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Após deixar o amianto e lançar telha de energia solar, a Eternit quer mais

Em entrevista à EXAME, Luís Augusto Barbosa, presidente do grupo, falou sobre o plano de transformação da marca de 80 anos de existência

Luís Augusto Barbosa, presidente do grupo Eternit: transformação da empresa (Eternit/Divulgação)

Luís Augusto Barbosa, presidente do grupo Eternit: transformação da empresa (Eternit/Divulgação)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 23 de setembro de 2020 às 06h00.

Depois de 80 anos fabricando telhas de amianto, a Eternit deixou de usar o insumo em seu processo produtivo e acaba de dar um importante passo rumo ao promissor mercado de energia solar. Mas a empresa quer mais: pretende se tornar referência no negócio de coberturas com produtos inovadores, que vão além da geração fotovoltaica.

A tarefa não deve ser fácil. A companhia sai de um modelo de baixo custo, proporcionado pelo conhecido processo produtivo do amianto, para um novo negócio, o de telhas que geram energia solar.

"Quando tomamos a decisão de deixar o amianto, buscamos fora do Brasil o que vinha sendo lançado de novo no mercado de construção e nós optamos por aumentar as funções das coberturas. Temos outros projetos nessa linha de agregar valor ao produto. A inovação vai continuar", afirma Luís Augusto Barbosa, presidente do grupo Eternit, em entrevista à EXAME.

A companhia acaba de receber registro definitivo para colocar no mercado uma telha que gera energia solar -- hoje, os sistemas que existem são compostos de placas fotovoltaicas colocadas sobre as coberturas. O diferencial proposto pela Eternit é a célula aplicada na telha, que será modular. Ou seja: se uma delas parar de funcionar ou quebrar, poderá ser trocada sem comprometer o resto do sistema.

Barbosa revela que as células vêm da China, o que é praticamente uma unanimidade no segmento. No entanto, a diferença é que no caso da Eternit apenas a célula é importada, e não toda a placa. "Assim, sofremos menos impacto do câmbio". Segundo o executivo, hoje ainda não há produto similar sendo vendido no mundo.

A empresa está em fase de fechar os custos do produto e a expectativa é que a telha de energia solar da marca Tégula, de maior valor agregado e feita de concreto, fique de 10% a 20% mais barata do que no sistema tradicional de coberturas com placas fotovoltaicas.

No caso da telha de fibrocimento, a versão da Eternit pode sair até 30% mais barata do que as convencionais. A manutenção também deve ser mais simples, principalmente porque o sistema será composto de telhas modulares. "Esse projeto disruptivo traz a Eternit, de produtos tradicionais, para um novo patamar, com muito mais valor agregado. Mas para esse negócio passar a ser o core da companhia, temos um longo caminho a percorrer."

O projeto está em fase de testes. A fábrica piloto do novo produto em Atibaia, interior de São Paulo, acabou de ficar pronta. A companhia está selecionando parceiros e clientes para instalar as telhas que geram energia solar para aplicações reais. São 20 a 30 projetos, entre empresas comerciais de pequeno porte, players do agronegócio e condomínios residenciais. "Os resultados têm sido muito animadores. Em 2021, se tudo der certo, começaremos a comercializar o produto."

Além da telha de energia solar, a empresa vem ampliando a atuação no segmento de sistemas de construção a seco (placas e painéis) de cimento, similares à proposta do dry wall, que é feito à base de gesso. "Essa é uma tendência global, que reduz o tempo da obra e o desperdício", diz Barbosa.

O executivo acredita, entretanto, que o negócio de coberturas continuará sendo o grande destaque da companhia, com mais aplicações que já estão em estudo pela companhia. "Temos outros produtos em estudo, que ainda não estão no estágio avançado da telha de energia solar, mas estamos trabalhando para ter novidades."

Amianto

Uma batalha que já dura anos na Justiça em torno da proibição do uso do amianto coloca um ingrediente de incerteza no futuro da Eternit. Desde 2017, a companhia decidiu abolir o uso da matéria-prima em seu processo produtivo, entretanto, o grupo detém uma mina de amianto, a Sama, em Goiás, onde e legislação local permite a exploração do minério.

Isso gerou um embate que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e como ainda não há decisão final sobre a permissão da atividade minerária, o grupo Eternit continua produzindo o amianto para exportação.

Barbosa ressalta que a decisão de abandonar o uso do amianto ocorreu porque a empresa entende que não há mais "licença social" para o produto. "A questão da saúde dos funcionários  na Sama está superada, o produto é todo tratado de maneira mecânica e enclausurada, não há contato com o amianto", garante o executivo. "Como tantos outros produtos na indústria química, há seus riscos, mas controlamos 100% no processo produtivo."

Ele diz que qualquer medida sobre a continuidade das operações na Sama depende de uma decisão do STF. Enquanto isso não ocorre, a mina vai operar exclusivamente com exportações -- para o mundo todo -- até que se defina sobre a proibição definitiva da atividade ou não.

Recuperação judicial

A Eternit entrou com pedido de recuperação judicial em março de 2018, diante da escalada das restrições acerca do amianto em um contexto de crise da construção civil.

Segundo Barbosa, o processo está dentro do cronograma planejado e é todo baseado na venda de ativos não operacionais. Ou seja, para cumprí-lo, não há dependência direta de fluxo de caixa, com exceção dos credores da classe 1 (obrigações trabalhistas).

Um dos ativos do grupo que estão à venda, uma fábrica de louças no Ceará, deve ajudar na conclusão do processo de recuperação judicial. "Em algum momento, lá atrás, a companhia tomou a decisão de diversificar os negócios. Decidimos fazer o inverso agora e nos concentrar no que somos competitivos", afirma Barbosa.

Atuando em um dos poucos setores que não viram os impactos da pandemia, a Eternit acredita que a construção civil sairá fortalecida da crise atual, especialmente o chamado mercado "formiguinha", que abrange as dezenas de milhares de estabelecimentos comerciais que vendem materiais de construção pelo país. "O lar passará a ter uma fatia maior do orçamento das famílias após a pandemia."

Enquanto isso, a companhia terá que continuar lidando com o escrutínio do mercado financeiro, uma vez que suas ações são negociadas na bolsa brasileira, a B3. Barbosa relata que a Eternit amargou três anos de prejuízos para conseguir trocar o processo produtivo para uma nova tecnologia (de fibrocimento sem amianto), sem contar o pedido de recuperação judicial, que ele chama de uma "medida preventiva".

Mesmo diante do processo de concordata, a Eternit realizou durante a pandemia uma chamada para aumento de capital para uso exclusivo no projeto de telhas fotovoltaicas e modernização das fábricas, o que resultou na captação de 46,6 milhões de reais.

"Essa é uma demonstração clara de que os investidores confiam na empresa.  Independentemente do aquecimento do setor de construção, os recursos para os investimentos nos próximos dois anos estão garantidos, foi um voto de confiança do mercado. A empresa tem mais 80 anos pela frente."

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