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Airbnb busca a profissionalização de seus anfitriões

Em nove anos, a empresa construiu uma marca global de hospitalidade e sua avaliação subiu para mais de US$30 bilhões

Jill Bishop: depois de preparar o café da manhã para seus hóspedes, ela aprecia a vista de sua janela (Ryan David Brown/The New York Times)

Jill Bishop: depois de preparar o café da manhã para seus hóspedes, ela aprecia a vista de sua janela (Ryan David Brown/The New York Times)

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Da Redação

Publicado em 26 de junho de 2017 às 13h11.

Última atualização em 26 de junho de 2017 às 18h28.

Denver – Durante nove anos, Jill Bishop alugou seu quarto extra pelo Airbnb e se deliciou com a camaradagem dos hóspedes.

Eles se sentavam em seus sofás confortáveis para uma boa conversa; todo mundo jantava junto. Compartilhavam o banheiro dela, onde havia frascos de shampoo meio vazios e vários hidratantes.

Então, as coisas mudaram.

O Airbnb exigiu que Bishop deixasse o banheiro mais parecido com o de um hotel. Os novos regulamentos locais a obrigaram a começar a recolher impostos de hospedagem, o que a fez se sentir estranha por ter que pedir dinheiro aos hóspedes. E o serviço começou a condicioná-la a receber hóspedes que só estavam procurando um lugar para dormir, e não um lar para compartilhar.

Quando um deles finalmente chegou com essa intenção, no ano passado, isso a abalou.

Ryan David Brown/ The New York Times
Sergey Reida, à direita, e seu filho, Artena Reida, ambos do Cazaquistão esperam pelo café da manhã de Jill Bishop (foto: Ryan David Brown/ The New York Times)

“Ele me disse que só usa o Airbnb como uma alternativa aos hotéis e que, de fato, não quer falar com seus anfitriões. Entrou no quarto e ficou lá, com a porta fechada, enquanto eu ficava na sala de estar”, disse Bishop, 63 anos, que mora em uma casa térrea em Denver.

O Airbnb, ou melhor, a startup de compartilhamento de residências nascida com a informalidade do “pode dormir no meu sofá”, agora está tentando profissionalizar seus mais de dois milhões de anfitriões em todo o mundo.

Em apenas nove anos, a empresa construiu uma marca global de hospitalidade usando proprietários como Bishop; sua avaliação subiu para mais de US$30 bilhões. Porém, para que a expansão continue, o Airbnb deve atrair viajantes que preferem a previsibilidade dos hotéis aos inúmeros quartos e casas vazias que a empresa sempre divulgou.

Viajantes acostumados a hotéis agora esperam poder reservar um Airbnb automaticamente sem ter que pedir permissão ao proprietário antes, como o que acontece no processo de reserva de hotel. Eles querem saber se a reserva está confirmada. Esperam privacidade e lençóis limpos.

Como resultado, os anfitriões têm que lidar com mais regras, taxas e normas. Muitos assumiram responsabilidades que normalmente são tratadas na recepção de um hotel, como explicar (e, às vezes, cobrar) uma lista cada vez maior de taxas e impostos. Estão tendo que lidar com novas ferramentas que permitem que os hóspedes façam reservas instantaneamente, muito parecidas com o sistema de reserva hoteleiro.

Jill Bishop: o Airbnb exigiu que ela deixasse sua casa mais parecida com um hotel Ryan (foto: David Brown/ The New York Times)

O Airbnb não pode forçar os proprietários que usam seu site a adotar suas ferramentas e políticas; afinal, não são empregados em tempo integral, mas as entrevistas com mais de vinte anfitriões mostraram que muitos se sentem pressionados. A lição, segundo Bishop, é que a empresa quer que seu quarto alugado seja mais como um Hilton ou um Hyatt, e que ela aja como uma mini hoteleira.

“O Airbnb enriqueceu muito a minha vida, mas agora tenho menos contato com esse lado e mais com o aborrecimento”, disse ela.

O homem por trás dessas medidas é o executivo-chefe do Airbnb, Brian Chesky, que afirmou que a empresa quer, finalmente, entrar em campos diferentes. Para atingir essa meta, é preciso oferecer aos hóspedes uma experiência confiável; só que isso virou um desafio, principalmente devido às idiossincrasias dos anfitriões.

Essa mudança do Airbnb dividiu a comunidade de anfitriões. Alguns estão adotando as mudanças na reserva imediata e tentando atrair viajantes de negócios. Mark Scheel, 42 anos, engenheiro de software que organiza encontros mensais para anfitriões em Denver, começou a alugar seu apartamento pela empresa, há cinco anos.

“As mudanças que deram mais rigidez também produziram uma experiência melhor para os hóspedes, o que os deixa mais felizes e gera mais negócios para mim”, disse Scheel.

Outros se sentem menos confortáveis com as responsabilidades adicionais e as novas ferramentas.

