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As 5.300 maçãs podres do Wells Fargo

David Cohen Não é todo dia que alguém devolve 41 milhões de dólares e ainda abre mão de receber salário. Mas a medida não adiantou muito para aplacar a ira que recai sobre John Stumpf, o executivo-chefe da Wells Fargo, um dos principais conglomerados financeiros dos Estados Unidos. A companhia tem 164 anos e é […]

WELLS FARGO: dentre as 500 maiores empresas, o banco foi a segunda empresa com maior diversidade em seu conselho, perdendo para a HP / Spencer Platt/Getty Images (Spencer Platt/Getty Images)

WELLS FARGO: dentre as 500 maiores empresas, o banco foi a segunda empresa com maior diversidade em seu conselho, perdendo para a HP / Spencer Platt/Getty Images (Spencer Platt/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2016 às 08h09.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.

David Cohen

Não é todo dia que alguém devolve 41 milhões de dólares e ainda abre mão de receber salário. Mas a medida não adiantou muito para aplacar a ira que recai sobre John Stumpf, o executivo-chefe da Wells Fargo, um dos principais conglomerados financeiros dos Estados Unidos.

A companhia tem 164 anos e é conhecida mundialmente pelo cinema: eram dela a maior parte das diligências e trens assaltados nos filmes de faroeste. Desta vez, porém, foi a diligência que assaltou seus clientes.

No início de setembro, agentes reguladores divulgaram que empregados da Wells Fargo criaram secretamente mais de 1,5 milhão de contas correntes e 565.000 contas de cartão crédito não autorizadas, desde pelo menos 2011. As contas falsas deram ao banco alguns milhões de dólares em taxas e permitiram aos empregados cumprir suas metas de venda e ganhar bônus.

Segundo os reguladores, os empregados moviam o dinheiro de contas existentes para outras, que eles criavam sem o conhecimento dos clientes. Essa movimentação levava vários deles a pagar multas por ficar no vermelho, além de taxas por serviços que não haviam pedido.

Cerca de 5.300 funcionários foram demitidos em conexão com o escândalo. Pela quebra de confiança, a Wells Fargo foi multada em 185 milhões de dólares, e terá de restituir outros 5 milhões aos clientes lesados. Para um banco que estava avaliado em mais de 250 bilhões de dólares (seu maior acionista é a Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett), é uma quantia irrisória. Mas desde o início do escândalo suas ações caíram por volta de 10% – um baque em torno dos 25 bilhões de dólares, que a levou a perder o posto de maior banco dos Estados Unidos em valor de mercado para o JP Morgan.

Ainda pode haver outras multas e ações regulatórias, assim como danos à reputação de valor impossível de calcular no momento. Mas alguns analistas já acreditam que o viés para suas ações é de alta, a partir de agora.

“Liderança covarde”

Isso não quer dizer que a pressão tenha acabado. Ao contrário, parece ter apenas começado. Ante a percepção generalizada de que os bancos foram em larga medida responsáveis pela crise financeira iniciada em 2008 e se safaram dela sem grandes arranhões (auxiliados por planos governamentais), o caso foi tomado como um exemplo do exageros das instituições financeiras.

No último dia 20, Stumpf foi convocado a testemunhar ante uma comissão do Senado sobre o caso. O clima foi, para dizer o mínimo, ríspido. Em certo momento, a senadora democrata Elizabeth Warren o acusou de exercer uma “liderança covarde”, por ter punido apenas funcionários de baixo escalão. “Você espremeu seus empregados até o ponto de ruptura para que eles enganassem os clientes e você pudesse elevar o valor das ações da companhia e colocar milhões de dólares no bolso”, afirmou.

Stumpf se limitou a dizer que sentia muito e pediu “profundas desculpas” pelos problemas no banco. Mas afirmou que a origem do escândalo foi um “lapso ético” de 5.300 empregados, a maioria caixas e funcionários de baixo escalão, que já foram mandados embora desde 2011.

