Negócios

A gigante gamer que opera no interior de SP e vai faturar R$ 5 bilhões

Quatro anos após venda para Magalu, Kabum eliminou produtos "inflados", voltou a focar em sua raiz e aposta na maior Black Friday de sua história

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 24 de novembro de 2025 às 07h17.

Última atualização em 24 de novembro de 2025 às 07h44.

Julio Trajano, CEO da Kabum: “Com marca própria, entregamos produtos de qualidade por preços mais competitivos e melhoramos nossa margem" (Kabum/Divulgação)

É numa cidade de 300.000 habitantes, a mais de quatro horas da capital São Paulo, que funciona a operação do grupo Magazine Luiza que mais conversa com a geração Z.

Por ali, em Limeira, no interior paulista, está a sede da KaBuM!, o maior e-commerce de tecnologia e games da América Latina. A empresa, adquirida pela Magalu em 2021, deve fechar 2025 com cerca de 5 bilhões de reais em faturamento.

Desde a aquisição, a marca passou por uma reestruturação completa.

Saiu do portfólio inflado, com brinquedos e batedeiras, e voltou a se posicionar no nicho que a consagrou: hardware, games e acessórios de alta performance. A gestão ficou a cargo de Julio Trajano, executivo com 30 anos de varejo, que assumiu o comando em 2023 após a demissão dos fundadores, que travam uma disputa judicial para reverter a venda da empresa, alegando que foram prejudicados na venda do negocio. 

Sobrinho-neto da Dona Luiza, Julinho, como é chamado, conversou com a EXAME no período mais intenso do calendário do e-commerce: a Black Friday.

Mas, em vez de falar apenas das lives e cupons promocionais, a conversa percorreu a estratégia de negócios, os desafios logísticos e a aposta em loja física, além do reposicionamento da marca e sua forma de se conectar com um público cada vez mais jovem.

“Meu trabalho foi entender essa geração e me comunicar com ela. Nunca fui gamer, mas virei aluno dos meus próprios clientes”, afirma o executivo, que teve de mergulhar no universo gamer e adaptar a linguagem da marca a um público de 16 a 45 anos.

Agora, com operação mais enxuta, marca própria fortalecida e um plano de expansão que inclui uma arena gamer na Avenida Paulista, o foco é crescer na mesma toada que vem seguindo até aqui — em 2025, o KaBuM! deve avançar cerca de 16% em receita.

Qual o plano da Kabum para crescer

Quando Julio Trajano chegou ao comando da KaBuM! em 2023, a primeira decisão foi parar de tentar agradar todo mundo.

A empresa, que até então vendia brinquedos, eletrodomésticos e itens de casa, havia se afastado do seu DNA original em tecnologia e games — parte da estratégia dos fundadores para valorizar o negócio antes da venda.

“Eliminamos quase 60.000 SKUs. Foi uma decisão ousada, mas essencial para focar no que realmente somos bons”, afirma.

Com isso, a empresa passou a priorizar categorias core, como hardware e acessórios gamer. Placas de vídeo, processadores, memórias e periféricos voltaram ao centro da operação.

Em paralelo, o KaBuM! entrou com mais força no segmento de consoles e jogos, e hoje é o maior vendedor de PlayStation e controles da América Latina.

O ajuste estratégico impactou diretamente a rentabilidade. Ao cortar produtos de margem apertada e concentrar os esforços em itens mais alinhados com a comunidade gamer, a empresa viu o lucro crescer em paralelo com o faturamento.

“Eu não conseguia competir em AirFryer ou TV. Hoje o Magalu vende isso, não faz sentido a KaBuM! brigar nesse terreno”, diz Julio.

Além do foco no sortimento, o KaBuM! retomou sua marca própria, a Husky, que passou a oferecer teclados, mouses, cadeiras, headsets e microfones.

“Com marca própria, entregamos produtos de qualidade por preços mais competitivos e melhoramos nossa margem", diz Julio.

Conhecendo o cliente gamer (e quem sonha em ser)

Parte do trabalho de reestruturação passou por entender melhor quem é o cliente do KaBuM! — e adaptar a comunicação e a experiência de compra a ele.

“Não adianta falar com esse público como se fosse o consumidor médio. Eles nasceram com celular na mão. A linguagem, o tempo e o canal são outros”, diz Julio.

O público vai de adolescentes que economizam por meses para trocar o mouse até adultos que investem alto em PCs customizados.

“Fizemos um estudo e vimos que 10% da nossa base hoje tem entre 16 e 18 anos. É gente que está começando a ter renda e escolhe gastar com a experiência gamer”, afirma.

