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Após Brumadinho, Vale quer se tornar a mineradora mais segura do mundo

Empresa planeja volta de minas paralisadas com tecnologia "sem barragens" e diz querer contribuir para melhorar a regulação no Brasil

VALE: com impactos do acidente em Brumadinho, empresa registrou prejuízo de 1,64 bilhão de dólares no primeiro trimestre de 2019 (Washington Alves/Reuters)

VALE: com impactos do acidente em Brumadinho, empresa registrou prejuízo de 1,64 bilhão de dólares no primeiro trimestre de 2019 (Washington Alves/Reuters)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 10 de maio de 2019 às 12h48.

Última atualização em 20 de maio de 2019 às 17h39.

De parar de usar barragens em 70% de sua produção a criar uma diretoria especialmente focada na segurança operacional: pouco mais de três meses desde a tragédia que matou mais de 200 pessoas em Brumadinho (MG), a mineradora Vale afirma ter planos para tornar a empresa brasileira "a mineradora mais segura do mundo", conforme informou o novo presidente da companhia, Eduardo Bartolomeo, em conferência com analistas nesta sexta-feira, 10.

"Brumadinho não será esquecida", disse Bartolomeo, que substitui o antecessor Fabio Schvartsman, afastado em fevereiro após recomendação do Ministério Público e da Polícia Federal.

Brumadinho é a segunda tragédia da Vale em pouco mais de três anos, após outra barragem rompida em Mariana (MG), que matou 19 pessoas e causou o maior desastre ambiental do país. A Vale era uma das donas da empresa que operava a barragem, a Samarco.

Ao tomar posse como presidente da Vale, em 2017, o próprio Schvartsman lembrou o acidente e afirmou que o lema da empresa seria "Mariana nunca mais". Não deu certo. Com novo mandatário e novo conselho de administração, eleito em abril, a Vale planeja agora uma grande reestruturação interna para fazer com que a cultura da empresa seja focada na segurança e em um novo pacto com a sociedade.

Bartolomeo afirma que a mineradora quer liderar, em parceria com poder público e outros atores, um movimento para levar a regulação nas barragens brasileiras a "um novo patamar". A empresa diz defender um órgão regulador único, processos de produção mais sustentáveis e melhores práticas nas barragens, citando, como exemplos, países como Canadá e Austrália.

Sem barragens

Uma das metas para aumentar a segurança nas barragens é, justamente, fazê-las deixar de existir. A empresa planeja ter, até 2023, 70% do processamento de minério de ferro da empresa feito a seco, isto é, sem o uso de água. A previsão é investir 2,5 bilhões de dólares nessa transição, que vai envolver minas em Carajás (PA) e também novos projetos em construção. Atualmente, 60% da produção é feita a seco.

A Vale afirma que esse investimento não tem relação direta com Brumadinho, e já era um plano antigo da companhia. De qualquer forma, o processamento a seco pode ajudar a empresa a convencer o poder público a liberar algumas das quatro minas paralisadas em Minas Gerais desde o acidente em janeiro. Além da mina do Feijão e dos complexos Vargem Grande e Fábrica, em Brumadinho, estão paralisadas as operações da mina de Brucutu (em São Gonçalo do Rio Abaixo), de Timbopeba (em Ouro Preto) e de Alegria (em Mariana).

Cerca de 93 milhões de toneladas de produção estão paradas nas quatro barragens paralisadas. Fazer tudo voltar a funcionar pode levar, em um cenário otimista, mais de três anos. Somente Brucutu tem uma estimativa de voltar a operar em breve, primeiro com operação a seco (cerca de 15% do total paralisado, ou metade da operação do local).

A operação a seco também pode ajudar a retomar parte da produção nas outras três minas, que, estima a Vale, podem ter operação sem barragens autorizada de seis a 12 meses, uma vez que estudos vêm mostrando que as explosões do procedimento não danificariam as barragens, que estão distantes das minas. Essa autorização, ainda que de somente parte da produção, retornaria outro um terço do total paralisado.

Assim, só ficaria adiada para além de 2020 a volta da operação chamada "úmida", isto é, com as barragens voltando a operar plenamente (o que representa o último terço paralisado).

Prejuízo no trimestre

Com os impactos de Brumadinho e pelas outras barragens paralisadas, os números do primeiro trimestre de 2019 da Vale, divulgados na quinta-feira, 9, mostraram prejuízo de 1,64 bilhão de dólares, ante lucro de 1,59 bilhão de dólares no mesmo período do ano passado. O faturamento, de 8,2 bilhões de dólares, foi 5% menor que no mesmo período do ano passado e 14% menor que no último trimestre de 2018.

Brumadinho também trouxe à Vale o primeiro Ebitda negativo de sua história, com perda de 2,8 milhões de dólares (o Ebitda mede lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações). Por volta do 12h30, as ações da Vale na Nasdaq caíam na casa dos 2,60%, a 194,60 dólares.

O balanço divulgado nesta semana é o primeiro a conter os reais impactos da tragédia, uma vez que o último balanço da empresa, em março, era referente apenas ao quarto trimestre de 2018, com números anteriores ao acidente.

Assim como na última conferência, em que a empresa afirmou que os negócios ficariam "em segundo plano", Brumadinho foi tema predominante na discussão dos resultados da empresa - e assim o será nos próximos meses e, talvez, anos. Bartolomeo afirmou, por exemplo, que a política de dividendos aos acionistas só voltará a ser discutida no segundo semestre, agora com a presença do novo conselho administrativo.

Os valores em multas e reparação ambiental também devem seguir impactando nos balanços e somam 2,4 bilhões de dólares. A maior dessas reparações vem de um acordo com a Defensoria Pública, que implica pagamento de multas em 1,8 bilhão de dólares. Outra despesa de reparação será no descomissionamento das barragens, isto é, a retirada de rejeitos e revitalização da região, que deve custar à Vale 1,9 bilhão de dólares. Os valores deverão ser gastos ao longo dos próximos meses e anos, a depender do tipo de reparo necessário.

A empresa também fechou na quinta-feira, 9, a construção de uma unidade de captação para atender Belo Horizonte (MG), que pode ter abastecimento afetado pelos danos no Rio Paraopeba. A unidade de captação anterior foi destruída pelas toneladas de lama que invadiram o rio após o acidente em Brumadinho.

Para uma tragédia destas proporções, os danos humanos, ambientais e corporativos estão longe de ser resolvidos em pouco tempo. À Vale, caberá cumprir o plano de trabalhar para, de fato, restaurar a relação com a sociedade e o meio-ambiente e cumprir a promessa de que "Brumadinho não será esquecida".

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