Igor Morais, fundador da Kings Sneakers: “A concorrência tirou todo mundo da zona de conforto. E isso é bom. Faz o setor se mexer.” (Kings Sneakers/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 23 de julho de 2025 às 14h03.
Em 2006, com apenas 15 anos, Igor Morais pediu 300 reais emprestados a um amigo.
Prometeu devolver o dobro em um mês. Comprou CDs de black music no centro de São Paulo, levou para revender na Galeria do Rock e, no mesmo dia, transformou os R$ 300 em R$ 600. Decidiu que não pararia ali.
Era o início da Kings Sneakers — uma das maiores redes brasileiras de moda urbana, que hoje fatura 350 milhões de reais por ano e acaba de estrear sua operação internacional nos Estados Unidos.
A loja original ficava num porão de 12 metros quadrados, herdado do pai de Igor, um nordestino que veio do Maranhão e sustentava a família com bancas de jornal.
Quando o pai quebrou e ia entregar o ponto, na Galeria do Rock, Igor pediu para ficar com a loja. “Me dá essa chance. Eu vou tocar”, disse.
Sem funcionário, sem sócio e sem experiência, ele virou tudo: vendedor, caixa, estoquista e faxineiro.
Lia revistas importadas de hip hop, buscava tendências nas ruas e montava a vitrine com os poucos pares que encontrava em outlets. “Só tinha o pé esquerdo na vitrine, porque eu não tinha grade. Cada par era único.”
A loja virou ponto de encontro de MCs, DJs, grafiteiros e apaixonados por streetwear, criando não só um negócio, mas uma cultura em torno da marca. Os tênis começaram a ganhar mais espaço que os CDs, e o streetwear virou o coração da operação.
Nos anos seguintes, a expansão veio na marra.
Sem capital para abrir novas unidades, Igor criou um modelo de franquias desenvolvido dentro de casa, com apoio de quem já vivia a operação.
Hoje, a Kings tem mais de 170 lojas franqueadas em todo o Brasil — e apenas uma própria, mantida na Galeria do Rock em homenagem à origem.
Agora, o desafio é outro: conquistar o mercado americano, berço do hip hop, dos sneakers e da cultura que sempre inspirou a Kings.
Após dois anos de planejamento, a marca lançou um site em inglês e espanhol, com estoque local e foco inicial em três estados: Flórida, Califórnia e Nova York.
Diferente do Brasil, a operação nos EUA começa com um portfólio 100% autoral — nada de Nike, Adidas ou outras marcas.
“A gente quer mostrar primeiro quem somos. Vender nossa identidade. Depois a gente pensa em ser multimarca lá também”, diz Igor.
O investimento inicial foi de 500.000 dólares, com metas ousadas: faturar 100.000 dólares até o fim de 2025 e meio milhão de dólares até 2026. A ideia é abrir a primeira loja física americana nos próximos dois anos.
Mas logo após o lançamento do site, veio o revés: o ex-presidente Donald Trump, em plena campanha, anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, com vigência a partir de 1º de agosto. A medida pode afetar diretamente operações como a da Kings.
“Subimos o site, e no outro dia veio essa bomba. Mas agora não tem como dar ré. A máquina está ligada. Vamos pra cima”, afirma Igor. Se necessário, ele já cogita produzir localmente nos EUA. “Temos parceiros. Estamos preparados para tudo.”
No Brasil, os desafios também não são poucos.
A Kings compra com até um ano de antecedência, lidando com variações do dólar e apostas em tendências de consumo. “Já errei nessa conta. Se a gente errar no que vai vender, perde. O jogo é esse: comprar certo, vender muito. E repetir.”
Mesmo diante de marcas gigantes com lojas próprias, a Kings sobrevive — e cresce.
“Quando uma loja da Nike abre num shopping, nossa venda aumenta”, diz. “O nosso cliente entra na Nike, vê o tênis, mas vem pra Kings. Porque aqui ele encontra mais: camiseta, boné, cultura. É identidade.”
Além das multimarcas, 8% do faturamento hoje já vem da marca própria — uma linha que carrega a estética e o discurso da empresa. “Nosso cliente compra porque representa um estilo, não só pelo preço.”
E esse estilo também chegou à música. Em 2024, Igor criou o selo musical Sombras, ao lado do irmão, para lançar artistas conectados ao universo urbano. “Começamos vendendo CD. Agora vamos produzir conteúdo. Não é só moda. É cultura.”
Do porão da Galeria do Rock às prateleiras americanas, a Kings não é só uma loja. É uma ideia. E está só começando.