Negócios

Mundo financeiro vive a onda das casas de análise de mercado

A ideia por trás delas é uma só: entregar mastigado para investidores, principalmente pessoas físicas, o que fazer com seu patrimônio

B3: volta de investidores individuais à bolsa anima mercado de casas independentes de análise (Germano Lüders/Site Exame)

B3: volta de investidores individuais à bolsa anima mercado de casas independentes de análise (Germano Lüders/Site Exame)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 29 de junho de 2017 às 18h11.

Última atualização em 29 de junho de 2017 às 20h40.

O mundo financeiro começa a viver uma nova onda: a de casas independentes de análise econômica, que focam se trabalho principalmente em pessoas físicas que atuam como pequenas e médias investidoras e precisam de informação para balizar seus suas decisões.

O surgimento dessas consultorias vem na esteira do crescimento do número de pessoas físicas tirando seu dinheiro do domínio dos bancos e assumindo os próprios investimentos.

Esse também foi o fenômeno responsável pelo boom de corretoras independentes como a XP Investimentos, a Easynvest, a Rico (adquirida pela XP) e tantas outras ao longo dos últimos anos. O auge deu-se com a compra de 49,9% da XP pelo banco Itaú por 6,3 bilhões de reais em maio.

Embora existam iniciativas pelo menos desde a década de 1970, o mercado mudou e o modelo atual de casas de análise foi popularizado no Brasil com o sucesso da Empiricus, criada em 2009. Desde então, diversas outras empresas têm tentado colocar o pé no atraente nicho de mercado.

A ideia por trás delas é uma só: entregar mastigado para investidores, principalmente pessoas físicas, o que fazer com seu patrimônio. É o caso da Suno, que começou a operar no início deste ano, da Eleven e da Whatscall, alguns meses mais velhas.

A estratégia de vender relatórios de informações para investidores é parecida com o que faz a Empiricus, maior e mais famosa que as novatas.

A Suno foca somente em pessoas físicas e vende, por uma assinatura mensal de 49,90 reais, o acesso a cinco relatórios com periodicidades diferentes que tratam, por exemplo, de fundos imobiliários, lucros com dividendos ou informam o investidor das movimentações financeiras dos controladores de empresas listadas. A intenção é agregar novas áreas de análise com o tempo.

Mas os modelos de negócio não são idênticos. Em geral, nas outras casas, os clientes assinam um relatório em específico e não o portfólio todo da empresa. Esse é o modelo de negócios da Empiricus, que tem uma gama bem maior do que a dos concorrentes e vende a assinatura anual de seus relatórios por preços variados, como o de fundos de investimento, por 16 reais por mês, o de renda fixa, por 126 reais por mês, ou um combo de vários deles por 1058 ao mês.

As outras três consultadas por EXAME Hoje mostram um crescimento acelerado. A Suno vem dobrando mês a mês, por enquanto.

A Eleven pretende crescer mais de 100% ao ano nos próximos três anos, enquanto a Whatscall cresceu mais de 20% em maio em relação ao mês de abril. Claro, isso é potencializado porque o tamanho das três ainda é reduzido, mas o resultado mostra que existe potencial no mercado.

Esse crescimento está ancorado em números de outros países. O Brasil é, historicamente, um país onde as pessoas físicas preferem fazer seus investimentos em bancos, orientadas por seus gerentes. Essa história já é conhecida e foi o mote da XP, que cresceu explorando o conceito de desbancarização.

Por aqui, mais de 50% dos investimentos estão parados na poupança, longe das corretoras. Já nos Estados Unidos, cerca de 80% do patrimônio financeiro fica fora dos bancos. Também por isso, lá surgiram as maiores empresas de análise independente do mundo, já que os investidores precisam de mais informação para suas escolhas.

Outro dado também muito interessante para os empreendedores que iniciam casas de análise focadas em pessoa física é que, em mercados mais desenvolvidos, o número de famílias que tem um consultor financeiro independente também é muito maior do que no Brasil. Para completar, o volume de pessoas físicas investindo na bolsa de valores está crescendo nos últimos anos.

No auge, em 2010, eram 610.000 investidores individuais, reduzidos a pouco mais de 560.000 em 2014 por conta da crise. Em maio deste ano, porém, quase 590.000 CPFs estavam cadastrados como investidores na B3, mostrando uma retomada mesmo antes da economia se recuperar.

“Esse é um mercado que existe há muito tempo no mundo inteiro e aqui ele ainda não existe. O que nós e alguns concorrentes vimos foi a oportunidade do momento”, diz Catarina Pedrosa, da Whatscall.

A crise virou oportunidade

Quando a bolsa estava em seus bons dias, era comum que as corretoras de valores fornecessem, de forma gratuita, a análises para seus clientes. A crise, a mesma que reduziu o número de investidores na B3, fez com que ela retirasse essa área de seu guarda-chuva. Isso colocou profissionais qualificados no mercado.

A tendência atual de crescimento no número de investidores individuais e da busca por esse tipo de informação – que resultaram no sucesso da Empiricus, que saiu de um faturamento de 12 milhões em 2014 para 200 milhões em 2016 – atraiu mais gente para o mercado.

“O crescimento das casas independentes de análise é nitidamente associado à redução do serviço oferecido pelas corretoras e, nos próximos anos, o mercado de análise paga vai ocupar um espaço muito maior do que ocupou na década passada”, diz Eduardo Werneck, vice-presidente nacional da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec). “E isso é bom para o mercado, porque a grande maioria das casas é responsável e tem feito um bom trabalho””, diz.

