Cristina Junqueira (ao centro), entre David Vélez (esq.) e Edward Wible (dr.), co-fundadores do Nubank: estreia do banco digital na Bolsa pode ser também um indicativo de que o nome de Cristina Junqueira tem potencial de ser protagonista no mundo de negócios brasileiros por um longo tempo (Divulgação/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de dezembro de 2021 às 17h52.
Última atualização em 19 de dezembro de 2021 às 18h06.
Entrando no oitavo mês de sua terceira gestação, a executiva Cristina Junqueira, de 39 anos, enfrentou uma rotina extenuante de reuniões no início deste mês, nos dias que antecederam a dupla - e bem-sucedida - abertura de capital do Nubank na Bolsa de Valores de Nova York e na B3, em São Paulo.
Não foi a primeira vez que a executiva enfrentou o mercado financeiro de barrigão: em 2017, grávida de sete meses de sua primeira filha, ela voou para os Estados Unidos para fechar a primeira grande captação de recursos do banco digital após sua fundação. Quem conhece Cristina diz que, além de colocar um negócio bilionário em pé, ela conseguiu provar que, sim, é possível uma mulher ter uma família e uma carreira brilhante.
A abertura de capital não representou um marco apenas para o Nubank, que se tornou o banco mais valioso da América Latina - deixando pesos-pesados como Itaú e Bradesco no retrovisor -, mas também colocou Cristina em um lugar em que nenhuma mulher havia chegado antes: a cofundadora da fintech entrou para a lista de bilionárias da revista Forbes como empreendedora do setor financeiro.
Antes dela, somente uma outra mulher - Luiza Trajano, do Magazine Luiza - havia atingido o clube do bilhão pelos próprios meios, como empreendedora. As demais integrantes da lista são ligadas a empresas famosas, mas chegaram lá graças a heranças.
Nascida em Ribeirão Preto (SP) em setembro de 1982, Cristina se mudou ainda muito pequena para o Rio de Janeiro. Lá, estudou no colégio jesuíta Santo Inácio, instituição de classe média alta localizada no bairro de Botafogo. A próxima parada foi São Paulo onde cursou Engenharia de Produção na USP. Apesar da formação, a atuação de Cristina se deu principalmente no mercado financeiro - logo nas primeiras experiências profissionais, seu caminho se cruzou com o de Luiza Trajano, hoje sua companheira na lista da Forbes, já que ela atuou no LuizaCred, antigo braço de financiamentos do Magazine Luiza.
Depois de uma experiência no exterior, onde estudou na Kellogg School of Management, no Estado americano de Massachusetts, ela voltou ao Brasil e foi trabalhar no Itaú Unibanco. Ainda antes dos 30 anos, foi convidada para desenvolver um projeto para o banco na área de cartões.
O objetivo era trazer inovação para a Itaucard, mas o trabalho avançou pouco. “Cristinatinha ideias muito inovadoras, que não eram acatadas. E estava frustrada”, contou ao Estadão uma pessoa próxima à situação. Basicamente, ela estava cansada de oferecer cartão para quem não queria e negar o acesso para quem buscava a opção de pagamento. Foi nesse momento que, segundo relatos, a executiva enfrentou preconceito e vieses que costumam prejudicar a ascensão das mulheres a altos cargos.
Segundo Margareth Goldenberg, que lidera o grupo Mulheres 360, dedicado a derrubar barreiras para o avanço de lideranças femininas, a escada das mulheres rumo ao topo costuma ter um degrau quebrado. E isso se reflete em uma participação feminina de apenas 14% em cargos de gerência e direção. E, quando conseguem superar os obstáculos, as mulheres enfrentam preconceitos.
Na passagem de Cristina pelo Itaú, apurou o Estadão, a visão de muitas pessoas que ficavam abaixo dela na hierarquia era de uma executiva provocativa, questionadora e confrontadora para buscar os melhores resultados.
Porém, a visão de executivos acima dela era bem diferente. Muitos a denominavam como chata e difícil. “É o tipo de coisa que a mulher executiva tem de enfrentar no dia a dia. Quando são enfáticas e lideram uma reunião, são classificadas como difíceis. O mesmo não acontece com os homens, que são respeitados - e elogiados - quando adotam a mesma posição”, compara Margareth Goldenberg.
A energia de fazer mais, buscar resultados e inovar acabou levando a uma conversa com o colombiano David Vélez, que se preparava para fundar o que viria a ser o Nubank. Em 2013, o executivo radicado nos EUA, com o apoio da Sequoia Capital, buscava nomes para ajudar a colocar em pé uma fintech dedicada a colocar o controle das finanças nas mãos das pessoas - e não mais das instituições financeiras. Por indicações, ele chegou a dois executivos que passariam a ser considerados cofundadores do Nubank: a brasileira Cristina e o americano Edward Wible.
Mas como foi, para uma executiva, largar um grande banco por um projeto totalmente novo? Segundo pessoas próximas, quando o convite veio, Cristina já estava disposta a tentar algo novo. E sabia que tinha contribuições a fazer: “Cristina trouxe todo o conhecimento sobre o mercado de cartão de crédito, parte operacional, regulação foi ela quem trouxe. E David ficava no direcionamento estratégico, como faz até hoje”, comenta um interlocutor.
Ainda de acordo com pessoas próximas à executiva, a cofundadora do Nubank foi uma das principais responsáveis por tocar a área de marketing e de relacionamento com o cliente, que acabou sendo um dos principais diferenciais no início da fintech. Há cerca de um ano, ela assumiu a presidência da operação brasileira, de longe a maior da fintech. Cristina tem participação de 2,9% no Nubank - logo depois da oferta inicial de ações, segundo a Forbes, isso equivalia a uma fortuna de US$ 1,3 bilhão (cerca de R$ 7,5 bilhões).
Para muita gente, Cristina se tornou um símbolo de inclusão no mercado de trabalho e das mulheres em cargos de direção. No entanto, seu maior escorregão corporativo foi justamente uma declaração que fez em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, sobre a contratação de funcionários negros.
Ao responder sobre ações afirmativas na liderança, Cristina disse que não dava para “nivelar por baixo” as contratações. Logo virou alvo de críticas nas redes sociais, levando o Nubank a operar no modo de crise sobre o tema. Nas semanas seguintes, além de pedir desculpas, o banco anunciou uma série de ações relacionadas ao tema raça: em março deste ano, separou US$ 1 milhão para investir em startups de empreendedores negros.
Passada a polêmica, o Nubank seguiu com seus planos, que culminaram na estreia na Bolsa. Quem entende de negócios de tecnologia se impressiona com a capacidade de Cristina e de seus cofundadores de permanecerem na dianteira das estratégias de fintech com o negócio operando em patamares cada vez maiores.
Segundo o líder de um unicórnio nacional (nome dado a startups que valem mais de US$ 1 bilhão), isso é uma prova de capacidade de gestão e versatilidade. E pode ser também um indicativo de que o nome de Cristina Junqueira tem potencial de ser protagonista no mundo de negócios brasileiros por um longo tempo.
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