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A estratégia do banco Inter contra os gigantes do mercado

Em um país com alta concentração bancária e tarifas altas, oferecer contas gratuitas é uma estratégia que não passa batido

Banco Inter: chamado “tarifômetro” do banco também pode ser encontrado em seu site e lembra constantemente a todos sua principal bandeira

Banco Inter: chamado “tarifômetro” do banco também pode ser encontrado em seu site e lembra constantemente a todos sua principal bandeira

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Letícia Toledo

Publicado em 1 de dezembro de 2017 às 11h47.

Última atualização em 4 de maio de 2018 às 11h13.

Um painel eletrônico fixado na sede do banco Inter, em Belo Horizonte, exibe a quantia de 89,79 milhões de reais, valor que aumenta alguns centavos a cada segundo.

O montante, afirma o presidente do banco, João Vitor Menin, equivale à quantia que seus mais de 335.000 clientes economizaram em tarifas que pagariam em outros bancos.

O chamado “tarifômetro” do banco também pode ser encontrado em seu site e lembra constantemente a todos sua principal bandeira.

“A nossa estratégia é ser livre de taxas, a conta é gratuita e isso não vai mudar”, diz Menin. Abrir a conta, pedir um cartão de crédito, fazer transferências entre contas do próprio banco e para outras instituições e realizar saques em caixas 24h.

Tudo isso é oferecido gratuitamente. Em um país com alta concentração bancária e tarifas que, na média do Banco Central, ultrapassam os 60 reais, essa é uma estratégia que não passa batido.

A média diária de abertura de contas no Inter saiu de 500 no início do ano para 2.000 atualmente.

Com esses números, o banco tem o ambicioso objetivo de fechar 2018 com 1 milhão de correntistas. Para chegar lá, sabe que precisará de mais dinheiro.

No início do mês, o banco protocolou junto à Comissão de Valores Mobiliários seu pedido para registro de companhia aberta.

O banco estuda uma oferta inicial de ações (IPO) para o primeiro semestre do ano que vem. A possibilidade de um investidor considerado “estratégico” também não está descartada.

“A janela de oportunidade na bolsa parece ser grande, então, se ela continuar, vamos fazer IPO. Se não, podemos olhar para um investidor estratégico”, diz Menin. O banco, que deve fechar o ano com um patrimônio de 400 milhões de reais, almeja captar entre 800 e 900 milhões de reais na bolsa, um valor considerado alto por analistas do setor. “Em 2007, quando muitos bancos pequenos foram à bolsa, o valor de mercado deles era de 2,5 vezes o seu patrimônio”, diz um analista que acompanha o setor. Se o múltiplo se mantiver, o banco deve ser avaliado em 1 bilhão de reais.

O Inter, que hoje faz sucesso nas redes sociais e estampa a camisa do São Paulo Futebol Clube, era um completo desconhecido pela maioria de seus atuais clientes até o início de 2016, quando lançou seu projeto de banco digital. O nome Inter é uma novidade ainda mais recente, de meados deste ano, quando o até então Intermedium teve seu nome alterado para parecer mais jovem.

Fundada em 1994, a financeira Intermedium foi lançada como um braço da à epoca pequena construtora MRV com objetivo de oferecer financiamentos imobiliários e fomentar o mercado. A estratégia deu certo, tanto que a MRV deixou de ser a controladora da financeira para fazer seu IPO, em 2007. A família Menin passou a ter o controle direto da Intermedium como uma instituição financeira completamente separada da MRV. A financeira, então, virou um banco focado em crédito imobiliário, consignado e para pequenas e médias empresas.

A ambição de expandir o banco por meio da conta digital veio do caçula da família Menin. Enquanto o pai Rubens Menin, fundador da MRV, e o irmão Rafael Menin, presidente da MRV, se focaram no mercado imobiliário, João sempre se interessou mais pelo segmento financeiro.

“Quando meu pai veio com a proposta de que eu fosse trabalhar no Inter, eu aceitei na hora”, afirma. Se no setor de construção a família Menin se consolidou como uma das maiores especialistas do país, no setor financeiro João ainda tem muito o que avançar e concorre com nomes de peso.

Concorrência pesada

Além dos tradicionais bancões do país, se multiplicaram nos últimos anos propostas parecidas com a do Inter.

O banco Original, controlado pelo grupo J&F dos irmãos Batista, foi lançado em 2016 com uma campanha do velocista Usain Bolt, o Bradesco lançou o banco digital Next em outubro, mês que a startup queridinha de cartão de crédito Nubank também anunciou o lançamento de conta corrente.

