Anywhere office: entenda como funciona o "trabalho de qualquer lugar" para as empresas (Rocky89/Getty Images)
É senso comum que os efeitos da inovação tecnológica provocam sensíveis alterações nas relações de trabalho e que o contexto da pandemia da Covid-19 impulsionou o ritmo destas mudanças, sinalizando novas perspectivas para o futuro do trabalho.
O trabalho remoto, que é aquele realizado fora das instalações físicas da empresa que contrata os serviços, não é propriamente uma novidade. No entanto, ele vem ocorrendo em escala cada vez maior, com dimensões e características que desafiam os conceitos e as regras legais até aqui existentes.
Denominou-se de teletrabalho o trabalho remoto realizado com o uso de ferramentas de tecnologia de informação e de comunicação.
O “anywhere office”, como o próprio nome diz, relaciona-se à ideia de que o teletrabalho pode ser realizado a partir de qualquer lugar. Não há exigências a respeito do local de residência do trabalhador, e nem mesmo de que o trabalho seja realizado necessariamente em sua casa (“home office”).
Hotéis, bibliotecas, espaços de trabalho do tipo “coworking” e quaisquer outros podem ser utilizados, pontual ou habitualmente, em qualquer localidade, a critério do profissional contratado.
Bem por isso, o anywhere office sugere um trabalho integralmente remoto, em oposição ao trabalho presencial ou mesmo aos regimes híbridos, que exigem o trabalho presencial em determinada medida (um número mínimo de dias por semana, por exemplo).
As possibilidades e demandas destes novos modelos de trabalho revelam-se em diversas frentes, em especial se pensarmos no universo das pequenas empresas.
Tanto sob o ponto de vista de gestão, quanto sob a perspectiva jurídica, em geral as discussões trabalhistas consistem em definir o tratamento a ser dispensado aos trabalhadores remotos, em como garantir e tratar “a presença dos ausentes”.
Afinal, com as ferramentas tecnológicas que eliminam distâncias e oferecem amplas possibilidades de conexão, controle e gestão, o teletrabalhador pode se mostrar perfeitamente inserido, integrado e presente na organização para a qual ele trabalha.
Trabalho remoto, vale lembrar, diz respeito mais a uma forma de trabalho do que a um lugar de trabalho.
O primeiro ponto de atenção está na definição da forma de contratação. Isto porque, trabalho remoto e teletrabalho não são sinônimos de trabalho autônomo e nem de terceirização de serviços. Para fins de formação do vínculo empregatício, a CLT não diferencia o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância.
Logo, ainda que se trate de trabalho remoto, sendo a relação desenvolvida de forma não eventual, com remuneração, pessoalidade e subordinação, a caracterização do vínculo de emprego é mandatória, mesmo que as partes adotem formalidades contratuais em sentido diverso.
Características de cada espécie de contratação devem, portanto, ser cuidadosamente avaliadas em cada caso concreto, com o objetivo de definir se uma empresa está, verdadeiramente, contratando um empregado, um profissional autônomo ou uma pessoa jurídica prestadora de serviços.
No âmbito da relação de emprego, o teletrabalho exige acordo entre as partes e previsão expressa no contrato, sendo importante que suas regras e condições sejam bem definidas.
Ordinariamente, a lei trata o teletrabalho como um regime provisório, na medida em que possibilita a alteração para o regime presencial por determinação do empregador mediante um prazo de transição mínimo de 15 dias.
A recente alteração havida na legislação (lei 14.442/2022, oriunda da MP 1.108, vigente desde março deste ano) deixou claro, inclusive, que o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, caso o empregado tenha optado pela realização do teletrabalho fora da localidade prevista no contrato.
No entanto, estas disposições tendem a não se aplicar ao verdadeiro anywhere office, na qual a possibilidade de prestar serviços a partir de qualquer localidade, de livre escolha do empregado, é uma condição prévia e expressamente estabelecida entre as partes.
