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A pandemia fez o e-commerce decolar. Ainda há fôlego para mais?

A necessidade, combinada com a intensificação da vida doméstica, fizeram com que mais de 7 milhões de brasileiros comprassem online pela primeira vez no 1º semestre de 2020

 (Bloomberg/Getty Images)

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Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 22 de janeiro de 2021 às 08h00.

Última atualização em 26 de janeiro de 2021 às 06h18.

A pandemia mudou rapidamente nosso comportamento em relação ao universo online, e algumas mudanças provavelmente vieram para ficar. Tendências relacionadas a como trabalhamos, aprendemos e usamos a tecnologia estão mudando cada vez mais rápido. Enquanto algumas já estavam crescendo antes mesmo deste cenário, vemos uma aceleração que levará a um possível "novo normal" mesmo após a crise.

Ainda que uma reação a curto prazo seja necessária para sobreviver, uma visão a longo prazo vai destacar quem serão os grandes líderes do mercado. O padrão — quase que necessário — aponta para empresas ousadas que investem de forma ambiciosa e oportuna em suas plataformas de venda online.

    Os esforços mundiais para conter o surto do novo coronavírus mudou os hábitos diários dos consumidores, padrões de consumo, e formas de pensar, resultando em um impulso para a "economia doméstica" e uma nova melhoria nos serviços online que já vinham crescendo. Nos Estados Unidos, o crescimento do comércio eletrônico em 2020 foi de 32,4%, passando para 794,5 bilhões de dólares. E no Brasil não foi diferente. Com um salto de quase 50% no faturamento, o comércio eletrônico fez com que as empresas, tanto no âmbito nacional quanto local, se reinventassem para manter o ritmo de vendas mesmo com a pandemia. 

    A necessidade e o aumento na confiança sobre os pagamentos online levaram 7,3 milhões de brasileiros a comprar online pela primeira vez no primeiro semestre de 2020. Segundo um levantamento Ebit/Nielsen, o pico de compras online aconteceu entre os dias 5 de abril e 28 de junho, o que representa uma relação direta com o auge do isolamento social na maioria das cidade brasileiras. 

    "Nós vimos milhões de pessoas se trancando em casa e este foi o momento perfeito para experimentar o mundo online", afirma Matteo Ceurvels, diretor de pesquisa da América Latina e Espanha do eMarketer. "Depois que o medo inicial foi superado e nosso cartão não foi clonado, as pessoas que não podiam sair de casa entenderam que comprar em aplicativos e sites era confiável e seguro". 

    O momento não vem sem desafios. O atendimento ao cliente, o frete reverso e fraudes são as principais preocupações das companhias. E, depois da pandemia, tudo terá que funcionar em conjunto com as lojas físicas — que ainda permanecerem abertas. O Magazine Luiza, que investiu em uma série de startups durante a pandemia, adaptou a função de suas lojas físicas e registrou um um salto de 148% nas vendas digitais no terceiro trimestre de 2020, ante o mesmo período no ano passado. O canal digital representou dois terços das vendas da empresa entre julho e setembro deste ano. Para isso, a companhia treinou e criou perfis nas redes sociais e no WhatsApp para 14 mil de seus vendedores. Além dos resultados generosos, as ações da companhia tiveram alta de 104% ao longo de 2020.

    Já a B2W, que funciona como "hospedeira" para grandes lojas digitais como Americanas, Submarino e Shoptime, conseguiu identificar oportunidades e otimizar seu sistema multicanal, fazendo com que a companhia encerrasse 2020 com ganhos de 21% na Bolsa. A Via Varejo, dona do Ponto Frio e Casas Bahia, conseguiu reverter os prejuízos de 2019, registrando lucro de R$ 590 milhões no terceiro trimestre de 2020 — com o e-commerce correspondendo à 41% do total das vendas — e alta de 40% em suas ações em 2020. Além das gigantes, a Via Varejo também aposta aposta na conta digital banQi e no hub de inovação Distrito, que comprou para entrar no universo das startups.