Mas também há quem passou dos 30 e continua investindo pesado no hobby.

O ticket médio das vendas da empresa é elevado e, segundo Julio, isso ajuda a diluir despesas fixas e compensar o custo logístico.

“Um fone de 3.000 reais não é para todo mundo, mas o nosso público vê valor”, diz.

Para atender esse consumidor, a empresa investe pesado em comunidade.

A KaBuM! mantém uma game house com jogadores profissionais, é tetracampeã de League of Legends e apoia influenciadores como Gaules, Baiano e Alanzoka. Também opera a maior comunidade gamer no Discord no Brasil. “Prefiro investir em influenciadores e ações com a comunidade do que em TV. O ROI é incomparável”, diz.

Black Friday: lives, cupons e clientes novos

A Black Friday é o principal momento comercial do ano para o KaBuM! — e um campo de teste para as estratégias de marketing, precificação e tecnologia.

A campanha de 2025 inclui lives com influenciadores, sorteio de um PC gamer de 20.000 reais e cupons diários distribuídos em canais como Discord, YouTube e app.

Neste ano, a empresa também realizou uma ação inédita com o Magalu: um push com promoção de teclado vendido por 19,90 reais (com preço original de 79 reais). A ação atraiu 80% de clientes novos, que nunca haviam comprado no KaBuM!.

As promoções são acompanhadas de perto pelo próprio CEO, que exige validação dos preços praticados nos 40 dias anteriores.

“Não tem metade do dobro aqui. Se não for oferta real, não entra”, diz. Entre os produtos com descontos agressivos estão placas-mãe, periféricos e monitores — tudo com estoque planejado meses antes.

A logística também é reforçada. Foram contratadas 300 pessoas extras para os centros de distribuição de Viana (ES) e Limeira (SP). “Na sexta-feira de Black Friday, vendemos cinco vezes mais que um dia bom. Não dá para errar”, afirma.

Do digital para a loja física

Embora a KaBuM! tenha nascido digital e operado assim por 20 anos, a empresa decidiu testar o varejo físico em 2023 — e o piloto virou um novo braço de negócio.

A primeira loja foi montada em um espaço ocioso dentro de uma unidade do Magalu na Marginal Tietê, em São Paulo. A receita foi três vezes maior do que o esperado.

A boa performance levou à criação de um novo modelo de loja, que será inaugurado em 8 de dezembro dentro do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista.

O espaço terá 400 metros quadrados, arena gamer, LED por toda parte e uma estação “Monte seu PC”, onde o cliente pode montar sua máquina com ajuda de IA, escolher as peças e receber em casa — já montada, se quiser.

“É a primeira Monte seu PC física do Brasil. O ticket médio ali é de 6.500 reais. E o cliente sai com exatamente o que precisa para rodar o game que quer”, diz Julio.

A loja faz parte da Galeria Magalu, um novo conceito que reúne diferentes marcas do grupo — como Netshoes e Época Cosméticos — em um só endereço. A aposta é que esse modelo possa ser escalado para outras capitais. “Não faz sentido abrir KaBuM! em cidade pequena, mas em São Paulo, BH, Rio... pode funcionar muito bem”, afirma.

Concorrência asiática, juros altos e o “acostamento” do varejo

O e-commerce brasileiro vive sob pressão: concorrência internacional, fretes subsidiados e juros nas alturas. Para Julio Trajano, a saída é manter o foco e não tentar competir no jogo dos gigantes. “Esses players jogam com caminhão bitrem. A gente vai pelo acostamento”, afirma.

Com isso, o KaBuM! escolhe as batalhas. Prefere ações cirúrgicas, como o push com o Magalu ou uma campanha em Discord, do que uma ofensiva em TV aberta. “Não temos o orçamento para comprar tráfego massivo. Então investimos onde sabemos que converte”, diz.

A operação hoje tem 25% do faturamento no marketplace, com sellers nichados em tecnologia. Os outros 75% vêm de vendas diretas e produtos de marca própria. Cerca de 60% dos produtos vendidos são importados diretamente, com planejamento feito com meses de antecedência para não sofrer com rupturas ou excesso de estoque.

Em 2025, a empresa zerou sua dívida (de 400 milhões de reais) e opera com caixa positivo. “Não temos exposição ao dólar. É uma operação sadia, gerando caixa e com lucro. Esse é o caminho”, afirma Julio.

No fim, o jogo da KaBuM! não é vencer todos os concorrentes — é continuar crescendo sem perder o foco.

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