Desde a reforma trabalhista de 2017, a lei sinaliza que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, devem ser previstas expressamente no contrato.
A recente alteração havida na CLT definiu que aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as regras e disposições previstas nas convenções e nos acordos coletivos de trabalho relativos à “base territorial do estabelecimento de lotação do empregado”, ou seja, nas normas coletivas vigentes no estabelecimento no qual o empregado está registrado.
Reconhece-se, assim, que no teletrabalho o local da prestação de serviços é o estabelecimento da empresa onde eles são remotamente contratados, dirigidos e recebidos (ambiente de trabalho virtual).
Disto resulta, em linhas gerais, uma tendência de se exigir regras e tratamentos isonômicos para trabalhadores presenciais e teletrabalhadores vinculados a um mesmo estabelecimento empresarial. Teletrabalho, afinal, é uma forma de trabalho, e não uma categoria profissional diferenciada.
Uma questão muito discutida diz respeito à jornada de trabalho no regime de teletrabalho.
A estipulação e o controle da jornada de trabalho constituem regra geral, e isto se dá não apenas para fins de remuneração (pagamento de horas extras), mas especialmente para garantir o respeito aos limites impostos pela Constituição Federal à jornada de trabalho.
Afinal, é até mesmo desnecessário falar dos danos individuais e coletivos provocados pela imposição de jornadas exaustivas no âmbito de qualquer modalidade de trabalho subordinado. Bem por isso, a inexistência da estipulação e do controle de jornada e do direito a horas extras é hipótese excepcional, restrita a determinadas situações estabelecidas em lei.
Para as pequenas empresas, já existe uma atenuação nesta matéria, pois a obrigação de controlar os horários de trabalho recai apenas para estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores. Todavia, isto não exclui o direito do empregado de receber a remuneração de horas extras trabalhadas.
A reforma trabalhista de 2017 havia previsto que os empregados em regime de teletrabalho não estariam sujeitos a controle de horários e não teriam direito a horas extras. Contudo, e talvez muito por conta da polêmica desde então criada no tema, a recente alteração legislativa na CLT veio estabelecer que esta hipótese excepcional somente existirá quando a prestação de serviços em regime de teletrabalho se der “por produção ou tarefa”.
Se os serviços forem prestados “por jornada”, incidirá a regra geral de controle de jornada e de direito a horas extras.
Esta nova regra gera dúvidas e insegurança jurídica, na medida em que usou um conceito até aqui existente na legislação para fins de remuneração, quanto à forma de fixação de salário — se por unidade de tempo, por obra (produção) ou por tarefa — o que não se relaciona com a fixação da jornada de trabalho.
A menos que um novo conceito de contratação próprio para o teletrabalho seja desenvolvido a partir da interpretação deste novo critério legal, a inexistência de estipulação e controle de jornada e de remuneração de horas extras no âmbito do teletrabalho, em termos práticos, será altamente restrita.
E, se de um lado isto é positivo para visar o respeito aos limites da jornada de trabalho, de outro é altamente contraditório ao conceito de flexibilidade em geral visualizado no teletrabalho, em especial no anywhere office.
Por fim, permanece o desafio em se definir a lei aplicável ao teletrabalho realizado a partir de país estrangeiro (teletrabalho transnacional), por profissional brasileiro ou estrangeiro.
Com a recente alteração havida na legislação, determinou-se que se aplica a legislação brasileira ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho no exterior.
Já para a hipótese do trabalhador residente e contratado no exterior, há controvérsias. Há, no entanto, posicionamento no sentido de se aplicar a legislação trabalhista brasileira, partindo do pressuposto de que no teletrabalho o local da prestação de serviços é o estabelecimento da empresa onde eles são remotamente contratados, tomados e dirigidos (ambiente de trabalho virtual), ainda mais na hipótese do anywhere office, onde não há um local estipulado para a localização do empregado.
O tema certamente passará por desenvolvimento. Vale acompanhar.