Negócios

A artista indígena que levou a moda da Amazônia às passarelas do Brasil e do mundo

Com milhões de seguidores, obras em museus, coleções nas passarelas e uma pousada na Amazônia, We’e’ena Tikuna construiu uma trajetória empreendedora dedicada à valorização e inclusão dos povos indígenas

We’e’ena Tikuna da Terra Indígena Umariaçu, no Alto Rio Solimões (AM): “Construí minha trajetória degrau por degrau. Hoje sei o valor da minha palestra, das minhas obras, das minhas bonecas. E agora checo todos os detalhes antes de aceitar uma proposta de trabalho”

We’e’ena Tikuna da Terra Indígena Umariaçu, no Alto Rio Solimões (AM): “Construí minha trajetória degrau por degrau. Hoje sei o valor da minha palestra, das minhas obras, das minhas bonecas. E agora checo todos os detalhes antes de aceitar uma proposta de trabalho”

Caroline Marino
Caroline Marino

Jornalista especializada em carreira, RH e negócios

Publicado em 30 de setembro de 2025 às 16h52.

A amazonense We’e’ena Tikuna nasceu na Terra Indígena Umariaçu, no Alto Rio Solimões (AM), e carrega no significado do próprio nome – “a onça que nada para o outro lado do rio” – a força e a maneira como enxerga a vida. Ao longo da trajetória, precisou superar barreiras e enfrentar o preconceito, mas se manteve firme para conquistar o que desejava. “Foi assim que cheguei até aqui: sem desistir e sempre ‘nadando’ para o outro lado”, resume. Dessa forma, transformou a arte em negócio e em um manifesto de representatividade.

Hoje, é artista plástica, estilista, palestrante e influenciadora digital – com 5 milhões de seguidores nas redes sociais. À frente de uma marca de roupas, acessórios e bonecas que leva seu nome, foi a primeira indígena a apresentar uma coleção no Brasil Eco Fashion Week (BEFW), maior evento de moda sustentável do país. No campo das artes, recebeu o prêmio Quality Internacional do Mercosul e tem 12 obras expostas no Museu Histórico de Manaus. Além disso, ao lado do marido, o violinista Anton Carballo, administra a pousada Casa da Árvore Alter, em Santarém (PA), em meio à floresta amazônica, e integra o grupo de agentes verificados pelo clima da ONU Brasil.

Como reflexo de seu trabalho, vem realizando palestras sobre moda, biodiversidade e economia sustentável no Brasil e no exterior, além de parcerias com gigantes do mercado, incluindo Natura, Boticário, Google e Skala.

À Exame, ela conta o caminho que percorreu até alcançar esse patamar.

Os primeiros passos

Até os 12 anos, We’e’ena viveu na aldeia. Nesse período, só se comunicava em sua língua nativa e tinha na natureza tudo o que precisava. A rotina mudou em 1988, após o massacre de parte do seu povo, os Tikuna, por madeireiros. Em busca de mais segurança e para que os seis filhos aprendessem português, os pais decidiram mudar para Manaus. “Era uma forma de defendermos nosso território”, conta.

Ao chegar à cidade, deparou-se com o preconceito e a necessidade de sustento. Foi na arte que encontrou sua ferramenta de afirmação e de sobrevivência. Começou acompanhando os pais nas feiras de artesanato, onde vendiam objetos feitos a partir de penas, barro, fibras vegetais e sementes. Com o tempo, passou a produzir as próprias peças e a fazer pinturas corporais.

Formou-se em Artes Plásticas e direcionou o trabalho para a valorização e inclusão dos povos indígenas, produzindo quadros, roupas e acessórios. Em paralelo, gravava vídeos no YouTube para contar sua história, mostrar as criações e falar dos rituais que seguia. Rapidamente, o canal cresceu, mesmo sem planejamento ou roteiros. Era justamente a naturalidade que chamava a atenção.

Redes sociais como impulso para crescer

Com a visibilidade online, o caminho no empreendedorismo de We’e’ena começou a ser desenhado, sem que ela mesma percebesse. As obras foram expostas na Casa da Fazenda, em São Paulo. As roupas ganharam as passarelas – na Rio+20 e no Brasil Eco Fashion Week. “Nunca imaginei que estaria ao lado de estilistas renomados, nem que minhas obras chegariam a galerias. Vim de uma comunidade indígena, sem falar português e sem entender nada do universo da cidade.”

Formada também em Nutrição, chegou a atuar brevemente em clínicas, mas durante a pandemia decidiu se dedicar integralmente à arte. Nesse período surgiu uma das iniciativas mais simbólicas: as bonecas indígenas. Produzidas manualmente, com roupas típicas e pinturas corporais, nasceram para reeducar pais e filhos sobre a diversidade dos povos brasileiros. A ideia ganhou escala durante o isolamento, e a demanda surpreendeu: em uma temporada, 500 unidades foram vendidas em apenas três dias. Hoje, os lançamentos são feitos em edições limitadas, sempre com fila de espera.

Desafios e aprendizados

O ponto de inflexão veio quando o YouTube Brasil a procurou para sua primeira campanha publicitária, abrindo caminhos para colaborações com empresas como Vivo, Google, Samsung, Scala, Natura e Boticário. Os convites para apresentações e palestras também começaram a surgir. “Tudo era muito novo e eu não sabia nem cobrar pelo trabalho. Muitas vezes aceitava em troca de alimentos, pois tudo era bem-vindo”, lembra.

Nesse processo, foi enganada diversas vezes: oportunidades que não se concretizavam ou pagamentos que nunca eram feitos. “Isso não acontece na minha comunidade; acreditamos e não vemos maldade nas pessoas. Precisei aprender na ‘marra’ a lidar com essas situações”, conta. Mas desistir nunca foi uma opção. “Sempre me fortaleci no meu nome e acreditei que, se não desse certo agora, daria mais para frente.”

Nesse sentido, reforça a importância da rede de apoio, formada por suas irmãs, mãe, companheiro e alguns amigos. “Construí minha trajetória degrau por degrau. Hoje sei o valor da minha palestra, das minhas obras, das minhas bonecas. E agora checo todos os detalhes antes de aceitar uma proposta de trabalho”, afirma.

We'e'ena Tikuna Arte Indigena na 7ª Brasil Eco Fashion Week, em 2023. Foto: Marcelo Soubhia/ @agfotosite

Empreendedorismo de impacto

Para We’e’ena, o trabalho que realiza é mais do que uma fonte de renda. É uma forma de mostrar que os indígenas podem ser protagonistas da própria história e também uma possibilidade de gerar empregos. “Atuo com mulheres de duas comunidades Tikuna e boa parte do que uso para produzir minhas peças vem de lá. Empreender é mais do que ter um negócio, é poder transformar vidas.”

Ela resume sua trajetória como um exercício contínuo de resistência e esperança, e como uma forma de inspirar outras mulheres. “Nunca desistam de um sonho e se mantenham firmes para realizá-lo. Mesmo que uma porta se feche, outra irá se abrir – nem que seja pequena. Mas dela, grandes coisas podem acontecer. Apesar dos medos e desafios, nunca deixei de atravessar o rio, como a onça que carrego em meu nome.”

Acompanhe tudo sobre:Construindo futuroshub sebrae

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