“O pessoal do Airbnb começou o negócio como uma forma de ganhar dinheiro para pagar o aluguel, com cama e café da manhã. Agora eles dão um monte de ‘sugestões’ para que você faça o que chamam de ‘melhores práticas’. É meio paternalista”, disse John Garber, anfitrião em Denver que aluga seu apartamento no Airbnb desde agosto de 2016.

Chip Conley, ex-chefe de hospitalidade e estratégia global do Airbnb que hoje atua como conselheiro, disse que a empresa continua “a manter um bom relacionamento com os anfitriões e que eles estão satisfeitos”. Em nome do Airbnb, ele citou dados mostrando que mais da metade de todos os anfitriões hoje está disposta a recomendar a atividade, o mesmo número de 2014.

Em 2010, o Airbnb lançou o Instant Book (reservas instantâneas), uma ferramenta que permite que os hóspedes reservem quartos imediatamente em vez de pedir diretamente aos anfitriões por um quarto, tendo que esperar pela aprovação. Eles queriam um mecanismo de reserva mais veloz, mas os anfitriões foram cautelosos ao abrir mão do controle para autorizar quem ficará em suas casas.

Um ano depois, o Airbnb contratou Conley, fundador da cadeia de hotéis boutique Joie de Vivre, para o recém-criado papel de chefe global de estratégia e hospitalidade. Seu trabalho, em parte, era ensinar hospitalidade aos anfitriões.

E rapidamente começou a fazer mudanças: entre elas, ajudou a criar padrões de hospitalidade, limpeza, comunicação e cancelamentos. Lançou um aplicativo móvel para que os anfitriões pudessem responder mais rapidamente.

Nos últimos anos, a empresa tentou determinar políticas padronizadas de cancelamentos e de horários de check-in e check-out, mas quem não quisesse participar poderia ficar de fora.

Bishop ficou sabendo do Airbnb, que era então chamado AirbedAndBreakfast, em 2008. Na época, Denver iria receber 80 mil pessoas para a Convenção Nacional do Partido Democrata. Como os hotéis não conseguiriam acomodar tanta gente, o AirbedAndBreakfast estava procurando pessoas dispostas a acolher participantes da convenção em casa. Bishop se inscreveu como usuária nº 933.

E logo gostou da experiência. Os hóspedes cochilavam em sua sala e comiam à mesa, rodeados de fotografias de família, papelada, cartas e material para reciclagem. Ela fez amizade com alguns deles que, por sua vez, a hospedaram mais tarde na Itália e na Alemanha.

“As pessoas gostam daqui porque se sentem confortáveis e em casa”, afirmou. Ela logo se tornou uma “superhost”.

A empresa, nessa altura renomeada Airbnb, mandou flores quando Bishop recebeu seu hóspede de número 200, e de novo quando ela ajudou a encontrar alojamento alternativo para um homem que foi pego em uma tempestade de neve em outra cidade. Em 2015, enquanto esperava para falar em um evento em Paris para anfitriões do Airbnb, ela conheceu Joe Gebbia, um dos fundadores da empresa, que a agradeceu por ser uma das primeiras a hospedar pessoas quando pouca gente estava disposta a fazê-lo.

Em 2012, Bishop, que era professora, decidiu que estava ganhando dinheiro suficiente pelo Airbnb e que poderia se aposentar mais cedo. Tinha reservas o tempo todo e gostava de conhecer hóspedes como os Ikram, uma família paquistanesa de três pessoas que recentemente ficou com ela. Inicialmente eles pareceram apreensivos por estar em quartos próximos ao de uma mulher divorciada, mas no terceiro dia, se ofereceram para hospedá-la em sua casa no Paquistão, mesmo que ela tivesse sérias dúvidas sobre a segurança no país.

“O pai mudou de ideia sobre mim e percebi que eu tinha noções preconcebidas sobre o Paquistão que não achei que tivesse”, disse ela.

Então, a hospedagem se tornou mais complicada: no ano passado, as autoridades municipais deixaram bem claro que planejavam regular o mercado de aluguéis de curto prazo e aprovaram regras que exigiam que anfitriões do Airbnb comprassem uma licença dessa modalidade de aluguel e recolhessem impostos.

(O Airbnb disse acreditar que logo estará coletando e pagando impostos em Denver, como faz na maioria das cidades.)

Bishop disse que, às vezes, se sentia exausta com as complexidades da hospedagem: em um hotel, há funcionários para limpar os quartos, e outros que fazem serviços de concierge e conversam com os hóspedes, enquanto outro grupo fica encarregado da administração, dos regulamentos e da contabilidade. Ela faz todas essas tarefas sozinha.

“Às vezes eu brinco que meu trabalho é lavar lençóis e toalhas, mas uma boa conversa com um hóspede deixa tudo bom outra vez.”

Katie Benner © 2017 New York Times News Service

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