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A Fuji se salvou. Mas vai salvar a Xerox?

A Fujifilm viveu a mesma crise que a Kodak, e soube não apenas sobreviver, mas prosperar. Agora terá que aplicar a mesma habilidade para resgatar a Xerox

Fujifilm: Xerox anunciou uma reestruturação societária da Fuji Xerox, a joint venture das duas companhias criada há mais de 50 anos

Fujifilm: Xerox anunciou uma reestruturação societária da Fuji Xerox, a joint venture das duas companhias criada há mais de 50 anos

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Da Redação

Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 13h09.

Última atualização em 5 de fevereiro de 2018 às 14h18.

A expressão mais adequada estes dias para o bilionário americano Carl Icahn, um acionista dos mais ativos e briguentos do mercado financeiro, é: “cuidado com os seus desejos, eles podem se tornar realidade”.

Apenas dez dias depois de Icahn e outro bilionário americano, Darwin Deason, terem divulgado uma carta aberta aos acionistas da Xerox pedindo que a companhia explorasse alternativas estratégicas para conter seu declínio – incluindo a demissão do executivo-chefe, Jeff Jacobson, e a renegociação da joint-venture com a Fujifilm – foi exatamente isso o que aconteceu. Só que não do modo como eles esperavam.

A carta de Icahn e Deason foi o ápice de uma campanha que já dura algum tempo. Em dezembro, Icahn disse acreditar que a Xerox ainda tinha potencial, “mas seguirá o rumo da Kodak se não houver grandes mudanças”. Um mês depois, ele explicitou as queixas: “Temos pouca fé de que os diretores da ‘velha guarda’ da Xerox vão nos ouvir, o que torna a mudança mais necessária do que nunca”.

A resposta à campanha de Icahn foi drástica. No último dia de janeiro, a Xerox anunciou uma reestruturação societária da Fuji Xerox, a joint venture das duas companhias criada há mais de 50 anos para vender produtos e serviços de fotocópia na região da Ásia e do Pacífico.

A joint venture comprou os 75% da participação da Fuji, fazendo uma dívida de 6,1 bilhões de dólares. Com o dinheiro da venda, a Fuji está comprando 50,1% das ações da Xerox. Na prática, a Fuji deixa de ter participação na Fuji Xerox para controlar a Xerox – e ser dona também da Fuji Xerox.

Não era exatamente essa a reestruturação que Icahn imaginava. Ele queria indicar quatro diretores críticos para o conselho de administração de 11 pessoas da Xerox. Jacobson, que está há apenas um ano no cargo mas faz parte da empresa desde 2012, deu-lhe um nó: a Xerox agora terá cinco diretores no conselho, e os restantes virão da Fuji.

A reação inicial de Icahn foi de que a Xerox se vendeu barato, segundo interlocutores ouvidos pelo site de notícias financeiras The Street.

Mas o pior foi que seu outro desejo também se realizou de forma enviesada. Jacobson vai deixar de ser CEO da Xerox… para assumir o posto de CEO da Fuji Xerox, agora uma subsidiária da Fuji.

Para adoçar o negócio e conseguir aprovação dos acionistas, Jacobson anunciou que a Xerox vai emitir uma combinação de 2,5 bilhões de dólares em dinheiro e dividendos, como retorno aos investidores. Icahn é o maior acionista individual da Xerox, Deason é o terceiro maior; juntos, eles têm cerca de 15% do capital da empresa. (Ou seja: numa conta de padaria, botar a boca no trombone lhes rendeu 375 milhões de dólares).

Juntando tudo, o negócio deve ser bom para os acionistas. As ações da Xerox subiram 4% com o anúncio da aquisição. Contando o período dos rumores de que as duas empresas discutiam a compra, as ações da Xerox subiram cerca de 12%.

Talvez não seja tão bom para os empregados. A Fuji já anunciou a demissão de 10.000 trabalhadores da Fuji Xerox no mundo todo – mais de um quinto de sua tropa. E isso é antes dos cálculos da famosa sinergia, que quase sempre significa serrote na folha de pagamentos.

Segundo as duas empresas, a consolidação dos departamentos de pesquisa e desenvolvimento, logística, relações com fornecedores e outras operações deve trazer uma economia de pelo menos 1,7 bilhão de dólares até 2022.

E, definitivamente, o negócio não é bom para o símbolo Xerox – uma das companhias mais inovadoras que já existiram. A venda põe fim, pelo menos como entidade independente, a uma história de 115 anos, que incluiu a criação do ramo das copiadoras (um item que meio século atrás teve um impacto semelhante ao do lançamento do iPhone, e fez a marca virar um verbo em várias línguas) e um papel preponderante na criação dos computadores como nós os conhecemos hoje.

Não à toa, o tom dos noticiários sobre o negócio (que deve se concretizar no meio do ano, após aprovação de acionistas e das autoridades) era de lamento e elogios fúnebres.

O episódio mais lembrado é a visita que um jovem Steve Jobs fez aos laboratórios da Xerox em Palo Alto, na Califórnia, em 1979. Lá, ele se maravilhou com inventos como a interface gráfica e o mouse, para um computador de mesa que a Xerox desenvolvia. “Vocês estão sentados numa mina de ouro”, disse Jobs na época. Essa mina, como se sabe, foi ele (e a IBM, e a Microsoft de Bill Gates) quem explorou.

