Especialistas acreditam que a empresa também deve começar a subsidiar frete, como já vem fazendo com o segmento de livros (Mike Segar/Reuters)
Letícia Toledo
Publicado em 18 de outubro de 2017 às 07h48.
Última atualização em 23 de outubro de 2017 às 11h13.
Após uma semana de rumores, a varejista americana Amazon finalmente ampliou sua atuação no país nesta quarta-feira com o começo da venda de eletroeletrônicos.
Pouco mais de seis meses após abrir seu site para que pessoas físicas e jurídicas vendam seus livros, a Amazon permite agora a venda de eletrônicos como celulares, televisores, tablets, telefones e impressoras (novos e usados).
A nova loja, que entrou no ar no primeiro minuto desta quarta-feira, já nasce com 110.000 itens ofertados, segundo a empresa, por “milhares de vendedores”.
“Queremos ter o maior número possível de produtos e também o maior número de vendedores para ter os melhores preços ao consumidor”, diz Alex Szapiro, presidente da Amazon no Brasil.
Para garantir isso, a Amazon chega com uma estrutura agressiva: a comissão cobradas nas vendas é de 10%, enquanto os demais sites cobram, em média, 15%. Entre as empresas que entraram no market place da Amazon estão desde fabricantes como Sony e LG até e-commerces como Efácil, Webfones e Clubnet.
Especialistas acreditam que a empresa também deve começar a subsidiar frete, como já vem fazendo com o segmento de livros. “A Amazon oferece hoje frete de 2,50 reais para livros em seu marketplace. É um valor extremamente baixo e que fica difícil para outros concorrerem”, diz um executivo do setor.
O impacto que isso pode trazer no cenário do comércio eletrônico brasileiro já foi sentido na bolsa. Desde que a notícia da ampliação da atuação da Amazon começou, ainda na semana passada, as ações da maior empresa de e-commerce do país, a B2W, caíram 20,8%, as da Via Varejo recuaram 13,9% e as da Magazine Luiza, 18,6%. Na bolsa americana Nasdaq, os papéis do Mercado Livre recuaram 14,4%.
Para uma empresa que domina o varejo americano, o site de comércio eletrônico Amazon vinha se notabilizando por crescer no Brasil num ritmo estranhamente lento. A companhia, que foi fundada por Jeff Bezos há mais de 20 anos e vale quase meio trilhão de dólares em bolsa, começou a operar por aqui há cinco anos.
Agora, em 2017, a expansão da Amazon no Brasil acontece justamente em um ano em que as varejistas parecem começar a ter resultados melhores após anos no vermelho.
No últimos anos, grandes investimentos, somados a fretes grátis, pagamentos em 12 vezes sem juros e competição por preços mais baixos acostumaram mal os consumidores e criaram um rombo no caixa da maioria das empresas. A B2W, que acumula prejuízos desde 2012, deixou de vender produtos de margens mais apertadas.
Na segunda maior empresa do setor, que reúne os sites das varejistas Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, a saída foi integrar as operações online com as operações físicas, reunidas sob o guarda-chuva da companhia Via Varejo, em processo que foi iniciado em outubro do ano passado.
Apesar de sempre ressaltarem que não estão ameaçados pela Amazon, os maiores varejistas do país tentam fazer o que podem para dificultar a escalada da Amazon no país. A B2W informou esta semana que, até o fim de novembro, vai começar a vender produtos usados, negociados entre pessoas físicas, se aproximando da estratégia da Amazon e do MercadoLivre no país.
A empresa também vai lançar o “Americanas Prime”, serviço de entregas premium que funciona como uma assinatura que garante um valor fixo de frete no ano, independente da quantidade de produtos comprado. A B2W já tem o serviço Submarino Prime.
O presidente mundial do Mercado Livre, Marcos Galperin, disse em entrevista a EXAME no fim de agosto que vai fazer um investimento recorde no país ainda neste ano, de 1 bilhão de reais, o que inclui a inauguração do primeiro centro de distribuição da empresa aqui.
