BRF: se na primeira fase da Carne Fraca a Se naquela época a BRF era apenas uma das 30 empresas investigadas, desta vez ela é o centro das atenções / Germano Luders
Lucas Amorim
Publicado em 5 de março de 2018 às 12h38.
Última atualização em 5 de março de 2018 às 18h04.
A segunda-feira que já seria um dia tenso para a fabricante de alimentos BRF ficou ainda pior pouco depois das 7h. O ex-presidente da companhia, Pedro de Andrade Faria, e o ex-vice-presidente Hélio Rubens Mendes dos Santos Júnior foram presos na nova fase da Operação Carne Fraca, que mira fraudes laboratoriais no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
A operação, batizada de Trapaça, aponta que cinco laboratórios e setores de análises da BRF fraudavam resultados de exames. O delegado da Polícia Federal encarregado das investigações, Maurício Moscardi Grillo, disse que provas e emails coletados indicam que as fraudes foram cometidas entre 2012 e 2015, e que, em depoimentos, ex-executivos afirmaram que a má conduta era parte da “estratégia da empresa”. O esquema, segundo a PF, foi exposto pela ex-supervisora laboratorial Adriana Marques Carvalho, que anexou cópias de emails internos da BRF em ação trabalhista. Ela afirma que era obrigada por seus superiores a alterar resultados de exames. Segundo a PF, a direção da empresa tentou selar um acordo com Adriana sem questionar a acusação.
Os detalhes das investigações ainda estão sendo conhecidos. E ainda não está clara a participação de Pedro Faria, que assumiu a companhia em 2015 e deixou o cargo no último dia de 2017. Num email anexado pela PF sobre o tema, ele afirma que “sempre levamos bucha dos mesmos lugares”, o que, segundo os investigadores, é sinal de que ele sabia do histórico de “problemas semelhantes”. As práticas da PF estão sendo analisadas com lupa, é bom lembrar, depois que a primeira fase da Carne Fraca, deflagrada em março de 2017, se mostrou uma sucessão de equívocos e erros de informação por parte dos investigadores.
A operação desta segunda-feira acontece no mesmo dia em que o conselho da BRF se prepara para tomar uma decisão fundamental para o futuro do grupo. Uma assembleia convocada a pedido dos fundos de pensão Petros e Previ vai discutir a destituição total do conselho, a começar pelo empresário Abilio Diniz, que preside o órgão desde 2013. Os fundos ficaram furiosos com o resultado da empresa, que teve prejuízo de 1,1 bilhão de reais em 2017 — enquanto o desempenho da concorrente de alimentos JBS, que passou por um drama de reputação e troca de gestão no último ano, vai de vento em popa.
As ações da BRF abriram o pregão com as negociações já interrompidas por terem sofrido uma queda de mais de 10%. “A operação afeta a credibilidade da empresa. O resultado já não foi bom no quarto trimestre e essa operação pode complicar”, diz Raul Grego Lemos, analista da casa de análises Eleven Financial. Oscar Malvessi, consultor e professor de finanças da FGV-Eaesp, destaca a falta de iniciativas para corrigir os descaminhos recentes. “A margem bruta passou de 31% para 20% de 2015 para 2017, e as despesas administrativas e de vendas não caíram. O retorno do capital investido caiu de 11,2% para 1,5% em apenas dois anos”, diz.
Os impactos
Uma das principais dúvidas de analistas e investidores é como a nova fase da Operação Carne Fraca vai pesar sobre os resultados da companhia. A primeira fase da Carne Fraca, em março 2017, pesou para o ano ruim da BRF. No primeiro trimestre de 2017, a empresa anunciou seu segundo prejuízo seguido, de 286 milhões de reais. Como parte da investigação, a fábrica de Mineiros, em Goiás, foi fechada e dois executivos da BRF estavam entre as 60 pessoas acusadas de participar do esquema. A unidade foi reaberta em 8 de abril. Ainda assim, o mês de abril foi duro, com queda de 22% nas exportações de carne bovina, suína e de frango do país. No segundo trimestre, como reflexo da operação, a empresa teve novo prejuízo, de 167 milhões de reais.
As ações da empresa despencaram 11% nos quatro dias seguintes à operação, mas voltaram ao patamar anterior já durante o mês de abril. Em carta aos investidores no seguindo trimestre de 2017, Pedro Faria e Abilio Diniz afirmaram que o início do período foi marcado por volumes fracos, mas que maio e junho tiveram volumes acima da média do início de 2017. Afirmam, ainda, que os principais eventos da Carne Fraca “já foram administrados”. No final do ano, a operação ainda causou impacto no balanço, com provisões de 200 milhões de reais.
O peso da nova fase da Carne Fraca na atual conjuntura é incalculável. Se naquela época a BRF era apenas uma das 30 empresas investigadas, desta vez ela é o centro das atenções.
Na primeira fase, os efeitos foram diluídos com o passar dos dias, quando ficou claro que houve uma espetacularização por parte da Polícia Federal, que caprichou nos erros de informação – chegou a falar que algumas companhias colocavam papelão nos alimentos. A BRF, à época, foi acusada de em pelo menos um episódio pedir a liberação de 700 quilos de mortadela considerada inadequada para o consumo e, em outro, ter operado para aumentar a capacidade de abate de uma fábrica.
Agora, 11 pessoas estão com ordem de prisão temporária, incluindo Pedro Faria, e 27 de condução coercitiva. Os policiais cumprem ainda 53 mandados de busca e apreensão em unidades da BRF.
Ainda não se sabe como a operação vai influenciar a Assembleia de acionistas da companhia agendada para hoje. Até ontem, Diniz tinha como plano defender que a mudança na gestão seja cautelosa — e que a atual equipe executiva permaneça. Os fundos Petros e Previ propuseram uma nova composição do conselho, com dez nomes que agradaram analistas.
Um problema para a companhia, na atual situação, é virar alvo de uma oferta hostil vinda do mercado por conta de seu baixo valor de mercado e sua estrutura de capital pulverizada. “A empresa se tornou a bola da vez no setor”, diz Malvessi.
Até as 12h30 desta segunda-feira, com as ações em queda de 13,9%, a reunião que pode definir o novo conselho de administração da companhia estava mantida.