataforma digital da B2W. "Consideramos [o aporte] negativo para a Lojas Americanas, haja vista que novamente a companhia se compromete a injetar capital em sua subsidiária", disseram os analistas da corretora em relatório.
As ações das Lojas Americanas caíam na casa dos 0,5% ao meio-dia, tanto as ordinárias quanto as preferenciais, mas reverteram a tendência e passaram a subir 0,5% pela tarde. As ações da B2W, por sua vez, amanheceram em alta e subiam na casa dos 7% por volta das 14h.
A operação de B2W e Americanas é separada, algo que podia fazer sentido em 2006 mas é questionável em 2019. Faz só pouco mais de um ano que as empresas decidiram integrar o sistema de vendas. Passou a ser possível, por exemplo, comprar um produto nos sites da B2W e retirar nas lojas físicas das Americanas.
Criada em 2006 com a junção do Submarino.com e do braço de comércio eletrônico das Lojas Americanas, a B2W nasceu com o intuito de ser o maior e-commerce do Brasil — e vem queimando dinheiro da controladora desde então, apresentando prejuízo anual há sete anos.
Além das Lojas Americanas, o segundo maior acionista da B2W é o banco australiano Macquaire Group, que detém 5,5%. Nas Lojas Americanas, os controladores — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira, do fundo 3G Capital — detêm 40% do total de ações. Os fundos de investimento Tobias Cepelowicz, Oppenheimer e Black-Rock são acionistas minoritários.
A estratégia histórica da B2W de separar físico e online — tanto na operação quanto no nome — vai na contramão do que fez nos últimos anos uma das principais concorrentes, o Magazine Luiza. Sob o comando do presidente Frederico Trajano, a empresa começou há mais de dois anos um processo de integrar lojas físicas e online, e tanto Trajano quanto seus diretores afirmam com orgulho que o cliente é um só, não importa se na internet ou nas lojas.
A B2W já chegou a ter 40% das vendas na internet brasileira na primeira década dos anos 2000, mas um analista ouvido por EXAME afirma que, de lá para cá, a empresa “se perdeu”. Em 2018, a B2W teve 19% do mercado, atrás de 32% do Mercado Livre e à frente de Magazine Luiza (9%) e Via Varejo (9%), segundo o Bradesco BBI. A empresa, contudo, está muito mais perto de perder o segundo lugar do que de ultrapassar o Mercado Livre.
Um relatório do Itaú BBA divulgado nesta semana aponta que, com a compra da Netshoes pelo Magazine Luiza confirmada em junho deste ano, a B2W perde a vice-liderança para o Magazine Luiza em número de acessos em seu aplicativo. Segundo dados da empresa de análise de tráfego online SimilarWeb indicados pelo Itaú, o número médio de usuários ativos por dia nos apps do Magalu, incluindo a Netshoes, foi de 881.000 nos últimos três meses, ante 836.000 na B2W. No site, a B2W ainda lidera, com 497 milhões de usuários acessando seus portais nos últimos três meses, ante 287 milhões do Magalu.
Outra má notícia para a B2W é que a empresa aumenta o tráfego a uma velocidade muito menor do que a concorrente: ainda segundo a SimilarWeb, o tráfego no app do Magalu cresceu 116% e o site 43% nos primeiros sete meses de 2019 na comparação com o mesmo período de 2018, ante alta de 28% nos apps e 11% nos sites da B2W. (Os números do Magalu, neste caso, ainda não incluem a incorporação da Netshoes.)
O anúncio do novo aporte dos acionistas vem menos de duas semanas depois que a empresa animou os mercados ao reportar geração de caixa de 40,3 milhões de reais no segundo trimestre, o melhor resultado em nove anos, com saldo positivo de 6 milhões de reais — uma grande virada posto que a empresa teve caixa negativo de 34 milhões de reais no mesmo período do ano passado. A ação fechou o dia seguinte ao balanço do segundo trimestre com alta de 14%.
Ao mesmo tempo em que queimou menos caixa, a B2W também aumentou as vendas em 22%, puxada por crescimento de 51% no marketplace -- isto é, produtos de terceiros vendidos na plataforma da empresa e que responderam por 59% das vendas no trimestre. Altas no marketplace também são boa notícia para o caixa da B2W, uma vez que demandam menos investimento em logística e estoque do que produtos de venda própria.
Além das vendas no varejo digital, um dos principais destinos do novo aporte na B2W será alavancar a carteira digital AME. A empresa afirma que a ferramenta teve 3 milhões de downloads do aplicativo, mas ainda não divulga volume de transações ou outras informações.
A estratégia de apostar nas transações financeiras é similar à adotada por concorrentes, como o Mercado Pago, braço financeiro do Mercado Livre. O líder no segmento no Brasil é o PicPay, com 10 milhões de usuários. O Mercado Livre, contudo, tem também um bolso mais fundo: a empresa argentina já levantou 1,9 bilhão de dólares em aportes, o último em março deste ano (contando com investidores como a empresa de pagamentos americana PayPal).
Apesar das controvérsias, em relatório distribuído nesta terça-feira, 20, a clientes, os analistas do banco BTG indicaram a compra do papel da B2W. A expectativa é que, mesmo com a queima de caixa, a empresa deve gerar 200 milhões de reais em caixa neste ano. “Embora outro aumento de capital possa soar negativo à primeira vista, apontamos que isso aumenta muito a capacidade da B2W de continuar investindo em seu negócio, sob um modelo de negócio mais saudável e lucrativo, após sua estratégia de migração mais rápida para um modelo centrado no marketplace desde o começo de 2017”, escrevem os analistas.
Assim, a visão é que a série de iniciativas dos últimos trimestres — da logística integrada à carteira digital da AME — até vêm mostrando alguns resultados. Mas a empresa acumula prejuízos anualmente desde 2011, e ao abrir mais frentes de combate, só joga a possibilidade de resultados positivos mais para a frente. Para correr atrás da década perdida, mais alguns caminhões de dinheiro podem ser necessários.