Manzar Feres, diretora de Negócios, e Paulo Marinho, diretor-presidente da Globo: nova aposta da emissora é veicular publicidade segmentada diretamente na TV aberta (Daniela Toviansky / Globo/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 14 de outubro de 2025 às 09h47.
Não poderia começar diferente. Assim que Manzar Feres, a executiva responsável pelo departamento comercial da Globo, entra na sala virtual para conversar com a EXAME, pouco antes do Upfront 2026 — evento em que a emissora revela ao mercado as novidades para o próximo ano —, já sabe qual será a primeira pergunta da conversa: "Quem matou Odete Roitman?"
“Menino, eu tenho palpites quentíssimos, mas assiste", brinca. "Segunda-feira tem uma coisa, depois no último capítulo tem outra. Vai ser muito doido”.
Vale Tudo foi o maior fenômeno de vendas de uma novela da Globo na história. Faturou cerca de 200 milhões de reais, segundo estimativas do setor.
Só nesta reta final, mais de 20 marcas confirmaram presença, e sete delas — OMO, iFood, Dove, Itaú, Zé Delivery, Subway e Serasa — prepararam campanhas específicas ligadas ao suspense da morte de Odete Roitman.
Praticamente não há mais espaço para anunciar na trama, que se encerra nesta sexta-feira, 17. “Eu chego a ficar doente", diz, rindo. "Toda vez que eu tenho que perder dinheiro porque não tem lugar pra botar uma marca, eu sofro”.
“Não sei quem matou Odete, mas ninguém está mais feliz com essa morte do que nós [a Globo]”, disse Debora Bloch, atriz que interpreta a vilã, no palco do Upfront, realizado nesta segunda-feira, 13, no auditório do parque Ibirapuera, em São Paulo.
Quem assiste à novela entende por quê. Praticamente não há capítulo nesta reta final sem algum tipo de merchan — o que, inclusive, tem gerado críticas por parte dos telespectadores.
Definitivamente, não é motivo de incômodo na Globo.
Desde 2019, a emissora testa novos modelos de publicidade integrados às suas obras. E o modelo vem se sofisticando com o tempo. Hoje em dia, é comum ver a novela indo para o comercial e o personagem aparecendo no bloco de publicidade falando de algum produto. “Quando a gente faz um combinado — TV Globo, redes sociais, Globoplay, personagem — o retorno é muito maior. Não é só inventar formato novo, é entender o comportamento”, diz Manzar.
No ano passado, a Globo faturou 16,4 bilhões de reais, frente aos 15,1 bilhões de 2023, com a publicidade respondendo por 10,8 bilhões de reais— crescimento de 14%. O lucro também foi recorde: quase 2 bilhões de reais, mais do que o dobro do ano anterior.
Os números positivos vêm num momento em que a Globo — e as emissoras de televisão aberta como um todo — estão no divã.
Na última década, o avanço da publicidade digital, o domínio das redes sociais e a entrada de players internacionais como Netflix e HBO Max chacoalharam o mercado audiovisual e publicitário brasileiro.
Agora, o novo plano da emissora para ganhar dinheiro envolve, justamente, levar o poder da segmentação digital para dentro da televisão aberta. A aposta se chama DTV+.
Na prática, a DTV+ é uma nova tecnologia que permitirá veicular publicidade segmentada diretamente na TV aberta — algo que, até aqui, só era possível no ambiente digital.
A regulamentação foi aprovada pelo governo federal em agosto e os primeiros testes já estão em andamento no Rio de Janeiro e em São Paulo. A Globo pretende sair na frente.
“A gente trabalha nisso há anos”, afirma Manzar. “Nosso modelo de negócio já está preparado. O que a gente vai fazer agora é escalar.”
A base para isso foi construída dentro de casa. Desde o fim de 2022, a Globo começou a operar com inserções dinâmicas de publicidade nos canais lineares transmitidos via Globoplay. É como um piloto da DTV+ rodando num ambiente de streaming.
Funciona assim: se duas pessoas assistem à mesma novela ao vivo pelo Globoplay, podem ver comerciais diferentes, de acordo com seus perfis. Isso é possível porque o Globoplay exige login — o chamado GloboID —, e a emissora já reúne uma base de mais de 140 milhões de perfis únicos.
