O prestígio ostentado pelo grupo se perdeu, os contratos minguaram e a dívida ficou grande demais. (Mario Tama/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 17 de dezembro de 2017 às 10h42.
São Paulo - Quando a Polícia Federal prendeu Marcelo Odebrecht em 19 de junho de 2015, o império da família baiana prosperava.
Sob o comando do empresário, o grupo ultrapassara R$ 100 bilhões de faturamento pela primeira vez. As receitas seguiam em alta apesar do avanço da Lava Jato. Eram 170 mil funcionários espalhados por quase 30 países.
Na terça-feira, o herdeiro do grupo deixará o cárcere em Curitiba rumo à sua casa em São Paulo. A alguns quilômetros da residência, a realidade é outra na sede da Odebrecht.
Forçada pelas investigações a confessar um dos maiores esquemas de corrupção já vistos, o prestígio ostentado pelo grupo se perdeu, os contratos minguaram e a dívida ficou grande demais.
Para honrar compromissos e não quebrar, a Odebrecht foi obrigada a vender tudo que podia. Até agora já conseguiu embolsar R$ 7,4 bilhões. Quer achar comprador ainda para outros R$ 4,5 bilhões em ativos.
Parte mais visível da crise, a construtora, origem do conglomerado, é uma fração do que já foi e tem futuro incerto. A carteira de projetos recuou para menos da metade.
A empreiteira entrou 2015 com um estoque de trabalhos que somava US$ 33,8 bilhões. Agora, é de pouco mais de US$ 14 bilhões.
Com empresas vendidas e menos obras para tocar, a Odebrecht demitiu aos montes. Hoje são 100 mil funcionários a menos do que em meados de 2015.
O comando do grupo tem se desdobrado para convencer o mercado de que sua postura mudou. Gastou milhões de reais para implementar um programa de conduta e ética, colocou profissionais do mercado no Conselho de Administração e abriu as portas para monitores externos.
Mas a saída de Marcelo da prisão tem gerado ruídos na família e na empresa. Ele está proibido de ocupar cargos na companhia até 2025, quando terminará sua pena.
Por ter cometido crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, ele foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão, mas seu acordo de delação reduziu a pena para dez anos, sendo dois anos e meio em regime fechado.
Apesar da restrição, quem conhece o executivo classifica seu comportamento como imprevisível. Há temor de que ele constranja antigos aliados a informá-lo sobre o dia a dia do grupo.
Não à toa, Emílio Odebrecht tomou medidas públicas às vésperas da saída do filho da prisão: anunciou sua saída antecipada do comando do conselho de administração e a decisão de que os Odebrecht não mais ocuparão a presidência do grupo.
As medidas reforçam a tentativa de acelerar o soerguimento do grupo e sinalizam um esforço para blindar os negócios da influência do filho.
Articulação
O Estado apurou que, mesmo dentro da prisão, Marcelo articulou para conseguir apoio para derrubar o pai da presidência da Kieppe, empresa da família Odebrecht que controla a Odebrecht S.A., e indicar alguém de confiança.
Segundo fontes, tentou convencer tios e primos a ficar do seu lado. Marcelo, bem como o pai, é minoritário na Kieppe. A tentativa de articulação, porém, não deu certo. Desde que foi preso, o empreiteiro se indispôs com a família. Teve atrito com o pai, a irmã e o cunhado.
A preocupação de Emílio e da cúpula da Odebrecht é de ordem prática. A avaliação é que a Odebrecht deu passos importantes em sua tentativa de reestruturação, ao rolar dívidas e vender ativos. Mas a situação é delicada e qualquer fato que mine ainda mais sua reputação pode atrapalhar negociações.
O grupo esperava, por exemplo, encerrar as atividades da OTP, de concessões, até o fim do ano. O atraso na venda das concessões impossibilitou o plano.
As conversas com a Brookfield, que tem interesse em levar rodovias, estão demorando mais que o esperado. Vendas de outros ativos como as hidrelétricas Chaglla, no Peru, e Santo Antônio, no Brasil, também emperraram.
Na construtora, foi traçado um plano agressivo para disputar contratos. O sucesso da empreitada é decisivo para que ela afaste o risco de ter de renegociar com credores internacionais parte de sua dívida.
Mas, para que tenha chance de voltar a rechear sua carteira de obras, a Odebrecht não pode sofrer novos abalos na imagem. Mesmo clientes privados receiam esse tipo de exposição. E notícias de que Marcelo voltou a ter voz e ouvidos na empresa atrapalhariam a tentativa de manter os negócios de pé.
Bancos nacionais já avisaram que, caso percebam movimentações do ex-presidente em direção à companhia, vão endurecer nas negociações e cortar de vez o crédito.
Um dos principais credores da empresa, um banco nacional diz que acompanha de perto a governança da Odebrecht e há apreensão sobre quem comandará o grupo com a saída de Emílio Odebrecht. O "vácuo no poder" já deixa banqueiros preocupados.
Procurada, a Odebrecht não se manifestou. O advogado de Marcelo, Nabor Bulhões, que o defende nas ações penais, classificou as informações sobre interferência de seu cliente na empresa como especulações desvairadas.
No tempo em que ficou preso, disse Bulhões, Marcelo teve uma conduta exemplar. "Ao sair, ele vai focar na sua família. Não há nenhum objetivo de constranger ninguém na empresa."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.