(Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
Repórter de Negócios
Publicado em 23 de janeiro de 2024 às 09h25.
Última atualização em 23 de janeiro de 2024 às 19h35.
Quem está em grandes cidades brasileiras se depara com a dificuldade de pegar carros de aplicativos. Nos últimos anos, esse mercado afunilou, a concorrência diminuiu e dois apps, Uber e 99, concentram a disputa. Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, conhecida pela alta tecnologia que desenvolve, convive com uma realidade bem diferente.
O município de 40.000 habitantes tem oito aplicativos de corrida - Uber e 99 não entram na conta. A Uber diz que atua na cidade, a prefeitura informa que não tem como confirmar que os motoristas habilitados usem o app. A 99 não respondeu.
Para os moradores da cidade, a carteira de apps é formada por:
Todos eles criados por motoristas locais e sem grandes - ou pequenos - fundos de investimento por trás. São retratos do empreendedorismo raiz e reúnem todos os seus temperos: a busca por autonomia, a vontade de crescer, os perrengues diários e disputas.
A cada desentendimento ou mudança de perspectiva de um dos motoristas, nasce um aplicativo novo. O quadro cria uma peculiaridade na cidade. Por causa da "rivalidade", em geral os mais de 300 motoristas só podem prestar serviço para um entre as oito opções locais.
A cidade é conhecida como “Vale da Eletrônica” por reunir diversos centros de educação em tecnologia e incubadoras. De acordo com dados da prefeitura, o município conta com mais de 150 empresas, entre 50 startups, que movimentam mais de 3,2 bilhões de reais anualmente.
A inovação desta vez, porém, não veio a partir dos bancos dos universidades e centros técnicos, e sim do dia a dia dos trabalhadores. Quando os aplicativos de corrida chegaram em Santa Rita, os motoristas entenderam em pouco tempo que o modelo era inviável para uma cidade pequena, com um fluxo menor de corridas em comparação com as cidades grandes. Os valores pagos não compensavam o trabalho.
O caminho foi migrar para um app regional, que acabara chegar à cidade vindo de Divinópolis oferecendo taxas melhores. O app tinha sido construído a partir de uma dessas plataformas SaaS - ou seja, os fundadores pagavam um valor mensal a uma empresa de desenvolvimento para usar o software e disponibilizar o serviço.
Não demorou muito para que alguns motoristas da cidade percebessem que poderiam fazer o mesmo. E assim, em associação ou em sociedade, começaram a criar os seus próprios aplicativos, usando a plataforma para definir as funcionalidades, recursos e benefícios que pretendem oferecer.
“Você escolhe a empresa que tem condições que se adequam tanto às suas necessidades quanto no preço e monta o seu aplicativo”, afirma Ederson Kennedy. Ele é o cofundador da Klick Driver, aplicativo que reúne pouco menos de 30 motoristas e faz cerca de 5.000 corridas por mês na cidade.
Técnico em química, ele migrou para a cidade há alguns anos com a esposa e encontrou dificuldades para encontrar trabalho em sua área. Foi neste período que entrou para o mundo dos aplicativos de mobilidade.
A Klick nasceu tempos depois. Há quase 4 anos, Kennedy, Marcelo Ladeira, Demerval Teixeira e um quarto sócio, já fora do negócio, investiram 6.000 reais para criar a startup. A operação tem um modelo diferente, sem a cobrança de taxas por corrida. A opção é por mensalidade, com valores entre R$ 150 e R$ 200, o que acaba por limitar o potencial de crescimento.
“Essa mensalidade que eles pagam cobrem custos com propaganda, com contador com, toda a parte legal. Então, não tiramos dinheiro do bolso para manter o negócio”, afirma o empreendedor. “Para ter um faturamento maior, a mentalidade é expandir para outras cidades e adotar formas diferenciadas de pagamento”.
Assim como quase todos os outros fundadores de aplicativos em Santa Rita, ele continua com a mão no volante. Nas trocas de mensagens para organizar as entrevistas, muitas das respostas vieram em áudios e, ao fundo, o barulho característico dos carros em movimento.
“Ter o app não mudou nada para mim, eu saio de casa, logo, pego corrida, paro para conversar com os amigos”, afirma José Daniel Batista, cofundador da Tchepcar. O nome é referência a uma brincadeira que rolava entre os amigos motoristas na cidade. A cada corrida conquistada, um gritava “Tchep”, um equivalente potencialmente ao “check”, comumente ouvido em escritórios da Faria Lima.
Quando Batista reuniu outros quatro amigos para criar o próprio app, o nome já estava definido. A Tchepcar entrou em circulação no fim de 2021, após investimento de 10.000 reais. Também adota o modelo de mensalidade. Com 20 motoristas, a empresa faz em torno de 6.000 corridas por mês. Na média, cada condutor consegue fechar com uma renda mensal entre 3.500 e 4.000 reais.
A vantagem na criação dos apps próprios, segundo Batista, é, além da autonomia, não ter que pagar taxa, mensalidade e ter o seu resultado - enquanto motorista - livre de custos. A motivação para o negócio foi a sensação de que o app para o qual atuava privilegiava outros motoristas. “Eu achei que isso estava errado e larguei mão”, diz.
Assim como a Klick Driver, o objetivo no curto prazo é partir para explorar oportunidades em cidades vizinhas, como Pouso Alegre e Cachoeira de Minas. Os dois apps são os únicos na cidade que usam o modelo de mensalidade. Nos demais, a cobrança é um percentual do valor da corrida, mas abaixo dos praticados pelas empresas conhecidas no mercado de mobilidade urbana.
A expansão geográfica é não apenas uma oportunidade de atrair mais motoristas e usuários, mas de trabalhar com outros modelos de pagamento que permitam o ganho de escala do negócio no médio prazo. O app mais popular entre os moradores de Santa Rita, o Vale Driver, já seguiu por esse caminho e está operando um Pouso Alegre, município a 25 quilômetros de distância e com mais de 150 mil habitantes.
"O boca a boca dentro da cidade fez o negócio crescer. O Vale Driver já começou a entrar em Pouso Alegre e eu tenho indicado aos meus amigos", afirma Douglas Gomes, morador de Santa Rita e estudante na cidade vinha.
Usuário assíduo, ele costuma ter mais um aplicativo no celular, o Camaleon Car. O agente comunitário de saúde de 33 anos conta que acompanhou a mudança na mobilidade em Santa Rita, passando por períodos como:
"Eu acho muito fantático que os aplicativos locais desbancaram uma empresa do tamanho da Uber. Mostra que as empresa têm que conhecer o cliente, saber como vende o produto, e que os negócios, mesmo que sejam pequenos, conseguem crescer se levam qualidade para o cliente", diz, orgulhoso de mais uma das histórias produzidas em Santa Rita do Sapucaí.
Esta reportagem foi publicada originalmente em 14 de outubro de 2023. Clique aqui para ler o texto original.