Outras iniciativas incluem a startup Neon, a conta Superdigital (do Santander) e o banco BS2 (antigo Bonsucesso).

“Banco digital é uma tendência irreversível. Todos os bancos estão fazendo esse movimento, a vantagem dos bancos menores é ter uma estrutura enxuta e conseguir fazer isso em uma velocidade maior”, diz o analista João Augusto Salles, da consultoria Lopes Filho.

O problema para o Inter é que seu principal atrativo, o fato de ser gratuito, é fácil de ser copiado, inclusive pelos grandes bancos com muito dinheiro para investir.

A “sorte” para é que eles parecem estar seguindo na direção oposta. A maioria dos bancos digitais cobra por seus pacotes.

Os grandes bancos recuaram em sua estratégia de conta digital gratuita, Bradesco, Banco do Brasil e Itaú deixaram de oferecer suas contas gratuitas no início deste ano. “Eles não querem correr o risco de canibalizar o próprio negócio.

Eles lucram muito com tarifas”, diz Salles. Entre os bancos 100% digitais, o Inter tem levado a melhor até agora. Os dados disponíveis no Banco Central mostram que a instituição tinha 241.100 clientes em setembro, o segundo maior, o Original, estava com 144.700.

“Os grandes bancos têm mais recursos para investir na estratégia digital e gratuita. O que o Inter vai precisar fazer é identificar hábito dos consumidores, gerar uma experiência diferenciada”, diz Claudio Gallina, diretor da agência de classificação de risco Fitch.

Se não ganha dinheiro com as tarifas, o Inter planeja faturar em outras frentes, principalmente com serviços. Recentemente, o banco fechou uma parceria com a seguradora Liberty para comercializar seus produtos no aplicativo e no internet banking.

Um dos principais defeitos do banco para seus clientes é não contar com um programa de fidelidade em nenhum de seus cartões.

O banco afirma que está estudando um programa de vantagens e que o lançamento deve ocorrer em 2019

“Não vamos ter a melhor plataforma de um produto, como investimentos, por exemplo, a gente não precisa ter o melhor e sim ter de tudo. O objetivo é oferecer bons serviços em todas as áreas”, diz Menin.

Por enquanto a estratégia ainda rende números modestos, a receita com a prestação de serviços totalizou 8,21 milhões de reais no primeiro semestre do ano.

Se um banco digital não tem gasto para manter agências, as despesas com tecnologia, atendimento e marketing podem ser bem grande.

O gasto do Inter com pessoal e despesas administrativas totalizou 75,15 milhões no primeiro semestre do ano.

A captação de novos recursos em sua plataforma de investimentos, outra ponta importante do negócio para ganhar escala, vem subindo.

O volume total de recursos investidos por clientes do banco totalizou 5,4 bilhões de reais nos nove primeiros meses deste ano, alta de 18,4%.

Apesar do crescimento acelerado, o Inter ainda está longe de assustar os grandalhões. Juntos, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa Econômica têm 79% do mercado de crédito no país “É um setor de extrema concentração, difícil de entrar. Se eles começarem a incomodar, um dos grandes compra e está resolvido”, diz um analista do setor.

Menin afirma que o objetivo é ser o melhor, não o maior, mas, como a postura agressiva e necessidade de mais capital do Inter mostra, ter escala é fundamental.

Se decidir entrar no mercado financeiro, o banco ainda terá a árdua tarefa de crescer e agradar investidores ao mesmo tempo. Um dos indicadores mais levado em consideração por acionistas é o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE).

Se no Itaú o indicador está em 21,6%, no Bradesco em 18,1% e no Santander em 17,1%, o ROE do Inter está em 11,4%.

“Com a estratégia agressiva o Inter não vai conseguir alcançar o ROE dos outros bancos e vai precisar mostrar os investidores que mesmo assim vale a pena seguir nessa estratégia”, diz um analista.

O maior dilema do banco, no entanto, é o próprio desenvolvimento dos bancos digitais em si. Analistas não se arriscam em dizer qual o tamanho e a relevância que instituições 100% digital podem ter no país nos próximos anos.

Sentado em seu escritório em São Paulo, em um prédio que é rodeado por uma agência do banco Santander, uma do Itaú, uma da Caixa, uma do Bradesco e outra do banco Safra, Menin está confiante.

“Em meados de 2019 a disrupção no setor financeiro estará definida, vamos conseguir enxergar os bancos que chegaram lá. Não serão 10 banco digitais, mas também não vai ser só um. Devem ser uns três ou quatro”, afirma. O Inter espera estar entre eles.

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