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Apesar da crise, varejista online de luxo cresce no Brasil

"O nosso consumidor, apesar de ter sido afetado pela crise, não foi tão afetado como a classe média”, afirma o CEO da Farfetch

José Neves, fundador da Farfetch: parceria com grifes de luxo para ter eficiência de estoque (Júlia Rodrigues)

José Neves, fundador da Farfetch: parceria com grifes de luxo para ter eficiência de estoque (Júlia Rodrigues)

RK

Rafael Kato

Publicado em 15 de dezembro de 2016 às 12h21.

Última atualização em 15 de dezembro de 2016 às 12h32.

Entrevista publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play.

Avaliada em 1 bilhão de dólares, a varejista online Farfetch cresce em um mercado que resiste aos altos e baixos da economia global: a moda de luxo. No site, uma camiseta branca básica da marca francesa Saint Laurent é vendida a 3.920 reais. Um terno Dolce & Gabbana sai por 18.800 reais. Pode parecer muito, mas o preço não afugenta a clientela mais abastada. Só na Black Friday — importante data do varejo popular — a loja faturou 15 milhões de dólares. Fundada e dirigida pelo português José Neves, em 2008, a Farfetch está presente em nove países e deverá crescer 70% este ano, fechando 2016 com um faturamento de 800 milhões de dólares. E o Brasil, apesar da crise, continua como importante mercado para a empresa. “O Brasil é um dos nossos cinco maiores mercados e continuamos a crescer três dígitos aqui. O nosso consumidor, apesar de ter sido afetado pela crise, não foi tão afetado como a classe média”, afirma o CEO. Durante sua passagem pelo escritório da Farfetch em São Paulo, EXAME Hoje teve a seguinte conversa com Neves:

Quando a Farfetch começou a operar no Brasil, em 2010, o país era outro. Era uma época de consumo em alta. O país parecia caminhar rumo ao primeiro mundo. Agora, a situação se inverteu e a economia desacelerou. Como isso afeta o e-commerce de luxo?

Nós estamos confiantes, pois pensamos no longo prazo. Pensamos com 10 anos de distância. O Brasil continua a ser — e vai ser sempre — um grande país e uma grande democracia. Irá voltar a crescer. Problemas políticos acontecem no mundo todo. Vimos agora o que está acontecendo na Europa e o que aconteceu nos Estados Unidos. O Brasil é um país com grande sentido estético. O brasileiro gosta de coisas bonitas, gosta de design, gosta de coisas com qualidade. Portanto, nós vemos o país como um mercado potencial muito grande. Agora, é obvio que é preciso ter paciência. Mas nós estamos tendo um sucesso muito grande, com um crescimento de três dígitos no Brasil. O Brasil é um dos nossos cinco maiores mercados e continuamos a crescer três dígitos aqui. O nosso consumidor, apesar de ter sido afetado pela crise, não foi tão afetado como a classe média.

Mas o mercado de luxo, de maneira geral, não sofre no mundo inteiro? O setor de relógios na Suíça, por exemplo, prevê uma queda de exportações este ano causada pela desaceleração dos grandes mercados consumidores da China e de Hong Kong.

O mercado global cresce entre 2% e 3%. Esse é o mercado de artigos de luxo pessoais, incluindo roupas e relógios, mas excluindo iates e automóveis. A questão aqui é que o mercado online desse mesmo segmento cresce 30%. Há uma migração das compras em lojas físicas para lojas online. Essa é uma onda muito forte. É uma indústria de 250 bilhões de dólares no mundo, com uma passagem muita rápida do canal físico para o digital. Isso permite a empresas como a nossa se beneficiarem dessa migração. No Brasil, 97% das vendas do mercado de moda de luxo ainda são feitas em lojas físicas. Mas há países, como Estados Unidos e Inglaterra, que o canal digital está na casa dos 20%. A tendência vai ser esse crescimento exponencial.

Mas a estratégia de vocês também tem um pé importante no off-line, não?

A Farfetch, desde o seu primeiro dia, em 2008, sempre foi multicanal. Sempre ligamos lojas físicas a uma plataforma digital. O que descobrimos depois desse aprendizado é que essa é a forma mais eficiente de se fazer e-commerce. Muito mais eficiente do que fazer uma seleção apenas para o site, colocar em um armazém e torcer para o melhor. É muito melhor integrar o e-commerce diretamente com a loja física já existente, pois não há risco de estoque. O estoque já existe e, para o cliente, há uma seleção de itens muito melhor. E, para a loja física, existe um canal adicional de vendas para o estoque. Em vez de funcionar oito horas por dia, por exemplo, nos Jardins, a loja funciona 24 horas por dia e sete dias na semana em todo o mundo. Essa explosão da eficiência da gestão do estoque e da qualidade no atendimento ao cliente é benéfica tanto para a marca como para o cliente final. Nossa visão de futuro é que a loja física vai continuar no epicentro do setor, só que essa loja física, da forma que existe hoje, vai desparecer. O casamento entre o mundo físico e o digital é onde sempre estivemos e será onde sempre estaremos. 

