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A arriscada aposta do Nubank em contas digitais

A fintech mais celebrada do país, com 2,5 milhões de cartões em circulação, lançou novos serviços financeiros, e está no caminho para virar banco

Nubank: a NuConta permitirá transferências em tempo real e sem custo (Nubank/Divulgação)

Nubank: a NuConta permitirá transferências em tempo real e sem custo (Nubank/Divulgação)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 24 de outubro de 2017 às 15h50.

Última atualização em 24 de outubro de 2017 às 17h27.

“Nossa verdadeira revolução começa hoje”, afirmou na manhã desta terça-feira David Vélez, o fundador da startup financeira Nubank, em São Paulo.

Como Vélez é o maior nome da empresa que revolucionou o mercado de cartões no Brasil, a declaração fez levantar orelhas no mercado financeiro. A revolução mencionada por ele é o lançamento da conta digital do Nubank.

A fintech anunciou a criação da NuConta, que vai permitir transferências em tempo real e sem custo, pagamento de faturas e até investimentos.

Quem já é cliente Nubank poderá abrir uma conta com “dois cliques”, segundo Vélez. Os novos clientes poderão baixar o aplicativo e solicitar a abertura da conta. Não é necessário aguardar pela análise de crédito, como no cartão.

“A estratégia sempre foi começar com um cartão de crédito, criar uma marca forte de consumo e ganhar o consumidor. Por isso o nome é Nubank e não Nucard”, disse Vélez em entrevista a EXAME.

O dinheiro na NuConta será aplicado no Tesouro Direto, mas o cliente poderá usá-lo a qualquer hora e não pagará taxas pelo rendimento.

A conta, destacou Vélez, é pré-paga, ou seja, o cliente não vai poder ficar com saldo negativo, nem entrar no cheque especial.

As transferências também serão gratuitas, tanto entre as Nucontas como para outros bancos. Vélez explicou que o Nubank não virou um banco digital, ainda.

“Nós criamos uma conta de pagamentos, que permite coisas semelhantes a uma conta corrente de qualquer banco.”

Segundo Vélez, a fintech tem um pedido aberto no Banco Central para ser registrada como instituição financeira há dois anos, mas ainda não foi aprovado. “Está na reta final.”

Embora o valor depositado possa ser usado para pagar a fatura, não haverá a opção débito para os cartões roxinhos.

“Começamos com o que temos certeza que os clientes precisam, que é transferir dinheiro e ter uma conta com rentabilidade. Em breve, vamos possibilitar pagar contas, também. Agora, não temos tanta certeza que é necessário um cartão de débito, assim como saque com dinheiro vivo. Cada vez menos usamos isso”, diz Cristina Junqueira, co-fundadora e vice-presidente de produto e marketing da startup.

A estratégia da empresa tem suas pontas soltas. O Tesouro Direto tem liquidez diária, mas não imediata. Assim, o capital de giro necessário para dar conta das operações cresce na mesma medida que o número de contas correntes aumenta.

De acordo com Cristina Junqueira, a instituição está atenta a isso e tem um piloto responsável por monitorar a “conta de reserva”, responsável por garantir a liquidez imediata dos clientes.

É dessa aplicação que virá a rentabilidade da conta. De acordo com Vélez, a ideia é que os dois produtos – cartão de crédito e conta – funcionem de maneira separada e sejam rentáveis por si só.

Para pagar a conta, o Nubank deve ficar com uma parte da lucratividade das aplicações em títulos públicos.

O simples continua simples?

A iniciativa já era esperada e, segundo analistas e concorrentes, é parte natural do crescimento da companhia. Pelo menos desde o início de outubro, a instituição “Nu Pagamentos SA” aparece disponível para receber transferências de outros bancos, de acordo com a informação divulgada inicialmente pelo Tecnoblog. O código de compensação bancária do Nubank é o 260.

O Nubank foi pioneiro em descomplicar a complicadíssima e cara vida dos brasileiros com cartão de crédito, mas via novos concorrentes aparecerem em cada esquina.

Uma das principais ameaças parece ter vindo ao mercado em meados do ano passado, quando Banco do Brasil e Bradesco se uniram para lançar o Digio, que funciona exatamente com o mesmo conceito: um cartão de crédito sem taxas e um aplicativo para controlar as despesas. Além disso, bancos digitais como o Original podem atrair um cliente com perfil parecido.

Havia ainda o risco regulatório, já que em novembro de 2016 o governo sinalizou que poderia mudar o prazo que os emissores de cartão de crédito têm para repassar o valor da compra para os lojistas.

A intenção, diminuindo o prazo de 30 para dois dias, era fazer com que o dinheiro voltasse mais rápido a circular. Mas inviabilizaria o negócio do Nubank.

O governo voltou atrás, mas a luz amarela está acesa. Diversificar, portanto, é mais do que uma oportunidade, uma necessidade.

O problema é que, ao enveredar para a seara dos bancos, o que era simples para o Nubank pode ficar complicado. Para poder lançar os novos serviços, o Nubank virou em maio o que é chamado de Instituição de Pagamento, o que pressupõe ter novas estruturas obrigatórias, como auditoria interna, compliance, tesouraria. "Tudo isso traz um custo extra. Se eles virarem banco, vai ficar mais caro ainda", diz um concorrente.

“Eles já vão pagar quase o custo de um banco sem conseguir dar crédito. Acho difícil a conta fechar”, diz outro concorrente.

A empresa emissora de cartões de crédito perdeu 122 milhões de reais no ano passado, quase quatro vezes a mais do que os 32 milhões de 2015. A receita operacional, por sua vez, ficou em 77 milhões, mais de sete vezes maior que no ano anterior. No primeiro semestre, o prejuízo caiu, para 39 milhões de reais. Hoje, o Nubank tem mais de dois milhões e meio de cartões circulando.

A empresa, fundada em 2013, captou quase 180 milhões de dólares de investidores – e, segundo a Bloomberg, está captando um fundo de 250 milhões de reais no Brasil.

O novo aporte pode ajudar a cobrir os rombos, e também atenderia uma das principais demandas do Banco Central para instituições interessadas em virar bancos: capital nacional e dinheiro em caixa.

A contratação do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco como consultor, anunciada em julho, também ajuda a dar peso à proposta.

“O fim não é ser um banco, é atender o que os clientes precisam. Se como uma financeira isso for possível, talvez não seja preciso dar esse próximo passo em termos de regulação”, diz Cristina.

Mas tornar-se uma financeira para poder financiar os próprios clientes é algo fundamental para a rentabilidade.

“Hoje o Nubank não pode financiar diretamente os clientes do cartão de crédito. Temos que trabalhar com uma parceira, e isso gera custo”. A instituição parceira, no caso, é o banco Goldman Sachs.

Mesmo antes de virar banco, o Nubank terá o desafio de encontrar diferenciais nos novos nichos anunciados nesta terça-feira.

“O Nubank está entrando num negócio competitivo, concentrado e em que muita gente está apostando. É uma frente interessante, mas que vai exigir muito investimento”, diz Leonardo Azevedo, diretor da consultoria e prestadora de serviços de tecnologia para o setor financeiro GFT.

Neste contexto, a empresa do cartãozinho roxo não terá lucro tão cedo. Para David Vélez e Cristina Junqueira, a aposta vale a pena.

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