    "Nós vimos milhões de pessoas se trancando em casa e este foi o momento perfeito para experimentar o mundo online"

     

    A tendência tem prazo de validade?

    Segundo dados da empresa de serviços financeiros UBS, ainda há muito espaço para o setor crescer. A companhia estima que o faturamento global do comércio eletrônico em 2020 seja de 4,1 trilhões de dólares, o que representaria apenas 16% do número total de vendas. Mesmo com espaço "livre", o crescimento turbinado pode não ser para sempre. O levantamento Ebit/Nielsen mostrou que as vendas on-line no Brasil devem crescer a um ritmo menor neste ano, com uma projeção de alta de 26%, muito inferior aos 49% registrados em 2020. Para Matteo, o câmbio pode se tornar um problema. "Porém, exemplos como a Argentina, em que a moeda está extremamente desvalorizada, vemos um crescimento forte — o maior do mundo — no e-commerce". E não é à toa. 

    A Argentina é a casa da empresa mais valiosa da América Latina, que ultrapassou gigantes como Vale, Petrobras e Itaú Unibanco. O 4º site mais acessado do Brasil, também conhecido como Mercado Livre, passou a valer mais de 60 bilhões de dólares em 2020. Mas seu crescimento vai muito além do território argentino. Durante a pandemia, o Mercado Livre lançou cinco novos centros logísticos no Brasil, e contratou uma frota com quatro aviões para diminuir, cada vez mais, seu prazo de entrega.

    A Amazon, empresa mais valiosa do mundo, concentra 39% das vendas online nos EUA. Aqui no Brasil, ela ainda não conquistou totalmente os brasileiros — não no patamar que o Mercado Livre conseguiu. Pensando nisso, a companhia trouxe o programa de logística FBA (Fulfilment By Amazon) ao Brasil, para competir com outros marketplaces e principalmente o sistema Mercado Envios Full, que existe desde 2017. Após o anúncio, as ações de e-commerce da B3 caíram até 4% com o “efeito Amazon”. 

    Com o novo serviço, a Amazon pretende centralizar nos próprios centros de distribuição da companhia o armazenamento, empacotamento e envio ao consumidor final dos produtos dos vendedores do seu marketplace. E a pandemia fez com que essas grandes companhias entendessem que o Brasil não é apenas São Paulo ou Rio de Janeiro, apontando para necessidades como novos centros de distribuição. Além do Mercado Livre, a Amazon lançou seu primeiro grande centro de distribuição no Brasil no ano passado, em Cajamar (SP), e tem hoje oito armazéns em cinco estados, quatro inaugurados na pandemia. Investimentos como estes procuram agilizar as entregas e desafiar varejistas locais como Magazine Luiza, B2W e Via Varejo.

    Mesmo com os varejistas de marketplaces representando 78% das vendas totais do e-commerce no Brasil, Matteo ressalta que o Brasil tem o terceiro maior comércio em redes sociais do mundo. No ano 2000, a internet na América Latina estava na casa de um dígito de toda a população, alcançando menos de 3% da população. Em menos de duas décadas, o número saltou para quase 60% de pessoas com acesso à rede mundial de computadores. O Brasil é o país que mais está conectado nas redes sociais em toda a América Latina, com mais de 88% da população usando plataformas como Instagram, YouTube, Facebook, Twitter, Snapchat, e Linkedin. O caso de maior sucesso é o WhatsApp, que alcança 85% entre os usuários de aplicativos de mensagens, segundo dados da Comscore. 

    "Durante a pandemia, muitas pessoas recorreram às redes sociais para vender coisas (novas e usadas) e para comprar também. É um ecossistema", afirma. "Não precisamos esperar que grandes empresas como Magalu e Amazon tirem vantagem com essas plataformas, já que são relativamente democráticas. As pessoas começaram a entender que você não precisa ter uma companhia multimilionária para vender online, basta fazer as plataformas conversarem — e isso é a democratização do ecommerce".

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