É por isso que a Farfetch comprou a Browns [famosa loja multimarcas de Londres, que foi adquirida em 2015 por valor não revelado]?

Sim. É nosso ratinho de laboratório. Estamos muito contentes. Em um ano, aumentamos em cinco vezes o faturamentos da Browns, que é uma empresa com 47 anos de história. Estive com alguns membros da família Burstein, fundadora da Browns, em Londres esta semana e eles estão muito contentes. É algo importante para nós tanto do ponto de vista emocional como ético. Pegamos uma loja de 47 anos de existência, lendária, e conseguimos fazer um bom trabalho.

Ainda sobre a experiência de consumo: ir ao shopping de luxo é um evento. O que pode ser feito no lado digital para enriquecer a experiência de consumo? A realidade virtual é uma possibilidade?

A experiência física e digital são completamente diferentes. A experiência digital não deve tentar imitar a física, pois vai perder. Há os aspectos humanos e sensoriais que são impossíveis de serem replicados no online. No entanto, o mundo online tem outras vantagens. É possível estar em casa às 23 horas tomando uma taça de vinho e vendo o que está entrando em moda agora na Europa. Tudo com facilidade de compra. Às 23 horas o shopping Cidade Jardim [famoso centro de luxo de São Paulo] vai estar fechado.

O senhor comentou sobre a eficiência do estoque. Mas um problema comum no e-commerce é a logística reversa. É muito custoso ir até a casa do cliente para retirar uma compra devolvida. O que a Farfetch está fazendo em termos de controle de custos nessa área?

Nossa operação funciona muito bem. Temos a vantagem de trabalhar com um tíquete médio muito alto, por volta de 700 dólares. De forma que esse custo de logística é muito menos penoso para nós do que se estivéssemos um tíquete médio de 70 dólares. Entregar um pacote de Saint Laurent [grife parisiense] ou o pacote de uma camiseta básica feita na China tem o mesmo custo. Trata-se do mesmo pacote, a mesma entrega. Mas a diferença percentual na margem é brutal. É por isso que para a gente isso não é um problema. E no Brasil a porcentagem de devolução é até mais baixa do que em muitos países.

Há uma razão para essa porcentagem ser mais baixa?
É cultural. Na Alemanha, a porcentagem de devolução é de quase 50%. Isso porque os alemães sempre compraram por catálogo. Compram três tamanhos, devolvem dois. Compram 20 coisas, chamam os amigos, fazem uma festa em casa, experimentam e depois devolvem. Isso nunca existiu aqui. No Brasil, aliás, por muito tempo os varejistas não aceitavam devolução As pessoas compravam, pagavam e levavam para casa. Se no dia seguinte mudassem de ideia, paciência. Comprou está comprado.

Uma das novidades da Farfetch é a possibilidade de parcelar em seis vezes em dólar, mas receber a compra no exterior num hotel ou em uma boutique lá fora. Por que essa estratégia surgiu?

Boa parte do consumo de luxo do brasileiro é feito no exterior. Temos na Farfetch a maior rede de varejistas e de marcas do mundo. Temos mais de 800 empresas parceiras. Pontos de venda são mais de 1500. Estamos em vários pontos de Miami e em Nova York. São 20 pontos em Los Angeles. São outros 10 em Roma. Temos, portanto, uma rede muito vasta. Estávamos sempre pensando na dificuldade do brasileiro em comprar no exterior. Não pode parcelar. A taxa de câmbio é o câmbio turístico — que penalizada ainda mais o consumidor. Então o que permitimos? Fazer compras com preços da Europa ou dos Estados Unidos com a entrega onde o cliente preferir. Pode ser um hotel, pode ser em uma das nossas lojas associadas — sempre com possibilidade de devolução gratuita. Se o cliente não ficar satisfeito por qualquer motivo, nós recolhemos e restituímos tudo o que o cliente pagou, impostos incluídos. A grande novidade é o parcelamento em seis vezes, como se a compra fosse feita no Brasil, com o câmbio mais favorável e sem o IOF das compras internacionais. É, portanto, o meio de pagamento mais vantajoso.

Vocês passaram por uma rodada de investimento recentemente, captando 110 milhões de dólares em maio. O dinheiro será usado para financiar a expansão em outros países?

Esse aporte foi mais estratégico para trazer investidores que queríamos para a empresa do que propriamente uma necessidade de investimento. O fato de não ter que comprar o estoque nos deixa com uma estrutura de custo mais enxuta. Crescemos muito na Ásia, China, Japão, Coreia do Sul e Cingapura. Queríamos trazer como acionistas fundos que fossem muito fortes nessas regiões Temos agora o fundo soberano de Cingapura conosco. Temos também a IDG, um dos principais fundos de private equite da China. São fundos que investiram em empresas como o varejista online Alibaba, o buscador Baidu e no app de mensagens WeChat. Ter esse fundos ao nosso lado é para nos mais importante do que o aporte de capital em si.

O IPO é a próxima meta?

O IPO é o próximo marco financeiro, com certeza. Mas não irá ocorrer antes de dois ou três anos.

Para ler esta entrevista antecipadamente, assine EXAME Hoje.

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