Quase 35% das vendas da Renner são feitas pelo crediário próprio (Lucas Jones Dias/Renner/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de maio de 2022 às 11h28.
Última atualização em 27 de maio de 2022 às 11h42.
Diante do cenário de restrição de crédito do País, as grandes varejistas - entre elas, Riachuelo, Marisa e Renner - criaram um sistema de crédito destinado a alimentar seu negócio principal, o varejo. São negócios como esses que alimentam o mercado de crédito mesmo em tempos como os atuais, de taxa básica em alta e fraca atividade econômica. No entanto, nesse momento, até elas estão de olho em um indicador que já apareceu negativo no balanço dos bancos: a alta da inadimplência.
O aumento dos calotes já apareceu nos números do primeiro trimestre de Marisa, Riachuelo e Renner, por exemplo - a primeira já anunciou, em seu balanço, que vai aumentar a provisão para eventuais calotes. Já o diretor financeiro da Riachuelo, Túlio de Queiroz, adiantou que pode começar a fechar a torneira de financiamentos, já que a varejista vai ficar mais seletiva na hora das liberações. "Isso claramente é um reflexo da questão macro que estamos vivendo", disse Queiroz, na mais recente divulgação de balanço da empresa.
As empresas, no entanto, têm de ser cuidadosas mesmo ao colocar o pé no freio, uma vez que, mesmo com o crescimento dos cartões de crédito no País nos últimos anos, seus "cartões de loja" ainda são muito importantes para seu faturamento. Quase 35% das vendas da Renner são feitas pelo crediário próprio. Na Marisa, esse número sobe para quase 39%.
Por outro lado, o cartão é um trunfo dessas redes, já que, muitas vezes, representa o único acesso de parte dos consumidores a ferramentas de parcelamento. Especialista em varejo e sócio da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino lembra que o varejo voltado às classes C e D, que concentram a maior parte da população brasileira, depende do crédito. "Isso é algo que está incorporado ao modelo de negócio. O parcelado na venda no Brasil é necessário para atingir a massa", aponta.
É por isso que muitas varejistas optam por ter a financeira dentro de casa - caso de Riachuelo, Marisa e Renner. Nesses casos, quando a gestão do risco é feita diretamente, a concessão de crédito costuma ser maior do que quando um banco opera o serviço (como ocorre, por exemplo, na concorrente C&A). "A tentação da operação própria é se tomar um risco maior", afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira do Varejo e Consumo (SBVC).
Risco
Além de financiar a compra de um produto de sua própria prateleira, algumas das varejistas também emprestam dinheiro, concorrendo com as financeiras.
Nesse caso, o presidente da SBVC afirma que é necessário tomar cuidado, pois o risco é a varejista "esquecer" a atividade central em favor da financeira. "O grande drama de dar diretamente o crédito é que a financeira muitas vezes drena recursos que poderiam ir para a abertura de lojas, por exemplo", diz Terra. "A empresa pode até acabar quebrando."
É uma situação que as empresas precisam ter em mente especialmente em momentos de alta de juros. Um caso histórico de companhia que quebrou por causa do descontrole com o crédito foi o da Arapuã, que havia chegado a liderar a venda de eletrodomésticos no País. A crise dos chamados "tigres asiáticos", em 1997, acabou pegando a companhia desprevenida.
Na época, para controlar a fuga de capital externo, o Banco Central se viu obrigado a aumentar os juros, de uma só vez, de 20% para 40% ao ano. Resultado: a inadimplência explodiu, e quem não tinha reservas acabou sofrendo com os efeitos da mexida nas taxas.
Para Boanerges Ramos Freire, presidente da consultoria Boanerges especializada em serviços financeiros, na cabeça do consumidor a relação com uma varejista é diferente da mantida com um banco. "O cliente não procura a varejista pelo crédito, mas por seus produtos", diz Freire, lembrando que, por isso, é necessário que esses negócios saibam que sua concessão de crédito precisa estar sempre subordinada à atividade principal.