Negócios

A reveladora guerra dos bombons entre Buffett e Musk

O mais incensado investidor do planeta gosta de negócios com barreiras naturais. Um dos mais agressivos empresários diz que barreiras já eram

EVENTO ANUAL DA BERKSHIRE HATHAWAY: para Musk, Buffett simplesmente defende os oligopólios (Walker Pickering/The New York Times)

EVENTO ANUAL DA BERKSHIRE HATHAWAY: para Musk, Buffett simplesmente defende os oligopólios (Walker Pickering/The New York Times)

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Da Redação

Publicado em 19 de maio de 2018 às 09h46.

Última atualização em 19 de maio de 2018 às 11h01.

Omaha, Nebraska – Elon Musk está enfrentando Warren Buffett, e suas diferenças são maiores que as piadas sobre bombons e fortificações medievais.

Recentemente, na reunião anual da Berkshire Hathaway, eu transmiti a pergunta de um acionista a Buffett sobre um comentário que Musk havia feito uns dias antes.

“Acho que ‘fosso’ já era”, disse Musk durante o relatório de resultados da Tesla. Era uma crítica a um princípio econômico desenvolvido por Buffett em 1999 e que se tornou uma espécie de mantra para seus seguidores: investir em negócios “que tenham fossos largos e sustentáveis a seu redor”.

Segundo ele, esses fossos são compostos das vantagens competitivas que beneficiam as grandes empresas, como redes de distribuição, poder de precificação e reputação da marca.

Mas, para Musk, eles são uma metáfora para o aprisionamento no passado. “Se sua única defesa contra os exércitos invasores é um fosso, você não vai durar muito. O que importa é o ritmo da inovação; esse é o determinante fundamental da competitividade.”

Em um momento em que a tecnologia está mudando completamente até mesmo as indústrias mais tradicionais, que pareciam impenetráveis à concorrência, será que Musk pode estar certo?

“Elon pode virar as coisas de cabeça para baixo em algumas áreas. Não acho que ele queira nos enfrentar no quesito bombons”, disse Buffett, referindo-se à divisão See’s Candies da Berkshire, que conta com um fosso indiscutivelmente largo. O gracejo suscitou risos dos 20 mil acionistas que lotavam o CenturyLink Center.

Musk revidou com rapidez, dizendo que ia inaugurar uma empresa de doces. “E ela vai ser incrível”, escreveu ele no Twitter.

E acrescentou que não seria só isso, mas que planejava “construir um fosso e enchê-lo de bombons”, para Buffett não resistir a investir seu dinheiro no empreendimento.

O revide foi bom para atrair risinhos e manchetes, mas ele mascara um debate mais sério e significativo que ocorre no mundo corporativo americano: os fossos tradicionais encolheram?

Quando marcas que vão direto ao consumidor, como o Dollar Shave Club, conseguem enfrentar gigantes como a Procter & Gamble Gillette – tanto que a Unilever comprou o Dollar Shave Club por US$1 bilhão –, será todos os negócios ainda são seguros? Buffett é proprietário da Kraft Heinz, por exemplo, mas será que as novas empresas alimentícias conseguiriam um dia ultrapassá-la, passando por cima da poderosa rede de distribuição, do marketing e da lealdade à marca que a Kraft Heinz conquistou ao longo de décadas?

Buffett reconheceu que as coisas mudaram. “Há muitos fossos que acabaram se tornando suscetíveis à invasão, mais do que parecia ser o caso antes”, disse ele.

Basicamente, Musk é a personificação de um invasor vibrante. Com a Tesla, ele tenta provar que o que há tempos todos viam como um fosso intransponível em torno da indústria automobilística pode ser superado. Foi direto ao consumidor com os veículos da Tesla, ignorando as tradicionais concessionárias, consideradas uma barreira para entrar no negócio automotivo. Ele até tinha o que parecia ser seu próprio fosso: uma rede de estações de carregamento de bateria por todo o país, e que recentemente abriu para os concorrentes. (Seu comentário sobre a ideia de “fosso” veio como resposta a uma pergunta sobre seus motivos para ceder a vantagem que a rede fechada de carregamento lhe fornecia).

Mas, na verdade, a experiência de Musk na Tesla – e os desafios – pode demonstrar que o fosso continua sendo uma poderosa barreira para os concorrentes.

No caso da indústria automobilística, talvez a maior barreira fosse a quantidade enorme de capital necessária; a Tesla já levantou mais de US$12 bilhões. Mas, mesmo com enormes volumes de dinheiro, os recentes contratempos enfrentados pela empresa – que várias vezes deixou de atingir metas na produção do veículo popular Model 3 – mostram o imenso valor da experiência de fabricação.

A disposição de Musk para desafiar as convenções foi um impulso para a indústria automobilística, mas ultimamente seu progresso é mais instável do que o inicialmente esperado. Isso não quer dizer que não vai conseguir, mas, se for assim, ele pode ser a exceção, não a regra.

Ainda há grandes áreas de nossa economia que têm fossos desanimadoramente amplos, muitos deles protegidos por paredes. Os bancos que, especula-se, podem ser abalados por empresas de tecnologia financeira, parecem mais propensos a comprar startups do que a competir com elas. As companhias aéreas – que Buffett uma vez chamou de “armadilha mortal para os investidores” – se consolidaram, e corporações enormes controlam praticamente todos os slots de aterrissagem nos aeroportos de todo o mundo. Antes que pudesse decolar, qualquer insurgente que resolva desafiá-las teria que encontrar um lugar para pousar.

Até mesmo as empresas digitais têm um fosso: o Google e o Facebook controlam uma fatia tão grande do mercado de publicidade que é difícil ver como um garoto em uma garagem com uma ideia poderia vencê-los. A Amazon se tornou tão poderosa que praticamente todo vendedor sente que é preciso utilizá-la. E Buffett se convenceu de que a relação profunda da Apple com seus clientes através de seu ecossistema de produtos e do iCloud significa que o negócio tem um fosso bem defensável.

“Há alguns bons fossos por aí. A produção de baixo custo, por exemplo, é um muito importante”, disse Buffett, citando a Geico, companhia de seguros de propriedade da Berkshire.

No sábado à noite, após a reunião da Berkshire, Musk ainda tuitava: “Alguém dizer que gosta de ‘fossos’ é apenas uma forma simpática de dizer que gosta de oligopólios”.

Para o bem ou para o mal, a concorrência limitada dos oligopólios geralmente é boa para os investidores, mesmo que os consumidores discordem.

Mas, quer tenham sido cavados pela experiência da empresa, pela boa vontade de seus clientes ou pelo maquinário pesado da regulamentação governamental, os fossos continuam sendo uma formidável forma de proteção, mesmo para o invasor mais determinado.

Talvez Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire, tenha dito de forma melhor: “Elon diz que o fosso convencional é coisa fora de moda, mas isso também vale para a poça de água”.

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