Belo Horizonte, MG: manifestantes pintam cruzes enquanto protestam contra a mineradora brasileira Vale SA, em 24 de fevereiro de 2019 (Washington Alves/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 26 de fevereiro de 2019 às 10h56.
Última atualização em 26 de fevereiro de 2019 às 10h59.
Brasília - Trinta e oito parlamentares que receberam direta ou indiretamente doações de campanha da Vale ou de suas subsidiárias em 2014 assinaram pedidos de criação de comissões parlamentares de inquérito para investigar a tragédia em Brumadinho no Congresso. O rompimento de uma barragem da mineradora no dia 25 de janeiro na cidade mineira deixou ao menos 177 mortos e 133 desaparecidos.
Desde o início das atividades parlamentares, na primeira semana de fevereiro, deputados e senadores se mobilizam para reunir apoio para investigar o caso. O foco em ambas as Casas é a mineradora, alvo de um inquérito da Polícia Federal que apura as causas da tragédia.
Embora não tenham poder de punir a empresa, as comissões de inquérito são instrumentos de pressão política, podem requisitar documentos, interrogar autoridades e recomendar o indiciamento de pessoas e empresas. Em alguns casos, foram usadas para achaque, como mostrou a Lava Jato no caso da CPI da Petrobras, de 2012, quando o então senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), morto em 2014, foi gravado pedindo "uma recompensa" para frear os trabalhos da comissão.
No início de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que a Vale e suas empresas espalharam influência em 25 Estados e no Congresso Nacional ao distribuir recursos que somaram R$ 82,2 milhões a deputados, senadores, governadores e aos três candidatos mais votados à Presidência.
Somadas as doações oficiais, que até 2014 eram permitidas pela Justiça Eleitoral, os parlamentares receberam R$ 7,5 milhões destas empresas. Em muitos casos, os recursos eram destinados aos candidatos por meio de diretórios e outros políticos. O parlamentar que mais recebeu foi o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). A Vale desembolsou R$ 1 milhão para a campanha do tucano. Para o senador Paulo Rocha (PT-PA), foram destinados R$ 612,3 mil.
Os deputados Rodrigo de Castro (PSDB-MG) e Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e os senadores José Serra (PSDB-MG), Rose de Freitas (PODE-ES) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) aparecem na sequência. Cada um recebeu R$ 500 mil em 2014.
Há ainda outros 22 parlamentares que, juntos, receberam R$ 3,7 milhões direta ou indiretamente da mineradora e suas subsidiárias e que não assinaram requerimentos para que fossem instaladas comissões para investigar o rompimento da barragem em Brumadinho.
Na Câmara, o pedido de criação da CPI conta com o apoio de 194 deputados. No Senado, o requerimento para a criação da comissão tem 42 signatários. Há ainda uma solicitação para a criação de uma comissão mista, que seria composta por deputados e senadores. Esta tem o apoio de 210 parlamentares - alguns dos quais também desejam a tramitação na Câmara ou no Senado.
O pedido para a criação de uma CPI na Câmara foi feito no primeiro dia de trabalho da nova legislatura, no dia 5. A solicitação foi feita por Joice Hasselmann (PSL-SP), Carlos Sampaio (PSDB-SP) e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Além da investigação, eles pedem apuração da responsabilidade do crime e avaliação de formas de minorar os riscos da ocorrência de novos acidentes.
"A catástrofe humana e ambiental aponta uma possível ocorrência de erros técnicos e omissões na construção, no alteamento e na manutenção periódica da barragem, como possíveis falhas em sua fiscalização, de responsabilidade de órgãos públicos e da própria mineradora Vale S/A", diz o texto que embasa o pedido de criação da comissão.
Na avaliação de seus autores, "cabe ao Legislativo delimitar as circunstâncias técnicas e de gestão que contribuíram para a tragédia, apurar as responsabilidades e avaliar as formas de minorar os riscos da ocorrência de novos acidentes".
Há duas semanas, durante comissão geral realizada no plenário da Câmara para debater a tragédia em Brumadinho, Joice disse que não iria permitir que a CPI fosse "usada para criar dificuldades e vender facilidades". "Essa CPI não vai ser festa, não pode ser festa. (...) Isso aqui não é disputa por protagonismo, por parte quem quer aparecer mais ou menos", bradou da tribuna.
"Eu sei que há muitos parlamentares comprometidos e sérios em Minas, (...) mas eu também sei que há muita gente que foi financiada por mineradora, eu também sei que há muita gente que quer defender governos passados", disse a deputada, que destacou que contaria com os deputados "que não têm ligação com esse passado sujo da política e das mineradoras".
O senador Otto Alencar, responsável pela elaboração do pedido no Senado, diz no documento que é necessário investigar as causas do desastre e corrigir as falhas nos processos fiscalizatórios, legislativos e de licenciamentos para "impedir que a mineração transforme o Brasil em um país de lama". "A Vale dominou Minas Gerais, tornando o Estado refém e manipulado na concessão de laudos técnicos para construção dessas barragens", diz o texto.