Agora, algumas casas usam contra as corretoras o mesmo discurso que estas usavam contra os bancos: dizem que existe conflito de interesses quando o agente que faz a corretagem é o mesmo que fornece a análise.

As próprias corretoras, no entanto, por terem eliminado a área interna de análise, acabam se tornando clientes. Além delas, outros possíveis clientes institucionais são escritórios de administração de fortunas, agentes autônomos, fundos e pequenos gestores.

“A melhor parte é que o nosso mercado de casas de análise está engatinhando e o mercado financeiro está mostrando recuperação, então a perspectiva é extremamente positiva. Temos uma base de investidores cada vez mais capacitada no país procurando informação de qualidade”, diz Adeodato Netto, estrategista-chefe e sócio da Eleven.

Todos contra a Empiricus

A Empiricus foi a primeira a surgir, em 2009, e atingiu sucesso a partir de 2012. Tornou-se a maior do setor e, com isso, passou a atrair as atenções e ser mirada pelas menores. Em nenhum país do mundo a maior a empresa tem 90% do mercado. O setor sempre é mais dividido e isso é o que deve acontecer por aqui”, diz Tiago Reis, da Suno.

Além de tudo, a estratégia de marketing que levou a Empiricus a tornar-se a maior casa de análise independente é polêmica. São comuns, nos e-mails marketing da empresa ou na publicidade online, promessas de ganhos como “Transforme R$ 1,5 Mil em R$ 227 Mil em Apenas um Mês”, a promessa de que a bolsa atingiria 100.000 pontos até o final de 2016 ou “COMO TRANSFORMAR R$ 1.000 EM MAIS DE R$ 150.000 EM 32 DIAS”, assim, em letra maiúscula. Por causa disso, a empresa já foi investigada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com quem assinou um Termo de Ajuste de Conduta em 2015, pela Apimec e pelo Ministério Público Federal de São Paulo.

Para tentar regular o mercado, a Comissão de Valores Mobiliários tenta mudar a sua Instrução 483, que dispõem sobre a atividade de analista de valores mobiliários. Hoje, apenas os analistas podem ser punidos em casos como publicidade enganosa, por exemplo, e não as casas. A ideia é que a Instrução seja modificada até o final do ano e que, a partir de então, as casas também tenham de ser certificadas pela entidade, o que possibilitaria que elas fossem atingidas por punições e multas aplicadas pela CVM.

Além do cadastro das casas, a CVM pretende aumentar a fiscalização sobre o marketing feito por elas. “Hoje, investidores recebem e-mail de marketing dizendo ser possível investir 100 reais e ficar milionário. Isso é perigoso e não existe no mundo real. O que queremos é que seja utilizada uma linguagem moderada, realista”, diz Vera Simões, gerente de registros e autorizações da autarquia.

“Um registro da casa, com o nome do analista responsável e a obrigatoriedade de que elas tenham uma estrutura mínima deve ajudar no controle”, completa.

A CVM também está de olho em conflitos de interesse. Pretende vetar, por exemplo, que o mesmo grupo de analistas dentro de uma casa forneça a análise para o público geral e para clientes institucionais porque, eventualmente, poderia escolher privilegiar um dos lados.

Justamente por ter crescido de maneira tão polêmica e por ser dona do maior mercado hoje, a Empiricus é o alvo predileto das competidoras.

“Eles são uma empresa de marketing, não de análise. Vendem bem, mas os clientes não estão satisfeitos”, diz um concorrente, lembrando que chovem reclamações contra os serviços da empresa no site de reclamações Reclame Aqui. No últimos 12 meses, foram 865 reclamações. Procurada, a Empiricus não quis falar com a reportagem.

Também circulam no mercado alguns dossiês produzidos pelo concorrentes que apontam os erros de analistas da casa. Um deles mostra que a Empiricus mudou seguidamente para baixo sua avaliação do fundo imobiliário FEXC11 conforme ele caia sem avisar os clientes, assim, para os  clientes menos avisados, ficou parecendo que a avaliação foi sempre aquela.

“Resumindo: em 2016 a orientação de compra era de até R$ 135,00. Logo depois reduziram para R$ 115,00. Depois reduziram para R$ 100,00 e por fim recomendaram a venda aos R$ 90,00. É estarrecedor ver a forma imprudente com que tratam seus clientes e suas recomendações, sem o menor compromisso com a verdade e transparência”, diz o dossiê.

“O grande ativo de uma casa de análise que vai aconselhar os investimentos dos concorrentes é acertar o que faz, afinal é paga para cuidar do dinheiro de outros”, diz outro concorrente.

Os competidores pretendem se aproveitar disso para fazer um bom trabalho de retenção. Eles alegam ter um índice de satisfação do cliente (NPS) acima de 90% com base em pesquisas qualitativas internas.

A rivalidade entre empresas do setor chegou às vias de fato recentemente em um evento que repercutiu nas manchetes de veículos de imprensa especializados.

Durante o Latin America Investment Conference, promovido pelo banco de investimentos Credit Suisse e que contava inclusive com a presença do presidente Michel Temer, o sócio da Empiricus, Felipe Miranda, deu uma cabeçada em Tiago Reis, da Suno. Ambos haviam iniciado a discussão algum tempo antes por meio do Twitter.

Claro que a estratégia das concorrentes, ao escolher fazer barulho em torno da maior empresa do setor, que tem receita de 200 milhões de reais ao ano, é tentar tornarem-se tão conhecidas – e faturar tanto – quanto ela. Se isso vai acontecer, só tempo vai dizer. Fato é que existe um grande mercado para ser disputado por elas.

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