Escritório do Google (GOOGL34) em Mountain View, na Califórnia (Mike Blake/Reuters)
Da Redação
Publicado em 14 de maio de 2020 às 15h25.
Última atualização em 14 de maio de 2020 às 17h23.
Citando a turbulência econômica da pandemia do coronavírus, uma empresa irmã do Google disse que havia abandonado planos ambiciosos para criar uma “cidade do amanhã”, cheia de sensores e orientada por dados, em um distrito pobre ao longo da costa do Lago Ontário, em Toronto.
“Tornou-se muito difícil fazer do projeto de 5 hectares algo financeiramente viável, sem sacrificar partes centrais do plano que desenvolvemos em conjunto com a Waterfront Toronto para construir uma comunidade verdadeiramente inclusiva e sustentável”, escreveu Dan Doctoroff, executivo-chefe da empresa, a Sidewalk Labs, em um post no blog.
A Sidewalk — e Doctoroff em particular — enfrentou com vigor a oposição ao plano desde que este foi revelado há quase três anos à Waterfront Toronto, a agência governamental responsável pelo projeto, um dos maiores esforços de revitalização urbana da América do Norte.
Mas a luta acabou se tornando um desastre de relações públicas para a Alphabet Inc., o conglomerado de tecnologia que é a empresa mãe da Sidewalk e do Google.
Aquilo que a Sidewalk apresentou como uma comunidade de padrões ambientais insuperáveis e uma nova abordagem para o design urbano foi rapidamente caracterizado como uma cidade de vigilância distópica por muitas pessoas no mundo da tecnologia.
Ativistas de urbanização também afirmaram que o projeto deixaria decisões críticas sobre a cidade a cargo dos algoritmos do Google, quando cidadãos e políticos é que deveriam fazer essas escolhas.
Muitos críticos do plano sugeriram que a oposição ao projeto e sua viabilidade reduzida, não a pandemia, estavam por trás da decisão da Sidewalk de desistir antes que a Waterfront Toronto tomasse sua decisão final sobre a continuidade do plano até o fim de junho.
“Esse é um grande retrocesso para o capitalismo de vigilância e uma vitória para fazer a tecnologia servir à sociedade em vez de capturá-la. O Google aprendeu que os canadenses não podem ser facilmente intimidados”, disse Jim Balsillie, ex-coexecutivo-chefe da BlackBerry e um dos principais críticos do plano.
A Sidewalk parecia minar sua causa às vezes. A Waterfront Toronto inicialmente pediu a apresentação de uma proposta para 5 hectares como uma demonstração do que seria feito.
Mas, em vez disso, no ano passado a empresa divulgou um conceito detalhado para grande parte dos 325 hectares, quase todos eles propriedade do governo federal, adjacentes ao local menor. Essa grande área é a maior propriedade não desenvolvida no centro de Toronto.
“A apresentação de um projeto em uma escala muito maior do que o local de demonstração não foi bem aceita em Toronto. Foi uma versão tudo ou nada do projeto”, observou Shoshanna Saxe, professora assistente do departamento de engenharia civil e mineral da Universidade de Toronto, que estuda a infraestrutura e o desenvolvimento municipais.
Na visão da empresa para Toronto, arranha-céus feitos de derivados de madeira ocupariam o que hoje são lotes abandonados e armazéns subutilizados ao longo das ruas. Suas ciclovias derreteriam a neve.
Os pedestres seriam protegidos da chuva, da neve e do calor escaldante por toldos gigantes e automatizados. Os sensores rastreariam cada movimento dos moradores para otimizar tudo, desde sinais de trânsito até exércitos subterrâneos de robôs, que entregariam encomendas e recolheriam o lixo.
Os críticos denunciaram isso como um esforço para ampliar o que chamaram de mundo online do Google de olho no mundo físico. E havia preocupações imediatas sobre a propriedade dos dados coletados pelo desenvolvedor e as questões de privacidade criadas, que a Sidewalk nunca foi capaz de resolver totalmente, apesar das repetidas concessões.
Em certo momento, a Sidewalk recuou de uma proposta para receber uma redução dos futuros impostos sobre a propriedade do bairro em troca da construção de uma linha de transporte ferroviário.
Por fim, a Waterfront Toronto ordenou que a Sidewalk apresentasse um plano focado apenas nos 5 hectares iniciais. A empresa reconheceu que a escala reduzida a forçaria a abandonar muitas de suas ambições.
Em um comunicado, a Waterfront Toronto disse que, embora tenha ficado decepcionada com a decisão da Sidewalk, a mudança não reflete o potencial da economia e do mercado imobiliário da cidade. “Hoje há incerteza financeira global, mas a Waterfront Toronto confia no futuro econômico da cidade, e terá uma visão de longo alcance ao tomar decisões imobiliárias e de desenvolvimento na orla de Toronto”, declarou a agência.
John Tory, prefeito de Toronto, também descartou a ideia de que o cancelamento foi um voto de desconfiança no futuro da cidade — e afirmou que ainda havia o compromisso com o desenvolvimento da propriedade. “A economia de Toronto voltará forte depois da covid-19 e continuaremos a ser um ímã para pessoas inteligentes e empresas inteligentes”, disse ele em comunicado.
O colapso do projeto de Toronto ressalta a profunda suspeita que a Alphabet e o Google enfrentam na implementação de novas iniciativas tecnológicas. As preocupações sobre privacidade e controle corporativo da Alphabet que surgiram em Toronto ecoaram muitas daquelas expressas por legisladores e reguladores em todo o mundo no que diz respeito a outras operações da empresa.
Saxe disse que a atitude desconfiada de Toronto em relação ao projeto não significa que os dados não possam ajudar a moldar e melhorar as cidades. Mas afirmou que a empresa estava prometendo algo que não poderia entregar.
“A ideia de construir uma cidade a partir da internet sempre pareceu ruim. Muitos dos problemas que enfrentamos nas cidades são complicados, enraizados e difíceis de lidar. Devemos ser muito céticos em relação a qualquer coisa que nos venda uma solução fácil e barata usando um novo dispositivo de tecnologia.”