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A Itapemirim pode ir à falência?

Especialistas comentam futuro da empresa, que tem dívida bilionária, encerrou voos em dezembro e foi questionada pelo Ministério Público

Sidnei Piva, presidente do Grupo Itapemirim.  (Grupo Itapemirim/Divulgação)

Sidnei Piva, presidente do Grupo Itapemirim. (Grupo Itapemirim/Divulgação)

GA

Gabriel Aguiar

Publicado em 6 de janeiro de 2022 às 17h48.

Última atualização em 6 de janeiro de 2022 às 19h35.

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) solicitou a falência do Grupo Itapemirim e o afastamento de Sidnei Piva do controle da empresa — que está em recuperação judicial desde 2016. E o promotor Nilton Belli Filho também incluiu a companhia aérea ITA, que deixou de operar às vésperas do natal, no pedido que será analisado pela 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.

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De acordo com o promotor, os planos de recuperação judicial apresentado em 2019 não vêm sendo cumpridos pela empresa. Também há relatos de atrasos no pagamento dos salários e benefícios dos funcionários, o que já rendeu ações coletivas do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), além de paralisações de motoristas de ônibus da Viação Itapemirim no estado do Ceará nesta semana.

Também há citações ao atual gestor do grupo, já que a solicitação prevê apreensão dos bens de Sidnei Piva. No documento, o promotor aponta “empréstimos com aparência de fraude” para criação da ITA “que pode derivar para evasão de divisas e outras ilicitudes”. No relatório da administradora EXM Partners, constam as dívidas até setembro: R$ 253 milhões a credores e R$ 2,2 bilhões em tributos.

Aqui estão alguns dos principais pontos para entender a atual situação da empresa.

Por que o Grupo Itapemirim está em recuperação judicial?

Em 2016, a empresa tinha passivo de R$ 253 milhões, além de passivo tributário de R$ 2,2 bilhões. Como justificativa, o Grupo Itapemirim alegou dificuldades financeiras, principalmente por conta dos problemas enfrentados na divisão de transportes rodoviários — com redução de 8,21% da receita bruta e 7,35% no volume de vendas em 2014. E o plano foi aprovado em maio de 2019.

Fundada em 1953, na cidade de Cachoeiro de Itapemirim (ES) pelo empresário Camilo Cola, a Viação Itapemirim já sofria com crise financeira no início da última década. De acordo com executivos à frente da empresa na época, os problemas se deviam ao aumento de custos (como pneus, combustível e pedágio), além de políticas de gratuídade, enquanto o volume de passageiros teve constantes quedas.

“Assim como diversas empresas, o Grupo Itapemirim ingressou com pedido de recuperação judicial buscando a superação da crise econômico-financeira enfrentada. A ideia seria utilizar a ferramenta legal em conjunto com um plano de negócios para superar as dificuldades enfrentadas”, diz Marco Aurélio Veríssimo, coordenador na área de direito tributário do escritório Keppler Advogados.

No ano anterior ao pedido de recuperação judicial, a empresa vendeu cerca de 40% da frota de veículos e transferiu mais de metade das linhas em operação à conterrânea Viação Kaissara — que passou a operar 68 das 188 linhas que estavam sob controle do Grupo Itapemirim anteriormente. Com isso, a empresa se manteve com somente 43% de participação do mercado que possuia anteriormente.

É comum o Ministério Público solicitar a falência de empresas?

Para Renato Fermiano Tavares, sócio do escritório FTA Advogados, especialista em direito societário, contratual, recuperação judicial e reestruturação de dívidas, o pedido feito pelo Ministério Público é incomum. “Existe uma discussão sobre a legitimidade da atuação em recuperações judiciais, além de o pedido ser formulado por supostos problemas na companhia aérea que está fora do plano”.

“O argumento utilizado pelo Ministério Público decorre do fato que possível insucesso, aplicação de penalidades e outras consequências na operação da companhia aérea poderiam atingir as empresas em recuperação judicial e, por isso, a falência deve ser decretada. Mas o órgão confunde o conceito de consolidação substancial [agrupar os ativos e passivos como uma só empresa]”, diz Tavares.

De acordo com Marco Aurélio Veríssimo, o pedido do Ministério Público está amparado nos incisos IV e VI do artigo 73 da Lei nº 11.101/05, que prevê a falência das empresas em recuperação caso haja "descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação" e "quando identificado esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas".

“Embora, ao que parece, o Grupo Itapemirim esteja momentaneamente descumprindo o plano de aprovado, deve ser levado em consideração se houve adimplemento de aproximadamente 50% das obrigações sujeitas ao plano até o momento. Faria mais sentido, antes de qualquer coisa, avaliar a possibilidade de repactuação, por parte dos credores, a partir para algo tão drástico”, afirma.

