SEDE DA COMPANHIA, NA DINAMARCA: a Lego enfrenta um problema mais complexo que os de outras empresas de consumo, pois para a companhia dinamarquesa os plásticos não são a embalagem; são o produto / Carsten Snejbjerg/ The New York Times
Da Redação
Publicado em 10 de setembro de 2018 às 09h53.
Última atualização em 10 de setembro de 2018 às 10h19.
Billund, Dinamarca – No coração desta cidade, encontra-se um edifício que é um verdadeiro templo à criação mais famosa da área: os blocos da Lego. Lá dentro, há criações complexas, como uma árvore de mais de quinze metros e uma coleção de dinossauros coloridos, tudo construído com um produto que pouco mudou em mais de 50 anos.
Porém, a uma curta distância a pé, em seu laboratório de pesquisa, a Lego está tentando reformar aquilo que a fez famosa: quer eliminar sua dependência de plásticos baseados no petróleo, e fabricar seus brinquedos com materiais originários de plantas ou recicláveis até 2030.
O desafio é projetar blocos que se unam e se separem facilmente, mantenham as cores brilhantes e sobrevivam aos rigores de uma máquina de lavar, ou o peso do pé de um pai. Essencialmente, a empresa quer mudar os ingredientes, mas manter o produto exatamente igual.
“Precisamos voltar à estaca zero”, disse Henrik Ostergaard Nielsen, supervisor de produção na fábrica da Lego aqui em Billund.
Consumidores em todo o mundo estão cada vez mais alarmados com o impacto dos resíduos plásticos no ambiente, e um número crescente de empresas está tentando usar materiais de embalagem que sejam recicláveis ou menos poluentes. A Coca-Cola, por exemplo, planeja coletar e reciclar o equivalente a todas as garrafas e latas que utiliza até 2030; a Unilever, a gigante de bens de consumo, diz que todas suas embalagens de plástico serão recicláveis ou compostáveis até 2025. Outras, como McDonald’s e Starbucks, estão parando de usar canudos de plástico.
“Com tantas grandes empresas mudando suas práticas, a reciclagem vai se tornar a norma”, disse David Blanchard, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Unilever.
Porém, a Lego enfrenta um problema mais complexo que os de outras empresas de consumo, pois para a companhia dinamarquesa os plásticos não são a embalagem; são o produto.
A imensa fábrica aqui em Billund é altamente automatizada, verdadeiro exemplo de linha de montagem: as máquinas dispostas em uma fila derretem o plástico em uma pasta que é então enviada para os moldes; alguns segundos mais tarde, um grupo de blocos coloridos surge e é depositado em carros automatizados, que seguem para o empacotamento e a expedição. A fábrica produz diariamente cerca de 100 milhões de “elementos”, o termo que a empresa usa para os blocos e as outras peças que vende.
A Lego – empresa cujo nome é uma contração das palavras dinamarquesas para “brincar bem” – começou a funcionar no início da década de 1930, quando um carpinteiro chamado Ole Kirk Kristiansen começou a fazer e vender belos carrinhos de bombeiros e outros brinquedos de madeira.
Na década de 1950, ele experimentou os blocos de plásticos. Seu filho Godtfred começou a comercializar as pequenas peças características não apenas como brinquedos, mas como um sistema de construção que poderia ser expandido e passado para gerações posteriores. Os blocos que datam de 1958 são compatíveis com os produtos atuais, de acordo com a Lego.
Hoje, a empresa vende seus produtos em todo o mundo e fez parcerias com franquias de filmes como “Batman” e “Star Wars” para comercializar não apenas conjuntos temáticos de peças, mas filmes e videogames. Lucrou 7,8 bilhões de coroas, ou cerca de US$ 1,2 bilhão no ano passado, tornando-se maior que seus rivais americanos Mattel e Hasbro. A família Kirk Kristiansen, que ainda controla a Lego, recebeu dividendos de US$ 1,1 bilhão.
No entanto, mais e mais crianças estão usando dispositivos móveis para o entretenimento, colocando a Lego não apenas contra outros fabricantes de brinquedos, mas contra a tecnologia e as empresas de jogos como a Activision Blizzard, a Microsoft e a Sony. Com esse tipo de pressão, a companhia anunciou, no ano passado, que cortaria 1.400 empregos depois que sua receita e seu lucro caíram pela primeira vez em uma década.
Entretanto, sua grandeza acarreta uma pegada de carbono substancial. A Lego emite cerca de um milhão de toneladas de dióxido de carbono anualmente, três quartos das quais são das matérias-primas que entram em suas fábricas, de acordo com Tim Brooks, vice-presidente de responsabilidade ambiental da empresa.
A Lego está adotando uma abordagem dupla para reduzir a quantidade de poluição que gera. De um lado, quer manter todas suas embalagens longe de aterros até 2025, eliminando coisas como sacos plásticos dentro da caixa.
Quer também que o plástico de seus brinquedos venha de fontes como fibras vegetais ou garrafas recicladas até 2030.
Só que o problema dessa meta é que virtualmente todo o plástico usado no mundo – incluindo o usado pela Lego em seus brinquedos – é derivado do petróleo.
Hoje, a empresa usa principalmente uma substância conhecida como ABS, abreviação de acrilonitrila butadieno estireno, um plástico comum também usado em teclados de computador e capas de celulares – resistente, mas ligeiramente flexível, tem uma superfície brilhante.
Para ir se livrando dos produtos como o ABS, a Lego iniciou uma busca exaustiva por novos materiais sustentáveis.
Está investindo aproximadamente um bilhão de coroas e empregando cerca de 100 pessoas para trabalhar nessas mudanças. Técnicos testam metodicamente materiais promissores para ver se resistem a uma pancada sem quebrar, ou se sobrevivem a um puxão mais violento. São testados para ver se aguentam o calor de um verão na Arábia Saudita, e se mantêm a paleta de cores brilhantes pelas quais os blocos são famosos. As peças da empresa podem parecer simples, mas são feitas com precisão incrível.
“Prestamos atenção à aparência e a sensação”, disse Nelleke van der Puil, vice-presidente de materiais da Lego.
“A busca por um substituto para o plástico à base de petróleo ainda pode levar anos de trabalho”, reconheceu Brooks. Assim, argumentam os executivos, para uma empresa que se vê como educadora, além de rentável, sua única opção é continuar tentando.
Brooks afirma que o importante é produzir um brinquedo que não comprometa o futuro das crianças.
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