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Após escândalo de corrupção, banco da J&F está sem rumo

De todos os problemas do Original, o maior é a falta de tempo para alcançar seus objetivos sem seu principal nome - o ministro Henrique Meirelles

Banco Original: pouco mais de um ano após seu lançamento, banco vive o seu maior desafio - sair ileso do escândalo de corrupção de seus controladores (Letícia Toledo/Exame)

Banco Original: pouco mais de um ano após seu lançamento, banco vive o seu maior desafio - sair ileso do escândalo de corrupção de seus controladores (Letícia Toledo/Exame)

LT

Letícia Toledo

Publicado em 3 de julho de 2017 às 19h42.

Um banco 100% digital para acabar com as engessadas estruturas de uma instituição tradicional. Sem burocracia, sem perda de tempo, sem gastos desnecessários. Enfim, uma instituição financeira do século 21 para clientes do século 21. Era esse, em suma, o objetivo do banco Original, lançado em 2016 pelo grupo J&F, o mesmo dono da gigante de processamento de carne JBS.

À frente da operação, um dos mais incensados banqueiros do país, Henrique Meirelles, e mais de uma dezena de executivos que haviam trabalho com Meirelles no BankBoston.

Passados um ano e três meses desde o seu lançamento, o Original perdeu Meirelles para o ministério da Fazenda, viu seus controladores, os irmãos Wesley e Joesley Batista, protagonizarem um dos maiores escândalos de corrupção da história, e acumula fuga de executivos com prejuízos em série. O banco sem agência virou, de repente um banco sem rumo.

A penúria aparece também no balanço. O Original teve um prejuízo de 144 milhões de reais no primeiro trimestre deste ano — o pior resultado para o período entre todas as instituições financeiras que atuam no país.

Em 2016, o resultado só fechou no azul, com um lucro de 43,6 milhões de reais, por conta de um aporte da J&F. Não fosse o aporte, a instituição teria apresentado um prejuízo de 278,6 milhões de reais. O próprio banco afirma que o lucro só deve vir em 2019.

O que era pra ser um projeto inovador está virando apenas mais uma proposta digital em meio às fintechs e mais recentemente aos principais bancos do país, que também tem lançado produtos digitais.

De todos os problemas atuais do Original, o maior, hoje, é a falta de tempo para alcançar objetivos traçados lá atrás. O principal nome da instituição entre 2012 e 2016 era o agora ministro da Fazenda Henrique Meirelles. O executivo deixou o banco pouco mais de um mês após seu lançamento para se juntar ao governo Temer.

Passado mais de um ano após sua saída, a instituição não encontrou outro nome de peso para o seu lugar (Meirelles era a figura pública que cativava funcionários e dava visibilidade nacional ao banco) e de lá para cá ainda sofreu com a debandada de pelo menos 10 diretores executivos.

Não bastasse tudo isso, o Original lida agora com o desafio de provar que pode sair intacto da crise de sua controladora J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista.

“O banco perdeu sua credibilidade. Qualquer notícia sobre os Batista pode ser motivo para uma debandada de clientes”, diz um ex-executivo da instituição. Passado um mês e meio da notícia da delação de seus controladores, o impacto sobre o banco ainda é um risco.

Na semana passada a agência de classificação de risco Fitch colocou a nota do crédito do Original em observação negativa por considerar que ainda há risco dos desdobramentos futuros das investigações pressionarem a liquidez do banco e aumentar o risco de refinanciamento da dívida.

De Banco JBS à Banco Original

Apesar de ganhar fama apenas em 2016, a história do banco começou em 2007, quando o então frigorífico JBS criou uma instituição financeira. Em março de 2011, o Banco JBS comprou o Matone, especializado em empréstimos consignados.

A compra foi feita com um financiamento do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que emprestou 1,85 bilhão de reais com um prazo de 15 anos. Hoje, o valor da dívida com o FGC ultrapassa os 3 bilhões de reais. Com a fusão dos negócios, o banco trocou o nome para Original. O objetivo dos irmãos Batista era manter os financiamentos a pecuaristas e agricultores e, ao mesmo tempo, desvincular o banco da marca JBS.

Com isso, o Original ganhou espaço para atuar, além da agropecuária, nas operações de crédito consignado, herdadas do Matone, e no varejo.

O estrelato do banco começou a ganhar força quando Henrique Meirelles se juntou ao grupo dos irmãos Batista, em março de 2012, após oito anos à frente do Banco Central. Sua função, na época, foi descrita por Joesley Batista como a de profissionalizar toda a J&F e fazer com que as companhias dependessem cada vez menos da família Batista.