Para o promotor Nilton Belli Filho, o pedido não foi baseado somente na companhia aérea, mas nas “várias incoerências praticadas na gestão do Grupo Itapemirim, em recuperação, descritas por vários credores e pelo próprio administrador judicial, que alega a costumaz inadimplência. Esse é o motivo para decretação da falência. E a ITA é apenas mais uma das incoerências verificadas, cujo reflexo na recuperação é induvidoso, pelos argumentos tecidos e pelo fato de que é a mesma gestão”.

“Acerca de o pedido ser incomum, existe na manifestação a expressão ‘sem embargo da oitiva do administrador judicial’. Ou seja, ainda que se questione a legitimidade do Ministério Publico para o pedido de falência, o juiz não precisa decretar de imediato, mas sim intimar o administrador judicial para sanar a questão. Mas a legitimidade é mais que patente, até porque, na qualidade de fiscal da ordem jurídica e da legalidade, cabe zelar pelas discrepâncias na gestão da sociedade”, diz.

Quanto tempo pode demorar a análise de um pedido de falência?

Não existe um prazo mínimo para a análise das manifestações e também é necessário considerar o volume de processos que se acumulou durante o recesso do judiciário. Além disso, a decisão estará sujeita a recurso nas demais instâncias, o que pode adiar a definição. Para Marco Aurélio Veríssimo, o desfecho de situações importantes – como essa – “pode se tornar um embate eternizado”.

“Após o pedido formulado pelo Ministério Público, o juízo da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo pode conceder prazo para que o Grupo Itapemirim se manifestar acerca do pedido. E ainda pode haver a submissão de alguma questão de interesse dos credores à assembleia-geral de credores”, diz Renan Melo, advogado especialista em aviação e transporte.

Como ficam os credores do Grupo Itapemirim caso seja decretada a falência?

Quando é decretada a falência de uma empresa, os ativos devem ser arrecadados e liquidados para repartir os valores entre os credores. Também é possível vender totalmente a empresa ou arrendar a terceiros. Enquanto o processo de recuperação judicial prevê pagamentos conforme o plano, em caso de falência, entram na conta todos os patrimônios, que incluem desde recebíveis a móveis.

“No entanto, existem algumas preferencias em relação ao pagamento dos credores concursais, tais como despesas de manutenção da Massa Falida e tributos retidos na fonte (INSS, empregados, IRRF etc.), que podem inviabilizar o pagamento da imensa maioria dos credores envolvidos. Ainda que o juiz flexibilize a interpretação, fato é que os credores provavelmente não terão desfecho melhor na falência do que com a manutenção da empresa e repactuação das obrigações”, diz Veríssimo.

Quais são os direitos dos passageiros do Grupo Itapemirim em caso de falência?

“Caso haja a decretação de falência das empresas do Grupo Itapemirim, os consumidores poderão indagar ao administrador judicial quanto ao cumprimento das obrigações de transporte assumidas. Caso não haja a possibilidade de cumprimento, devem requerer reembolso dos valores gastos, por meio da habilitação dos créditos no processo de falência”, afirma o advogado Renan Melo.

Para Marco Aurélio Veríssimo, isso não significa que os pagamentos serão realizados a curto prazo ou até mesmo que sejam realizados. “Em tese, por serem obrigações depois da recuperação judicial, devem ser consideradas despesas extraconcursais da massa e pagas com preferência em relação aos demais credores concursais, mas somente após outros credores tais como: empregados com salários com até três meses de decretação, credores fomentadores DIP Finance e restituições”, diz.

Quais serão os efeitos para a divisão rodoviária se for decretada a falência?

É provável que as operações do Grupo Itapemirim sejam interrompidas, inviabilizando novas ofertas de passagem pela massa falida até que haja arrecadação de bens ou arrendamento, dependendo do que for decidido pela justiça. Mas, neste momento, não há nada que impeça a empresa de continuar atuando — ainda que 16 rotas tenham sido suprimidas por livre vontade nas últimas semanas.

“De acordo com o artigo 59 da Resolução nº 4.770/2015 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), caso seja decretada a falência da transportadora, será retirada a autorização para o serviço de transporte rodoviário. Também será impedida a continuidade de prestação do serviço e sem direito a indenização”, diz Lorença Andrade, advogada especialista em aviação e transporte.

Como estão as finanças do Grupo Itapemirim atualmente?

“As finanças do Grupo Itapemirim estão em acompanhamento de acordo com plano de recuperação judicial ao qual foram submetidas. E, ao que parece, inclusive com base no parecer do Ministério Público no processo de recuperação, empresas do grupo apresentam ‘pendências de índole fiscal que suplantam os R$ 2 bilhões’. E o Ministério Público também aponta indícios de fraude do grupo, além de ressaltar que ‘não se constata capacidade em se reerguer e dar cabo à recuperação, pois as dívidas se avolumam e em patamares consideráveis’, afirma a advogada Lourença Andrade.

Procurado pela reportagem, o Grupo Itapemirim não respondeu até o momento da publicação.

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