Mas esse é apenas um dos avanços promovidos pela Xerox Parc, o laboratório criado pela Xerox. Houve também o desenvolvimento do papel eletrônico (leia-se Kindle), a impressão a laser, avanços na integração de semicondutores, as redes Ethernet…

Era uma época em que as grandes corporações pensavam grande, a ponto de montar instituições de pesquisa básica, onde os cientistas tinham quase plena liberdade para criar sem se preocupar com a busca de lucros. À semelhança da Xerox Parc, havia o Bell Labs (da AT&T), a RCA Labs, os braços de pesquisa da IBM, da Nasa e outros.

O problema da Xerox é que ela não se apropriou de praticamente nenhuma das fantásticas inovações que saíram de suas pranchetas. O marketing não estava adequado aos novos tempos de então. Para ter uma ideia, quando lançou seu computador, em 1981, a Xerox colocou-lhe o preço de 16.000 dólares – como se fosse uma copiadora a servir a empresa toda. No mesmo ano, a IBM lançou sua máquina por 1.600 dólares. Três anos depois, Jobs lançaria o MacIntosh por 2.500 dólares.

Nas décadas de 1970 e 1980, a perda de oportunidades não foi um problema tão grande, porque o negócio das copiadoras pagava tudo.

A máquina de Xerox era tão dominante nas empresas que ela se tornava o lugar dos encontros informais – aqueles que engendram romances e, também, as melhores ideias para alavancar os negócios. Nos anos 1980, porém, as patentes da Xerox venceram, e ela começou a enfrentar a concorrência estrangeira, principalmente das empresas japonesas, Canon à frente.

Em seguida, a situação iria piorar: a migração para o mundo digital está paulatinamente eliminando o papel dos escritórios. O negócio das copiadoras, como o negócios dos filmes fotográficos, é minguante.

A virada japonesa

É por isso que, mesmo que não seja tão bom para o ego da marca Xerox, nem para a estabilidade dos funcionários no curto prazo, e talvez nem tão bom para os acionistas quanto os investidores mais aguerridos gostariam, esse negócio pode representar a salvação da Xerox.

Porque, quando se compara a Xerox à Kodak, normalmente se está falando de uma empresa atropelada por uma nova tecnologia, que vê sumir o chão em que estava pisando.

Costuma-se pensar essa situação como uma inevitabilidade. Mas a Fuji estava exatamente na mesma posição que a Kodak, nos anos 1990. Ambas tinham como carro-chefe a divisão de filmes para máquinas fotográficas. Ambas foram obrigadas a apostar nas tecnologias digitais, quando não havia mais outro jeito – mas só a Fuji conseguiu fazer a passagem com sucesso.

Em 2012, enquanto a Kodak pedia concordata (da qual sairia no ano seguinte, muito menor do que já fora), a Fuji recolhia apenas 20% de sua receita do ramo de filmes, em vez dos 50% de uma década antes.

A diferença entre as duas foi que a Fuji tratou de desenvolver expertise em vários campos adjacentes ao seu negócio (enquanto a Kodak partiu para uma política de associações). Isso lhe permitiu usar as tecnologias em diversos campos. Seus conhecimentos e patentes de nanotecnologia (usada para fixar elementos químicos dos filmes) foi transferida para a aplicação de cosméticos na pele. A experiência com materiais sensíveis à luz ajudaram na divisão de equipamentos de imagens médicas.

Não foi um caminho barato. A empresa teve de demitir funcionários e investir dinheiro em uma visão de longo prazo. Curiosamente, uma das decisões que permitiu à Fuji seguir esse caminho foi gastar 1,6 bilhão de dólares, no ano 2000, para elevar sua participação de 50% para 75% na Fuji Xerox, numa época em que a Xerox precisava de caixa. Isso lhe garantiu uma receita mais constante ao longo dos anos.

Essa história deixou uma marca forte em Shigeata Komori, presidente e CEO da Fuji. Ele entrou na empresa em 1963, época em que a Kodak fazia a Fuji parecer uma anã. Ele mais de uma vez já se disse “comovido e triste” pela queda da rival, “a companhia mais forte que eu já vi”. Komori – que será presidente do conselho da Fuji Xerox – está agora em posição de evitar uma repetição da história da Kodak.

“Estou confiante que a habilidade da Fujifilm para promover mudanças, bem como sua experiência de reinvenção bem-sucedida, vão dar uma vantagem competitiva à nova Fuji Xerox”, disse Komori, em um comunicado por escrito.

Ninguém acha que vai ser fácil. A Fuji já comunicou ao mercado uma redução na expectativa de lucro operacional de quase 30% para o próximo trimestre. A empresa declarou que o ambiente para a Fuji Xerox é cada vez mais difícil e será necessária uma “reforma estrutural fundamental”.

A aposta será no crescimento da receita pela economia de escala e por avanços nas tecnologias de impressão por jato de tinta, imagens e inteligência artificial. Também deverá expandir suas operações no setor de saúde, com produtos como ultrassom e equipamentos de endoscopia, de acordo com a Bloomberg.

Claro, a história da Fuji não é apenas de pontos altos. Em junho do ano passado, ela teve que se desculpar por uma espécie de contabilidade criativa: jogou receitas da Fujifilm na contabilidade das subsidiárias da Fuji Xerox da Austrália e da Nova Zelândia – uma das razões para Icahn pedir a renegociação da parceria.

Nesse sentido, a Xerox também pode agregar valor à Fuji, com sua história de correção nos negócios.

Juntas, as duas empresas formarão uma companhia de 18 bilhões de dólares. A combinação resultará em seis laboratórios de inovação, mais de 6.600 engenheiros e cerca de 11.500 patentes. Não dá para assegurar que terá sucesso, mas é uma baita potência.

Se a Fuji conseguir vencer de novo o desafio imposto por um mercado declinante, quem sabe o que poderá fazer em seguida? Comprar a Blackberry, talvez?

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