Com uma remuneração anual de até 40 milhões de reais, segundo notícias da época, Meirelles precisaria, portanto, organizar não só o Original e a famosa empresa de alimento JBS, como também a fabricante de celulose Eldorado, a empresa de produtos de limpeza Flora e a empresa de lácteos Vigor, que pertencem ao grupo.

Cinco anos depois, não está claro o que Meirelles fez pelas outras companhias do grupo. No Original, o executivo ganhou carta branca para montar toda a diretoria e garantir sua independência da holding. Meirelles levou para o banco um grupo de ex-colegas do BankBoston, instituição que dirigiu internacionalmente no fim dos anos 90.

Apesar de nunca ter tido um cargo na diretoria executiva do banco, EXAME Hoje ouviu de ex-funcionários do Original que Meirelles era não só o idealizador do projeto de criar um banco 100% digital como também tomava grande parte das decisões.

No papel, o cargo de Meirelles era de presidente do conselho consultivo da J&F. Na prática, o executivo tinha um escritório no banco e participava das principais reuniões e decisões.

“Para nós o dono do banco era o Meirelles, a gente fazia prestação de contas para os acionistas, claro, mas todo o resto do nosso contato para fins de decisões era sempre com ele. Um banco precisa ser comandado por um grande banqueiro, o Meirelles era essa pessoa no Original, quando ele saiu eu vi que não tinha mais porque continuar”, diz um ex-executivo do banco que deixou a instituição após a saída do ministro. Procurada, a assessoria do ministro disse, por meio de nota que Meirelles “orientou a construção da plataforma digital do banco Original, acompanhando o andamento das etapas do processo de criação e das principais decisões relativas ao projeto.”

A nota afirma ainda que, como costuma acontecer em trabalhos feitos em conselhos, “o ministro teve participação ativa no trabalho.”

Com um investimento de 600 milhões de reais, o banco 100% digital do Original foi lançado em março do ano passado. Desse montante, 140 milhões foram utilizados em marketing, tendo o atleta Usain Bolt, às vésperas dos Jogos Olímpicos, como seu principal garoto propaganda. Em maio, Meirelles foi para o governo e desde então muita coisa mudou no banco — e não apenas em seu quadro executivo.

Em pouco tempo, o Original foi das propagandas com o atleta Usain Bolt para anúncios no programa Domingão do Faustão e sorteios de 100.000 reais por semana. Idealizado para ter seu nome entre os cinco maiores banco do país, o objetivo do Original sempre foi atender a todo o varejo, mas a proposta inicial era ganhar terreno começando pelo segmento premium, para clientes com renda acima dos 7.000 reais. Mas poucas semanas após o lançamento a estratégia mudou e o Original passou a aceitar a abertura de contas de clientes com renda mais baixa.

“Eles ainda estão tentando se achar. O público mais premium, no qual o banco inicialmente estava disputando espaço, é bem servido, tem um atendimento diferenciado nos bancos tradicionais e é difícil convencê-los a mudar de instituição”, diz Wander Azevedo, diretor de serviços financeiros da consultoria Roland Berger.

O Original também perdeu competitividade com a demora para se lançar ao mercado. Foram quase quatro anos de estudos e, quando o projeto foi lançado, muitas fintechs, como o Nubank, e até mesmo os grandes bancos já estudavam o oferecimento de produtos financeiros 100% digitais. Pouco tempo após o lançamento do Original, o paulista Pedro Conrade lançou o banco Neon, também 100% digital.

Os bancões também já estavam de olho nesse mercado. O Santander comprou a fintech Superdigital, que oferece um aplicativo e um cartão pré-pago que permite fazer transações e pagar contas, e agora está desenvolvendo um banco digital. O Bradesco lançou, neste ano, o Next.

“Para o Original e outras fintechs ainda é muito difícil competir com os grandes bancos”, diz Raphael Nascimento, analista da agência de classificação de risco Fitch.

A competição se acirrou, mas como o Original ampliou seu público inicial de clientes e sentou o pé no marketing, a meta de alcançar 100.000 usuários no primeiro ano foi atingida em oito meses.

Hoje, o banco tem 230.000 clientes, segundo estimativas de concorrentes. Mas todos esses clientes não foram suficientes para sustentar o agressivo investimento em marketing de que o Original necessita para continuar crescendo.