Um dos autores do pedido, o senador Carlos Viana (PSD-MG), diz que a empresa precisa dar explicações. "A CPI tem a função de entender o que aconteceu. Temos que dar uma resposta para as pessoas. Talvez tenha objetivo de responder onde mesmo o Legislativo falhou e as leis falharam. A Vale tem que dar explicações, inclusive de seu relacionamento com os órgãos de controle ambiental e de seus licenciamentos", disse o senador.
Ainda não há um consenso entre os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a respeito de qual comissão deve prosperar. Quando o requerimento para a criação da CPI no Senado foi protocolado, Alcolumbre afirmou que leria o pedido durante sessão plenária da semana seguinte. Na véspera da sessão, o presidente do Senado adiou a leitura do documento alegando que havia uma tratativa entre senadores e deputados para que uma comissão mista fosse formada.
Um dia depois, Alcolumbre recuou e determinou a criação da CPI no Senado. Ele justificou a jornalistas que não houve entendimento entre parlamentares de ambas as Casas. "Havia uma discussão entre deputados e senadores para a formação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), mas eles não se entenderam em relação à formação conjunta. Portanto, fizemos a leitura e instalamos a CPI do Senado Federal", explicou na ocasião.
Rodrigo Maia também determinou que uma CPI fosse criada na Câmara. Apesar da criação das comissões, nem Alcolumbre nem Maia instalaram as comissões, o que as colocaria em atividade e daria início aos trabalhos. Em meio à indefinição, a bancada mineira na Câmara protocolou um pedido de criação de CPMI para investigar a tragédia. Parlamentares defensores da comissão mista afirmam que uma CPMI daria celeridade às apurações e economizaria recursos das Casas.
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG), um dos responsáveis pelo pedido, disse à reportagem não haver motivos de se fazer duas CPIs separadas. O coordenador da bancada mineira, deputado Diego Andrade (PSD-MG), que se mobilizou para colher as assinaturas dos colegas, diz que o grupo pretende unificar as forças em uma única ação para que os resultados pretendidos sejam alcançados. "As iniciativas todas são válidas, mas nosso objetivo tem que ser o mesmo. Não pode ser CPI do Zé ou do Manoel, precisamos ter CPI forte que dê resultado efetivo."
Ao jornal O Estado de S. Paulo, Rogério Correia, autor do pedido de CPMI, disse que os membros de uma eventual comissão mista terão de ficar vigilantes à possibilidade de interferência da mineradora nas investigações. "O trabalho não pode ter influência de lobby. Agora, a pessoa ter recebido e daí fazer lobby é diferente. Mas vamos ficar de olho para que não haja lobby da Vale. Se tiver lobby da Vale para não permitir que se apure as questões, a comissão vai tomar providências."
O fato de um parlamentar assinar o documento que solicita a criação da comissão não significa que ele será integrante dela. Os nomes dos membros das comissões que eventualmente forem instaladas serão indicados pelos líderes dos partidos.
A assessoria de imprensa de Antonio Anastasia informou que o senador não recebeu diretamente da Vale, mas de outras candidaturas e de diretórios de seu partido. Por meio de sua assessoria, o senador Tasso Jereissati informou que as doações eleitorais que recebeu da Vale foram devidamente registradas em suas contas de campanha e homologadas pela Justiça eleitoral.
"Este fato em nada influenciará em minha atuação parlamentar, tendo inclusive subscrito o Requerimento de instalação da CPI de Brumadinho, tragédia que deve ser objeto de profunda investigação para a apuração das devidas responsabilidades", disse o senador.
Em nota, o senador Paulo Rocha afirmou que as assinaturas para a investigação do caso foram feitas por todos os senadores do PT e que a participação ou não na comissão é uma decisão da bancada.
A senadora Rose de Freitas informou, por meio de nota, que foi a autora do primeiro pedido de convocação do presidente da Vale, aprovado pela Comissão de Fiscalização e Controle do Senado em 13 de fevereiro, o que, de acordo com ela, "demonstra isenção e independência".
A nota diz ainda que a Vale não fez pleito algum à senadora e que "parte expressiva do valor das doações legais das eleições de 2014 foi efetuada por meio do Diretório Nacional do partido, responsável pelo repasse".
"Em mais de 30 anos de vida parlamentar, nunca deixei de representar e defender os interesses legítimos dos eleitores, como fica demonstrado pela minha trajetória política", afirmou a senadora.
A reportagem entrou em contato com as assessorias de José Serra e Rodrigo de Castro, e com o deputado Paulo Abi-Ackel, mas não obteve resposta até a conclusão deste matéria.
Procurada, a Vale comunicou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não recebeu nenhuma notificação ou informação a respeito" dos requerimentos de criação das CPIs e que, portanto, não comentaria o assunto.