Esses dados permitem que marcas criem campanhas específicas para cada público, com menos dispersão, mais contextualização e resultados mais mensuráveis. Assim como é, hoje em dia, em campanhas digitais em redes sociais e no Google.
“Não existe mais on e off. A TV aberta já é digital”, diz Manzar. “A gente vai poder entregar segmentação com alcance de massa, algo que o digital sozinho não consegue.”
A expectativa da emissora é que, com a massificação da DTV+ em 2026, a segmentação vá parar direto nos breaks da TV tradicional, sem precisar passar pelo streaming.
A estratégia vai além do comportamento de navegação. Uma das grandes apostas da Globo para turbinar a entrega da DTV+ está nas parcerias com empresas como a Neoway, da B3, que ampliam a segmentação com dados de renda, profissão e vínculos familiares.
Outras emissoras, como SBT e Record, também já olham para esta nova possibilidade de ganhar dinheiro.
Mas não é só a tecnologia por trás da publicidade que está mudando.
A própria forma de contar histórias também entrou em transformação.
Nos bastidores, a Globo prepara uma de suas maiores apostas dos últimos anos: os microdramas — novelas em episódios verticais de 2 a 3 minutos, pensadas desde a origem para circular em redes sociais e no mobile.
A proposta é simples: pegar o DNA da dramaturgia da Globo — com roteiristas, diretores e talentos reconhecidos — e adaptá-lo à lógica de consumo rápido das plataformas digitais. “A gente vai inovar no formato e na linguagem”, disse Manzar à EXAME. “A ideia é alcançar públicos que estão consumindo conteúdo de outra forma, sem abrir mão da qualidade.”
O primeiro lançamento será ‘Tudo Por Uma Segunda Chance’, estrelado por Jade Picon. Outros títulos serão lançados exclusivamente no Globoplay, como ‘Cinderela e o Segredo do Pobre Milionário’, com o cantor Gustavo Mioto.
A ideia, claro, não é abandonar a novela tradicional. Muito pelo contrário: ela segue como um dos principais pilares de audiência e receita da emissora. Mas agora, a dramaturgia também virou porta de entrada para campanhas publicitárias em novos formatos.
“Quando a gente não consegue colocar uma marca dentro do conteúdo, a gente leva o conteúdo pro break. E aí nasce o break contextualizado”, afirma Manzar. “Foi o que aconteceu com Vale Tudo, que virou um espetáculo de jornada completa — da TV aberta às redes, passando pelo streaming.”
E a pressão para inovar é real. Em 2025, a HBO Max emplacou ‘Beleza Fatal’, uma novela original da plataforma que fez barulho nas redes sociais e atingiu públicos que antes pareciam exclusivos da TV aberta. O sucesso da concorrente colocou a dramaturgia nacional de volta ao centro da disputa no streaming - ainda que a Globo, em números, domine com folga este mercado.
Se na dramaturgia a Globo domina o jogo, no esporte o cenário ficou mais desafiador.
Pela primeira vez na história, o Brasileirão passou a ter seus direitos de transmissão pulverizados entre diferentes players. E, em 2025, a Globo viu um novo concorrente ganhar tração: a CazéTV, do influenciador Casimiro Miguel, que conquistou parte relevante da audiência esportiva no YouTube transmitindo partidas ao vivo e de graça.
A resposta da Globo veio rápido — e no mesmo campo digital. Em tempo recorde, a emissora criou a GeTV, um canal ao vivo de entretenimento esportivo distribuído de forma multiplataforma: YouTube, Globoplay, Samsung TV, Claro TV+ e TikTok.
“A gente mostrou que é uma Globo que age rápido. Do dia que decidimos até entrar no ar foram três meses. E contratamos todo mundo novo: narradores, comentaristas, roteiristas. Todo mundo nativo digital”, diz Manzar.
E 2026 promete mais movimento. A Globo volta a transmitir a Fórmula 1, com 15 GPs ao vivo na TV aberta, e tem os direitos de exibição da Copa do Mundo, que será disputada nos Estados Unidos, Canadá e México.
Dois nomes já foram anunciados como embaixadores da cobertura: Ronaldinho Gaúcho, que vai circular por pontos turísticos da América do Norte, e Denílson, que vai comentar todos os jogos do Brasil.
Na Globo, a pergunta que vale milhões já não é mais só "quem matou Odete Roitman?", mas sim como transformar cada morte, trama, meme ou gol em uma nova oportunidade de negócio.