BANCOS: corrida para ser 100% digital começou após chegada das startups / Germano Lüders
Letícia Toledo
Publicado em 3 de setembro de 2016 às 00h17.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.
Letícia Toledo
O quarto andar da sede do banco Santander, em São Paulo, ganhou uma decoração diferente do restante do prédio. As cadeiras pretas foram substituídas por coloridas, as divisórias cinzas entre as mesas não existem mais, os funcionários mudam de lugar conforme o projeto em que estão trabalhando e o espaço do café ganhou móveis coloridos. “Estamos trazendo um pouco da cultura das startups para cá”, diz um funcionário do banco.
O andar representa bem a mudança que vem acontecendo nos principais bancos do país. Eles entraram em uma corrida para mostrar que podem ser ágeis, digitais e, principalmente, que são capazes de mudar. Para isso a solução é um combinação de estratégias que vão além da decoração do escritório e passo pelo desenvolvimento de novos aplicativos que permitem fazer tudo que antes só era possível em uma agência e a busca por novas ideias junto as empresas despertaram essa necessidade dos bancos de mudar: as startups.
Assim como aconteceu em outros setores, o mundo financeiro foi invadido por nerds em suas camisetas dispostos a transformar este segmento. Hoje, as chamadas fintechs já passam de 150 no país e prestam diversos tipos de serviços antes dominados por bancos, como empréstimos, investimentos, gerenciamento financeiro e cartões de crédito. O banco Goldman Sachs estima que estas empresas podem abocanhar 4,7 trilhões de dólares no mundo em receitas que hoje pertencem aos bancos. “As fintechs trouxeram novas soluções para os clientes e mostraram aos grandes bancos o que o eles querem. Agora estamos correndo atrás disso”, afirma Cassius Schymura, diretor da plataforma multicanal do Santander.
Os exemplos de fintechs mais conhecidos no país são a empresa de cartões de crédito Nubank, que não abre quantos clientes possui, mas afirma que mais de 4 milhões de pessoas já solicitaram seu cartão e 450.000 estão na fila de espera, e também o aplicativo e finanças pessoais GuiaBolso, para gerenciamento de finanças pessoais, que tem mais de 1 milhão de usuários.
Além das fintechs
Não bastassem as fintechs, em abril deste ano o Conselho Monetário Nacional autorizou o início da abertura de conta corrente e poupança pela internet. Tão logo a novidade foi liberada, os bancos tradicionais ganharam novos concorrentes: os bancos 100% digitais. Os maiores exemplos hoje são o Banco Original, do grupo J&F, e o Banco Neon. Sem tem que arcar com os custos de agências bancária, estas instituições oferecem tarifas em média 50% menores do que os grandes bancos e fazem disso o seu principal atrativo.
Para competir com eles, o Itaú lançou em agosto o aplicativo Abreconta no qual todo o processo da abertura de uma conta corrente pode ser feito pelo celular. Os outros três grandes bancos do país, Banco do Brasil, Bradesco e Santander afirmaram, em entrevista ao EXAME Hoje, que também estão desenvolvendo soluções para a abertura de contas digitais.
O Bradesco parece dar um passo além: a instituição vai lançar, até o fim do ano, um banco totalmente independente e digital que, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, custou de 120 milhões de reais. O projeto, que levará o nome Next, terá como público-alvo os chamados Millennials, jovens nascidos no fim da década de 1980 até 1996.
O grande problema, neste caso, é a queda na margem de lucro dos grandes bancos que estes projetos podem trazer. Eles precisam adotar taxas baixas para competir com os digitais e, ao mesmo tempo, manter suas agências funcionando. A consultoria McKinsey estima que a margem de lucro atual dos bancos pode sofrer uma compressão de 16% com a adoção de projetos digitais como este.
Se não pode com eles…
Além de lançar produtos competitivos, os bancos tem se aproximado das startups. O Bradesco tem hoje um outro projeto intitulado InovaBra que seleciona fintechs com propostas que podem ser adotadas pelo banco. Atualmente em sua segunda edição, o InovaBra já selecionou 20 startups que, durante oito meses, permanecem junto ao banco testando seus produtos na base de clientes do Bradesco e que, no fim, podem fechar um contrato para prestar serviços para o banco.
Há ainda a possibilidade do Bradesco comprar parte da fintech por meio de um fundo criado especialmente para isso e que dispõem de 100 milhões de reais. “Estamos fechando os primeiros contratos agora. Encontramos muitas startups interessantes e que realmente tem um grande potencial”, diz Marcelo Frontini, diretor de Pesquisa e Inovação do banco.
Outros bancos tem estratégias semelhantes, o Itaú criou um espaço de trabalho coletivo, o Cubo, que reúne startups de diferentes segmentos, inclusive o financeiro. Já o Santander comprou, em março, os 50% restantes da startup de cartões de crédito pré-pagos ContaSuper. A primeira metade da fintech foi adquirida pelo banco em janeiro de 2015, por 31 milhões de reais. A fatia restante custou quase quatro vezes mais: 119 milhões de reais. Segundo o banco, na primeira aquisição a startup tinha 200.000 clientes e o objetivo era chegar a 250.000 em um ano. Mas, no fim de 2015, a ContaSuper já tinha 360.000 clientes. O objetivo agora é chegar a 500.000 clientes até o fim de 2016.
