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A bolha das maquininhas estourou?

Sucesso na bolsa até pouco tempo, Stone, PagSeguro e Cielo despencam com dúvidas sobre a sustentabilidade de seu mercado

Imagem de arquivo de máquina de cartão de crédito: Mundo afora consumidores trocam o dinheiro pelo cartão, e o plástico por formas digitais de pagamento (Paulo Fridman/Bloomberg)

Imagem de arquivo de máquina de cartão de crédito: Mundo afora consumidores trocam o dinheiro pelo cartão, e o plástico por formas digitais de pagamento (Paulo Fridman/Bloomberg)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 21 de novembro de 2018 às 12h51.

Última atualização em 21 de novembro de 2018 às 12h52.

Da Moderninha à Fielzinha, o Brasil vive um boom dos terminais de pagamento, as famosas maquininhas que processam as compras de cartões de crédito e de débito. O setor, historicamente dominado por Cielo (controlada por Banco do Brasil e Bradesco), Rede (Itaú) e GetNet (Santander) ganhou nos últimos anos uma enxurrada de novos concorrentes, capitaneados por PagSeguro e Stone, que abriram capital nos Estados Unidos.

O crescimento era impulsionado pela inclusão de uma grande leva de clientes e de micro e pequenos empresários no mercado de pagamentos. Para as novatas, havia uma enorme oportunidade de diminuir taxas e lançar novos produtos e serviços para dinamizar o setor. Para as grandes, o aumento da concorrência forçava mudanças já no radar e não parecia exatamente trágico em virtude das margens elevadíssimas com que costumavam trabalhar.

Parecia um nicho à prova das crises políticas e econômicas do Brasil real. Mas uma leva de relatórios divulgados na segunda-feira, e uma derrocada no valor dos papeis nos últimos dias, lançou dúvidas sobre o futuro do setor. A guerra das maquininhas já foi longe demais?

A maior vítima foi Stone, que começou a ser acompanhada pelos bancos de investimento com relatórios duros, que levaram as ações a cair 13% na Nasdaq, a bolsa americana de tecnologia. A empresa, fundada por Andre Street e Eduardo Pontes, veteranos do mercado de pagamento, estreou na bolsa em outubro, e já negocia abaixo do valor de lançamento das ações.

Outra empresa que abriu capital este ano nos Estados Unidos, a PagSeguro, perdeu 15% de valor de mercado em dois dias. Desde janeiro, quando foi à bolsa, a queda acumulada chega a 27%.

A Cielo, líder do setor, também levou porrada dos analistas. Segundo o Credit Suisse, em relatório também divulgado na segunda-feira, “não há luz no fim do túnel para a empresa”. A Cielo divulgou em 31 de outubro ter registrado baixa de 20% no lucro, para 813 milhões de reais, no período de julho a setembro de 2018 ante o terceiro trimestre do ano passado. Suas ações caíram 27% em vinte dias, para 9,26 reais. Só na segunda-feira a ação perdeu 5%.

Para volta a ganhar terreno, a companhia cortou recentemente seus preços em 30%, uma mordida que afeta seu balanço mas que, segundo o Credit Suisse, não é suficiente para recuperar terreno. “Em uma guerra de preços, ninguém ganha”, escreveu um time de analistas liderado por Lucas Lopes em relatório. “A ideia de que esse segmento é uma vaca leiteira em termos de lucros precisa ser repensada.”

Segundo dados da Abecs, a associação das empresas de pagamentos, o Brasil tinha em 2017 5 milhões de maquininhas instaladas, o que dava uma média de 24,7 processadores para cada mil habitantes. O ranking global é puxado por Austrália, com 39 maquininhas por mil habitantes, Itália, com 37, e Reino Unido, com 33. O Brasil já está no grupo de países como Suécia, com 26 maquininhas por mil habitantes, e França, com 22. Estamos também muito à frente de economias com o poder de compra semelhantes à nossa, como Rússia (com 12 processadores de pagamentos), México e África do Sul (com sete).

Mas os dados da Abecs levam em conta um cenário que já ficou para trás. As cinco maiores adquirentes do país já têm, juntas, cerca de 8 milhões de maquininhas, segundo levantamento de EXAME. Ou seja: as empresas puxaram tanto a corda que podem ter criado um cenário de competição prejudicial a todas elas.

As empresas de pagamentos também sofrem com cenário hostil no mercado de capitais. Com recuo de 2% nesta terça-feira, a Bolsa de Nova York zerou os ganhos de 2018. As maiores companhias de tecnologia, que puxaram os ganhos nos últimos trimestres, agora puxam a retração: perderam 1 trilhão de dólares de valor de mercado nas últimas semanas.

O temor dos investidores é que novos capítulos da guerra comercial entre Estados Unidos e China  freiem o crescimento econômico global, assim como um aumento da taxa de juros nos Estados Unidos reduza a euforia econômica do país. Em paralelo, as incertezas com o Brexit e o orçamento italiano, um excesso de oferta de petróleo e reiteradas incertezas sobre o crescimento dos países emergentes compõem um cenário nebuloso para as bolsas. Stone e PagSeguro, que aproveitaram a euforia recente, agora sofrem o baque. 

A saída para as empresas de pagamentos, segundo os analistas, é usar sua base de relacionamento com os varejistas para oferecer novos produtos e serviços. É uma ótima oportunidade para a Stone que, segundo o BTG, está "construindo um relacionamento de longo prazo com seus clientes". O plano é começar por pagamentos e se posicionar como um fornecedore de serviços a baixo custo para pequenos e médios empresários brasileiros. As oportunidades de longo prazo, segundo o BTG, são relevantes o suficiente para uma recomendação de compra das ações apesar dos riscos recentes.

Para o Credit Suisse, oferecer novos serviços pode ser um ótimo negócio, mas para ser relevante a Stone precisa de escala e, para isso, fatalmente terá que entrar na guerra de preços puxada pelos concorrentes. Além disso, empresas de software, para o Credit, tendem a ser menos valiosas que as companhias de pagamentos.

"O fato de o valor de mercado da Linx, a líder em softwares de gestão de varejo no Brasil, ser de apenas 15% do valor da Stone reforça os limites das oportunidades nos softwares", afirma o banco em relatório. Com tudo isso na conta, o Credit iniciou a cobertura das ações da Stone com recomendação de venda, com preço alvo de 20 dólares.

A americana Square, ícone do mercado de pagamentos, está adiantada em  todas essas estratégias, e ainda assim acumula queda de 35% no valor de mercado desde outubro. O temor maior dos investidores é que, para as adquirentes, após sobreviver à guerra das maquininhas, será preciso entrar em novas e mais desafiadoras batalhas.

Mundo afora, consumidores trocam aceleradamente o dinheiro pelo cartão, e o plástico por formas digitais de pagamento. Neste cenário, a competição envolverá empresas de serviços, financeiras e gigantes da tecnologia (mais detalhes na edição de EXAME que chega nesta quinta-feira às bancas e na versão digital)

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