Enquanto as principais concorrentes investem em logística, um dos principais gargalos do país, a fórmula que a Amazon vai adotar no Brasil é deixar o estoque e a entrega nas mãos do lojista, diferentemente de outros mercados em que tem a plataforma Amazon Fulfillment.
Se por um lado isso alivia os problemas que uma empresa estrangeira como a Amazon poderia ter para entregar produtos nos cantos mais remotos do Brasil, por outro, pode prejudicar e muito a imagem da empresa.
“A Amazon é uma marca muito desejada no Brasil. Se eles apenas oferecerem o que os outros já oferecem, não vão trazer a satisfação esperada. O consumidor vai comparar a empresa com a Americanas.com. O mínimo que ele espera é um serviço melhor”, diz Alevir Francisco de Assis, diretor do Instituto Ibero Brasileiro de Relacionamento com o Cliente.
Se não vai inovar na logística, a Amazon aposta em seu atendimento ao cliente como um de seus grandes diferenciais para bater os concorrentes nesta nova fase. Um dos exemplos constantemente citados por Szapiro é o call center que a empresa tem com profissionais treinados e funcionários disponíveis para atender solicitação dos clientes a qualquer momento.
“Recebemos muitos elogios deste atendimento. Atender bem é algo básico”, afirma Szapiro. Só tem um detalhe: o call center fica localizado na Costa Rica. “Como é que alguém da Costa Rica pode entender os problemas de alguém que não teve seu produto entregue na favela do Rio, por exemplo?”, diz Assis.
Apesar de ser bastante reconhecida por seu atendimento ao cliente, no site ReclameAqui a Amazon tem um dos piores desempenhos da categoria livrarias online. Isso principalmente porque a empresa não responde as reclamações feitas no site. Nos últimos seis meses, ou seja, desde que iniciou seu marketplace de livros, a empresa teve 1.006 reclamações.
Em comparação, a Fnac teve 911 e a Livraria Cultura, 773. A Amazon afirma que "não utilliza sites de terceiros para atender seus clientes, e sempre recomendamos que os clientes entrem em contato pelos canais de atendimento da Amazon".
O mercado brasileiro não é o primeiro com dificuldades operacionais pelo qual a Amazon se aventura. Para entender o que pode acontecer no Brasil vale olhar para a Índia. O país também é um lugar difícil para construir uma empresa de comércio eletrônico. A nação vasta e multilíngue sofre de uma infraestrutura precária e um sistema burocrático.
Mesmo assim, Jeff Bezos, o fundador da Amazon, afirmou, no ano passado, que o mercado indiano é o de maior crescimento da companhia.
O executivo anunciou o investimento de 3 bilhões na expansão indiana, além dos 2 bilhões já investidos. Por lá, a Amazon está competindo com a indiana Flipkart, que inclusive foi fundada por ex-funcionários da Amazon, e com a Snapdeal.
As empresas iniciaram uma forte disputa de preços no país, o que resultou num prejuízo de 1,8 bilhão de dólares somando as perdas das três operações em 2016. Para aumentar seu tamanho, a Flipkart recentemente adquiriu as operações do eBay na Índia e fez uma proposta para comprar a Snapdeal.
"Na Índia a Amazon tem uma competição acirrada. Aqui eles estão muito pra trás. Estão entrando em novos mercados, mas sem um diferencial, então a vida deles não vai ser fácil”, diz Paulo Humbert, sócio do fundo de investimentos A5.
A briga na Índia é por um mercado que faturou 16 bilhões de dólares em 2016. O e-commerce brasileiro faturou 44,4 bilhões de reais (cerca de 14 bilhões de dólares) em 2016. É um enorme mercado, que nesta quarta-feira ficou ainda mais disputado. Tudo que se espera é que a competição melhore a vida do maltratado consumidor brasileiro.