Os bancos também tem investido para oferecer todos os seus serviços por meio de aplicativos. Hoje, no maior banco do país, o Itaú, 71% de todas as transações financeiras são feitas por meio dos canais digitais (internet e aplicativos). Em 2010, este percentual era de 38%. Um dos serviços financeiros mais impensáveis de caminharem para o mundo digital até pouco tempo era o financiamento – que, geralmente, exige pilhas e mais pilhas de papéis burocráticos antes de uma aprovação. O Banco do Brasil liberou, no início do ano, o financiamento de veículos por meio de seu aplicativo. Atualmente, 17% do total de desembolsos que o banco faz para o financiamento de automóveis vem de solicitações do aplicativo. Foram 110 milhões de reais em créditos contratados pelo aplicativo só no primeiro semestre deste ano.
O cenário complexo
A exemplo do que acontece com os financiamentos por aqui, nos Estados Unidos outra solução impensável agora está disponível em aplicativos: a hipoteca. O dono dessa solução é o aplicativo da companhia Quicken Loans, lançado em novembro do ano passado, que causou um rebuliço no mercado em fevereiro após exibir um comercial durante o maior jogo de futebol americano, o SuperBowl. “E se nós fizéssemos pela hipoteca o que a internet fez pela compra de música, passagens aéreas e sapatos? Agora, você pode obter sua hipoteca pelo seu telefone”, diz o comercial que promete a aprovação de hipotecas em apenas oito minutos.
Nos bancos tradicionais, o avanço digital tem levado a uma redução no número de agências bancárias americanas. Nos últimos seis anos 4.000 agencias fecharam suas portas. Embora ainda haja 112.000 agências espalhadas pelo país, alguns especialistas afirmam que o número de agencias cairá pela metade até 2025. Por enquanto, as agências bancárias ainda desempenham uma função importante no país: cerca de 90% da abertura de novas contas são feitas nas agências.
Bancos focados em soluções digitais, estão por toda a parte, garantem especialistas. “Há três anos eu via alguns países que diziam que um banco digital nunca iria emplacar por lá. Hoje, eu não vejo uma única região que não pense em se tornar um banco 100% digital”, afirma Edwin Van der Ouderaa, diretor de serviços financeiros digitais da consultoria Accenture, que presta consultoria e desenvolve soluções digitais para diversos bancos ao redor do mundo.
Segundo ele, um dos maiores exemplos de inovação digital em bancos atualmente é a Turquia. A demografia mais jovem do país fez proliferar o número de soluções digitais. Um exemplo vem da segunda maior instituição financeiro do país, o Garanti, que lançou um banco digital integrado com mídias sociais, o iGaranti. Com o aplicativo do banco, o cliente pode não só fazer investimentos e pagar contas, como conectar sua conta à redes sociais como Twitter e Facebook e, com isso, fazer transações bancárias com seus amigos pelas redes sociais sem precisar saber o número ou qualquer outro dado de suas contas bancárias. Além disso, ao conectar o banco com sua conta no aplicativo de geolocalização Foursquare, o cliente recebe ofertas exclusivas ao passar em frente à lojas que frequenta.
Outro banco que tem levado a transformação digital a sério é o BBVA, segundo maior banco da Espanha, que nos últimos três anos investiu 200 milhões de dólares em fintechs como o Atom – primeiro banco 100% digital do Reino Unido, lançado em abril deste ano. Além disso, em fevereiro o banco transferiu seu fundo de investimentos de 250 milhões de dólares e transferiu suas operaçõespara San Francisco e Londres, numa tentativa de apelar para startups que não seriam atraídas pelo banco espanhol.
O futuro brasileiro
Por aqui, os principais bancos, apesar de adotar estratégias digitais, não incluem em seus planos se livrar das agências, pelo menos não por enquanto. “O fechamento de agencias é inevitável, mas ainda não sabemos qual é o tamanho ideal do digital e do fixo. No futuro, o papel da agência será se dedicar muito mais a consultoria financeira, conversar sobre investimentos e previdência”, afirma Marco Mastroeni, diretor de negócios digitais do Banco do Brasil.
A agência de classificação de risco Fitch afirma que as startups brasileiras ainda representam pouca ameaça aos bancos. “Mesmo com o crescimento rápido das fintechs, o setor bancário deve permanecer dominado e concentrado nos grandes bancos do país”, afirma a agência em relatório.
Os bancos apostam no desenvolvimento de novas soluções e na aquisição de algumas empresas do setor para não deixar que as fintechs atrapalhem seus planos. “Nós estamos trabalhando em um cartão concorrente da Nubank, vamos lançar um produto melhor e com mais infraestrutura em breve”, afirma o representante de um grande banco.
“Nós não temos o mesmo dinheiro, mas somos mais rápidos em desenvolver produtos e solução para os clientes. Eles são engessados, nós somos mais eficientes”, afirma David Veléz, presidente e fundador do Nubank. A startup, criada em setembro de 2014, segundo o site CrunchBase, já recebeu 98,3 milhões de dólares (319,4 milhões de reais) em quatro aportes. O último, no início deste ano, no valor de 50 milhões de dólares, foi feito pelo Founders Fund, do Vale do Silício, que já investiu em empresas como Airbnb, Facebook e SpaceX. As fintechs podem não ter todo o dinheiro dos bancos, mas enquanto existirem fundos de investimentos dispostos a bancar seu crescimento, elas prometem incomodar bastante.