Para solucionar o problema, em uma operação um tanto quanto atípica, o Original vendeu sua marca para a holding por 422 milhões de reais. Com a operação, o banco tirou de suas contas os gastos com marketing e lucrou 43,6 milhões de reais em 2016.

A venda da marca culminou na saída do diretor de marketing do banco, Marcos Lacerda, que deixou a empresa em março deste ano após não concordar com as estratégias de marketing da holding. Segundo pessoas próximas ao executivo, Lacerda achava que o banco estava perdendo o foco com propagandas mais populares, incluindo o anúncio no Faustão. Procurado, o executivo não concedeu entrevista.

Apesar de sempre se vender como um banco totalmente separado das outras empresas da J&F, EXAME Hoje apurou que a equipe de marketing do Original sempre contou com a figura de Tarek Farahat, que até então era presidente global de marketing da JBS e participava de todas as decisões de marketing do Original desde o seu lançamento. Após a delação dos irmãos Batista, Farahat assumiu a presidência do conselho da JBS.

Procurado, o Original não concedeu entrevista. Por meio de nota, a instituição afirmou que Farahat, “em razão de sua experiência na área, aconselhava executivos das várias empresas do grupo em assuntos relacionados a marketing.” Antes da JBS, Farahat foi presidente da fabricante de bens de consumo P&G na América Latina.

O marketing é uma estratégia essencial para a viabilidade do banco digital. Executivos do setor reconhecem que o Original, com um alto investimento em tecnologia, conseguiu montar uma plataforma robusta com uma boa experiência para seus clientes. O problema é que, para chegar a ter uma boa experiência as pessoas precisam, primeiro, se tornarem clientes.

Ao mesmo tempo, sua holding — que agora é dona e responsável por toda essa área do banco — está em uma corrida para vender ativos e garantir a própria sobrevivência. Ainda há dúvidas também sobre o quanto a delação dos executivos da J&F e o envolvimento das empresas do grupo em escândalos de corrupção pode afetar o banco. O diretor de compliance e risco do Original, Roberto Hollander, deixou a instituição alguns dias após a revelação da delação dos executivos da J&F alegando “motivos pessoais”.

Os saques no banco chegaram a mais de 30 milhões de reais nos primeiros dias após a notícia da delação, mas o valor ainda é considerado pequeno diante do caixa da instituição, que está em 1,6 bilhão de reais, segundo executivos do setor.

Para monitorar o fluxo do Original após o escândalo dos controladores, o Banco Central chegou a enviar um auditor até a sede do Original, que acompanhou a instituição por uma semana. O risco maior do banco, avaliam analistas, não está em sua liquidez e sim em sua credibilidade. O banco não tem mais o nome e a reputação de Henrique Meirelles, e os controladores estão sem credibilidade.

No início de junho, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou o rating do Original citando riscos de contágio relacionado às investigações de executivos da JBS. Apesar de não ser citado diretamente nas operações policiais, a Moody’s lembra que o Original é alvo de um processo administrativo na Comissão de Valores Mobiliários para analisar as atividades no mercado de derivativo após a delação dos irmãos Batista.

“Revelações futuras ou o desenvolvimento dos casos — mesmo que eles não relacionem especificamente o banco — poderiam levar os investidores a começar a perder a confiança no banco, o que poderia trazer impactos negativos na liquidez e nos custos de captação”, dizem os analistas em relatório.

“A única saída que vejo hoje é a venda do banco. A viabilidade do projeto está comprometida”, diz um ex-diretor do Original.

A possibilidade de venda começou a ser aventada desde a delação dos executivos da J&F. Entre os possíveis interessados, segundo os jornais Estadão e Valor Econômico, estariam o Santander e o banco chinês CCB. EXAME Hoje apurou que o Santander chegou a sondar o banco junto aos seus controladores, mas a negociação não avançou.

A coluna Primeiro Lugar da última edição da revista EXAME afirma que representantes do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) estão sondando bancos potencialmente interessados na compra do Original.

A dívida de 3 bilhões de reais que o banco tem hoje com o FGC é maior do que a avaliação esperada para o Original em uma eventual venda. O patrimônio líquido do banco fechou o primeiro trimestre em 2,1 bilhões de reais. Apesar de todos os problemas, analistas não acreditam que o Original corre risco de quebrar, pelo menos por enquanto.

“A alavancagem do banco é baixa, por enquanto não há problema de liquidez. Temos acompanhado e monitorado a operação de perto para ver como isso está evoluindo”, diz Claudio Gallina, diretor da Fitch. O desafio é atrair novos clientes para um banco sem banqueiro, sem credibilidade e sem rumo.

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