Normalmente, fraudes são obra de algumas “maçãs podres” na organização. A própria Wells Fargo viveu um dos maiores casos americanos de apropriação indébita de dinheiro, em 1981, quando um empregado estabeleceu milhares de movimentações de créditos e débitos fictícios para alimentar contas fantasmas. Mas se uma cesta tem 5.300 maçãs podres, é provável que haja algo errado com a própria cesta.

Segundo uma reportagem de 2013, do jornal Los Angeles Times, havia uma cultura de panela de pressão no banco. Trabalhadores diziam que eram humilhados na frente dos gerentes e ameaçados de demissão caso não atingissem metas irrealistas, o que os teria levado a implorar a parentes que abrissem contas de que não precisavam.

A Wells Fargo era considerada líder no setor em cross-selling, a prática de vendas agressivas de produtos de outras áreas da instituição para os correntistas (este é um dos argumentos da campanha contra bancos exageradamente grandes) – e as metas agressivas em relação a essas vendas pode ter levado às fraudes.

O bolso do CEO

Na terça-feira passada 27, a Wells Fargo anunciou que cortaria parte dos vencimentos de Stumpf – suas opções de ações que ainda não atingiram o prazo de resgate. Os 41 milhões de dólares representam cerca de um quarto de tudo o que o executivo ganhou em quase 35 anos na empresa, de acordo com analistas da consultoria Overture Group. Em 2015, Stumpf recebeu uma remuneração total de 19,3 milhões de dólares.

Além das opções de ações, o CEO da Wells Fargo também não vai receber seu bônus anual e perderá uma parte de seu salário-base, de 2,8 milhões de dólares por ano (deixará de ganhar durante o período que durarem as investigações internas sobre o caso). Carrie Tolstedt, que até pouco tempo atrás dirigia a divisão de serviços ao consumidor, onde as fraudes ocorreram, vai perder 19 milhões de dólares de sua remuneração. Ela deixou o banco antes da data prevista para sua aposentadoria, que seria no final de dezembro.

Stumpf afirmou ainda que o banco vai abandonar seu programa de incentivos para vendas de produtos já, e não em janeiro, como tinha dito antes.

Não foi suficiente. A senadora Elizabeth Warren considerou as ações “um pequeno passo na direção correta, mas nem perto de assumir responsabilidade real”. Segundo ela, Stumpf deveria devolver cada centavo que ele ganhou no período em que as fraudes ocorreram.

Dois dias depois da divulgação dos cortes em seus vencimentos, na quinta-feira (29), Stumpf foi de novo para Washington, desta vez para uma audiência no comitê de serviços financeiros da Câmara dos Deputados. Encontrou um clima ainda mais hostil do que no comitê do Senado.

A audiência durou mais de quatro horas, em que Stumpf foi admoestado e confrontado pela crise, “um ultraje e um golpe devastador para toda a indústria bancária”. Também não ajudou nada para o clima o fato de que naquele mesmo dia a Wells Fargo foi condenada, em um processo não ligado ao caso, a pagar 20 milhões de dólares por violação de regras de empréstimos com condições especiais para militares.

“Há algo de errado com esse banco, e o senhor é o chefe dele”, disse o congressista Gregory Meeks, de Nova York. “O senhor devia ser demitido.” Stumpf respondeu que está à disposição do conselho de administração – do qual ele é presidente.

Nem mesmo Janet Yellen, a presidente do Fed, o banco central americano, escapou de respingos do escândalo. Em uma audiência no Congresso um dia antes de Stumpf, foi pressionada a exigir a divisão do banco em instituições menores.

Depois de cortar os rendimentos de seu CEO, o banco enviou uma mensagem a todos os funcionários dizendo: “Na Wells Fargo, quando nós cometemos erros, somos abertos em relação a eles, assumimos nossa responsabilidade e agimos”. Está sendo difícil convencer o público.

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