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As lições da crise do Amapá: não culpe o regulador

Quatro executivos ouvidos pela EXAME falam do risco da insegurança jurídica para a atração de investimentos no setor elétrico

Que lições a crise de energia do Amapá deixará? (Rudja Santos/Amazônia Real/Divulgação)

Que lições a crise de energia do Amapá deixará? (Rudja Santos/Amazônia Real/Divulgação)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 27 de novembro de 2020 às 07h55.

Última atualização em 27 de novembro de 2020 às 08h01.

Que lições a crise de energia do Amapá, que deixou mais de 765.000 pessoas no escuro durante boa parte de novembro, deixará? O pior parece ter ficado para trás no estado, três dias após o Ministério de Minas e Energia ter informado que 100% da energia elétrica foi restabelecida.

Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro editou uma Medida Provisória isentando os consumidores amapaenses do pagamento da conta de luz nos próximos 30 dias. Os eleitores de Macapá ainda vão esperar uma semana para ir às urnas, como consequência do adiamento do pleito para 6 de dezembro. E é preciso ainda uma investigação mais detalhada sobre a falha sistêmica que levou ao apagão -- com incêndio em transformadores e falta de equipamentos de emergência.

Mas, segundo executivos ouvidos pela EXAME, há outros pontos de atenção e de aprendizado a serem levados em conta sobre o episódio. Evitar modernizações em nossa política energética seria um erro, na opinião desses especialistas. Mas usar o caso do Amapá como um indício de ineficiências na regulação que comprometam a atração de investimentos futuros pode ser ainda pior para o país, segundo esses executivos.

Isso porque, como costuma acontecer no Brasil, a crise amapaense teve um capítulo de ativismo judiciário que, afirmam os ouvidos pela EXAME, poderia ter piorado a situação. No dia 19/11 um juiz de primeira instância mandou afastar as diretorias da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O juiz justificou que o afastamento traria maior isenção na investigação realizada pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União, após ação popular movida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A decisão foi revertida na segunda instância, mas o questionamento ficou: o risco jurídico pode afastar investidores em infraestrutura? Para os executivos ouvidos pela EXAME, é importante reforçar ao mercado a qualidade da regulação no sistema elétrico brasileiro, apesar da necessidade de constantes modernizações que levem em conta as  mudanças no setor -- como a busca por energia cada vez mais limpa. Além disso, há o desafio de como lidar com um operador em dificuldades ou má perfomance. No caso do Amapá, a empresa responsável pela manutenção dos transformadores, a Isolux, entrou em recuperação judicial em 2017, o que levantou dúvidas sobre sua capacidade de manter investimentos.

Veja abaixo os depoimentos dos quatro executivos ouvidos pela EXAME.

Reynadlo Passanezi, presidente da Cemig.

A decisão da Justiça gerou uma insegurança que não é proporcional. O setor elétrico é reconhecido pela excelência de sua regulação nos mais variados sentidos. É só olhar a quantidade de investimentos em 15 anos, de quase 1 trilhão de reais. Isso aconteceu porque tem segurança jurídica e institucional, além de agência qualificadas, seja do ponto de vista técnico (ONS) seja de vista da regulação (Aneel). Vejo com maus olhos esse tipo de interferência. Não pode prevalecer o sentimento que as estruturas não estão funcionando. Estão, e garantem o fluxo de pagamentos dentro do setor na pandemia.

A principal lição é respeitar as instituições. O melhor aprendizado é ter calma, esperar os relatórios e confiar que a regulação vai tomar as medidas necessárias. O cenário de transformação e modernização veio para ficar e temos que seguir as reformas estruturais. É um caminho inevitável porque tem pressão social e avanço tecnológico -- e a regulação tem que se adaptar. A pressão social é por maior proteção ao maio-ambiente, descarbonização da economia. A regulação tem que responder. Seguramente vamos caminhar na eficiência energética, mas numa estrutura que tem desafios -- mas um histórico de sucesso.

Daniel Pimentel, presidente da Copel.

ANEEL e ONS são parte da solução do problema. A atuação dos agentes é um fator de estabilidade e segurança. É por isso que ao longo das últimas décadas o setor tem recebido investimentos expressivos. O sistema elétrico brasileiro, pela regulamentação e operação integrada, é referência mundial. Eu vim do sistema de Telecom e falo com propriedade. Os aperfeiçoamentos são mais do que necessários e fazem parte de uma evolução constante. O ano de 2020 é um paradoxo porque foi um dos anos mais críticos do setor, com uma crise violenta, mas trouxe grandes avanços estruturais. Foi o ano em que se resolveu um novo marco regulatório, andou o plano do gás, foi criada a conta covid, que injetou 15 bilhões no sistema elétrico e evitou maiores reajustes.

No Amapá foi um encadeamento de fatores que gerou a crise, assim como acontece na queda de um avião. Uma coisa que a agência pode melhorar, que o episódio mostra, é ser mais restritiva em falhas que se estendam. O apetite a risco acaba ficando muito grande. A decisão judicial gera insegurança jurídica em especial para os investidores estrangeiros. Mas a rápida cassação da liminar mostra a força de pesos e contra-pesos no Brasil. Uma agência forte é um fator chave para atrair investimentos. Nos últimos 10 anos foram mais de 800 bilhões de reais em investimentos em energia. Agora deve vir uma nova onda de investimentos porque tivemos um 2020 muito represado.

Luiz Otavio Assis Henriques, vice-presidente de geração e comercialização da EDP.

O setor de energia elétrica está estruturado de forma integrada, com papéis e responsabilidades claramente definidos em lei para os agentes do setor. Nesse sentido, o segmento de geração é responsável pela produção e disponibilização da energia elétrica ao Sistema Interligado Nacional (SIN), o qual, sob coordenação do ONS, transporta energia até as distribuidoras. Estas, por sua vez, realizam a entrega ao consumidor final.

A interrupção do fornecimento de energia elétrica que afetou o estado do Amapá não possui causa na atividade desempenhada pelos geradores. As usinas de energia elétrica presentes no estado continuam ininterruptamente executando suas atividades com regularidade e eficiência, entregando energia para o sistema conforme previsto na lei, nos contratos e nas regras do setor de energia elétrica. Aliás, o cumprimento dos constratos é uma das grandes conquistas que o Brasil tem obtido nos últimos anos para atrair e manter os níveis de investimento necessários para a expansão do setor e atendimento à sociedade.

Manuel Gorito, sócio e responsável pela mesa de energia do banco BTG Pactual.

Precisamos passar uma mensagem de que estamos em uma evolução constante, mas as atribuições estão bem distribuídas, e o setor funciona bem há muito tempo. Uma regulação com boa governança é pré-condição para atrair investimento em infraestrutura, fundamental para o país. Nosso setor tem que continuar se aprimorando à luz de novas demandas. O mercado livre não existia há 15 anos e hoje é 30% do mercado. É o tipo de evolução que mostra como o regulador tem o desafio de seguir evoluindo, e tem feito.

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