Grupo Pão de Açúcar (Germano Luders/Exame Hoje)
Letícia Toledo
Publicado em 20 de fevereiro de 2018 às 17h33.
Última atualização em 20 de fevereiro de 2018 às 18h25.
Pergunte a executivos dos mais diversos setores qual é o principal objetivo para suas empresas nos próximos anos e a maioria responderá, sem pestanejar, algo como “promover uma transformação digital”. O mais novo presidente do Grupo Pão de Açúcar (GPA) se juntou ao coro nesta terça-feira. Peter Paul Estermann, que teve seu nome anunciado na noite de segunda-feira, e participou hoje de uma teleconferência, utilizou as palavras “melhorar rentabilidade” e “transformação digital” mais de uma vez quando questionado sobre sua missão à frente do GPA, dono das marcas Pão de Açúcar, Extra, Assaí, Ponto Frio e Casas Bahia. Ele assume oficialmente no dia 27 de abril.
A diferença entre Estermann e tantos outros executivos que falam em “transformação digital”, no entanto, está no currículo. Ex-diretor de operações do GPA, ele é o atual presidente da Via Varejo, rede de móveis e eletrodomésticos do grupo. Em pouco mais de dois anos, ele promoveu uma revolução que fez as ações da companhia valorizarem mais de 300%. Unindo as operações online e offline e promovendo a famosa “transformação digital” das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, o executivo fez o valor de mercado do grupo passar de míseros 2,58 bilhões de reais para 11 bilhões de reais, segundo dados da consultoria Economática.
O GPA, por sua vez, segue com pouco mais de metade do valor de mercado que tinha quando o ex-controlador Abilio Diniz anunciou sua saída definitiva, em 2013. Neste período, a empresa foi pressionada pela crise e pelo vigoroso crescimento do francês Carrefour em nichos de mercado importantes como atacarejo e lojas de vizinhança.
A missão de Estermann de colocar o GPA em um novo patamar digital vem em um momento em que as maiores varejistas do mundo avançam na área. A gigante Amazon comprou no ano passado a rede de alimentos Whole Foods e iniciou nesta semana a entrega de produtos da rede para os clientes Amazon Prime em apenas uma hora. Em janeiro, a empresa também inaugurou seu primeiro supermercado sem caixas e filas. O Walmart adquiriu no ano passado a empresa de e-commerce Jet.com para aumentar sua presença no varejo online. Há também reportagens que afirmam que a empresa está em conversas para adquirir uma fatia na indiana de e-commerce Flipkart.
A corrida para dominar o delivery de produtos de supermercado pode envolver também uma série de soluções criativas, como o drive-thru (usado pelo Walmart nos Estados Unidos), um exército de compradores que escolhem a mão itens como frutas e verduras (usado por startups como a Rappi) e até a entrega dentro da casa do cliente, com organização de geladeira e tudo mais (testado como piloto por empresas como a Amazon). Tudo isso demanda uma integração de estoque, vendas e distribuição tão complexa que ninguém conseguiu fazer em larga escala. O GPA quer correr essa corrida.
“Estermann tem um sólido histórico na Via Varejo, onde ele conseguiu estabilizar as operações, realizou uma integração bem sucedida da parte online e offline, ajustou a base de custo e colocou a empresa de volta em uma trajetória de crescimento. A história do GPA tem algumas semelhanças”, afirmam analistas do banco UBS em relatório.
Na Via Varejo, Estermann fez a integração de centros de distribuição, estoques e preços dos produtos e os resultados apareceram rapidamente. Concluído no início de 2017, o processo gerou uma economia de 70 milhões de dólares (cerca de 227,5 milhões de reais) no ano passado. Em 2018, esse valor deve subir para 85 milhões de dólares (276,2 milhões de reais), segundo estimativas do GPA. Na última linha do balanço, o lucro da Via Varejo foi de 195 milhões de reais no ano passado, ante um prejuízo de 1 bilhão de reais no ano anterior. As vendas nas lojas físicas abertas há mais de 12 meses cresceram 11,6%, no online o crescimento foi de 11,4%.
Apesar do otimismo de analistas com a nova gestão, as ações do GPA caíam 3,6% na tarde desta terça-feira. A queda acontece também após a divulgação dos resultados do quarto trimestre, que foram fortemente pressionados pela deflação alimentar, eventos extraordinários (como o incêndio de um de seus centros de distribuição) e o investimento em novas lojas. “Todos os efeitos são de natureza temporária, mas pressionaram custos além de nossas expectativas”, afirmam analistas do UBS em relatório. Aqui entra o outro desafio do novo presidente: melhorar a rentabilidade para ficar menos exposto a imprevistos como esses.
Junto com Estermann, uma série de mudanças no alto escalão foi anunciada. Entre elas, uma que pegou o mercado de surpresa: a saída de Luis Moreno Sanchez, vice-presidente de Multivarejo no GPA. “Acreditamos que os investidores podem ver a saída do Sr. Moreno do GPA negativamente, devido ao seu papel-chave em pilotar iniciativas estratégicas, como a renovação de hipermercados e o programa de fidelidade”, dizem analistas do banco Goldman Sachs em relatório.
Para analistas do UBS, o fato de Sanchez continuar ligado à companhia como consultor, focado em projetos digitais, marcas próprias e programas de fidelidade, pode ser importante para a nova gestão. “Em nossa opinião, o GPA está à frente de seus concorrentes em sua estratégia de digitalização e marcas próprias e em seu novo papel, o Sr. Moreno poderia fornecer mais foco para avançar nessa agenda”, afirmam.
No comando da Via Varejo ficará Flávio Dias, executivo com extenso currículo na área digital e que sempre cuidou da parte online da empresa. Dias precisará manter o bom desempenho de uma empresa que, finalmente, entendeu que o varejo de móveis e eletrônicos só funciona se integrar o mundo físico e o digital. Questionados por um analista na teleconferência do GPA se a Via Varejo continua à venda, os controladores responderam que o “processo de venda da Via Varejo continua em andamento”. Após a passagem de Estermann, o preço aumentou um bocado. Agora, à frente do GPA, o executivo tem um desafio ainda maior pela frente.