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Do que reclamam os entregadores em greve neste sábado

EXAME conversou com entregadores de aplicativo de três cidades sobre o dia-a-dia do trabalho; categoria faz nova paralisação neste sábado

 (JOCA DUARTE/Estadão Conteúdo)

(JOCA DUARTE/Estadão Conteúdo)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 25 de julho de 2020 às 07h00.

Última atualização em 25 de julho de 2020 às 17h34.

Entregadores de aplicativo de todo o país fazem nova paralisação neste sábado a partir das 9h. Esta é a segunda greve nacional dos entregadores em um mês. As reivindicações dos entregadores são pagamento mínimo por entrega, aumento do valor por corrida, fim dos bloqueios considerados injustos pela categoria e de sistemas de pontuação para ranqueamento dos entregadores.

Assim como na paralisação ocorrida no dia 1o de julho, os entregadores pedem que clientes não façam pedidos pelos aplicativos hoje. “Pedimos que os clientes não fazerem pedidos e nos apoiem. As manifestações são fruto da revolta dos entregadores. O que passamos é humilhante”, afirma Alessandro da Conceição, entregador em Brasília. A paralisação é organizada pelas redes sociais e não tem lideranças.

EXAME conversou com entregadores em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília sobre as reivindicações da greve e o dia-a-dia de seu trabalho.

Valor mínimo

Uma das principais reclamações dos entregadores é relacionada ao valor mínimo da entrega. Segundo eles, os aplicativos não são transparentes na divulgação do menor valor possível por corrida. “Cada aplicativo tem seu valor mínimo. Mas eu não sei o valor correto, não tem transparência, o valor muda dependendo do dia”, afirma Ralf Alexandre Campos, entregador no Rio de Janeiro. Ele também relata falta de transparência na gorjeta. “Não sabemos quanto o cliente deu de gorjeta, se o aplicativo ficou com uma parte”, diz.

Os entregadores dizem ainda que por vezes rodam muitos quilômetros para receber a taxa mínima. “Já aconteceu de me deslocar 8 quilômetros pra chegar no restaurante. Do restaurante até o cliente mais 8 quilômetros. Depois foram mais 16 quilômetros para voltar para a minha região, senão ficaria muito longe depois para voltar para casa. Foram 32 quilômetros para ganhar 5 reais”, diz Paulo Lima, entregador em São Paulo.

Isso ocorre porque, segundo os entregadores, os aplicativos só remuneram o trajeto entre o restaurante e o cliente. O trajeto até o restaurante fica por conta do entregador. No entanto, segundo Lima, caso o entregador não aceite uma entrega por ser muito longe de seu ponto de partida, há o receio de ser bloqueado ou receber menos pedidos no futuro.

Sobre esse tema, o Ifood afirma que o valor mínimo por corrida é de 5 reais, mas que a média recebida por entregador por serviço é de 9 reais. O valor de 5 reais foi estabelecido em março, segundo a companhia, e não há no momento discussões sobre um possível aumento do valor.

A Rappi afirma que o valor do frete “varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido”. O Uber Eats não respondeu à reportagem.

Preço da entrega

Os entregadores também pedem aumento do valor pago por corrida. Eles reclamam que seu ganho com as corridas diminuiu na pandemia e acreditam que isso tenha ocorrido pelo aumento do número de entregadores cadastrados nas plataformas. “Todos diminuíram o valor pago por corrida e o aplicativo também toca menos. Todo mundo que está desempregado faz cadastro no app e eles estão liberando”, diz Campos, do Rio de Janeiro.

Uma pesquisa recente realizada por Unicamp e Ministério Público mostra que, durante a pandemia, 62% dos entregadores entrevistados declararam trabalhar mais de 9 horas por dia, ante 57% que trabalhavam mais de 9 horas antes da pandemia. A maioria dos entrevistados (59%) relatou queda na remuneração. A redução ocorreu mesmo para aqueles que mantiveram o mesmo número de horas trabalhadas. Para os pesquisadores, o aumento no número de entregadores puxou para baixo a remuneração.

O Ifood afirma que o aumento do número de entregadores na plataforma foi pequeno, de 130 mil para 150 mil. E que, dado o aumento no número de pedidos, a renda média por entregador em sua plataforma aumentou. “Tive 480 mil cadastros de pessoas que não pude colocar pra dentro, é quando mostro minha sensibilidade de olhar para o entregador”, afirmou Diego Barreto, vice-presidente de estratégia do Ifood à EXAME.

A Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), que representa empresas como Loggi, Rappi e Movile (dona do Ifood), diz que “embora as plataformas tenham registrado aumento considerável no número de cadastros de entregadores parceiros, não houve alteração na forma como os valores das entregas são calculados e repassados”. Diz ainda que as plataformas “disponibilizam de forma transparente as taxas e valores destinados para os entregadores”.

Bloqueios injustos

Outra reivindicação dos grevistas é o fim dos bloqueios considerados injustos pelos entregadores.

“Se você entrega um pedido e o cliente diz que não recebeu, o aplicativo bloqueia o entregador e ressarce o cliente. Não tem a preocupação de falar com o entregador. Às vezes não mandam nem um e-mail para explicar” afirma Alessandro da Conceição, de Brasília.

A falta de um canal de contato com os aplicativos para rever o bloqueio é outra reclamação. “São bloqueios sem defesa. Não tem um canal de comunicação, na maioria das vezes a gente recebe uma resposta automática”, diz Ralf Campos, do Rio de Janeiro. “Se você é bloqueado, às vezes tem que ir em um endereço do aplicativo pedir para ser desbloqueado. E aí você perde um dia, tem muita fila”, diz Paulo Lima, de São Paulo.

A Rappi afirma que os bloqueios na plataforma são restritos ao não cumprimento dos termos e condições e que há um canal dentro do aplicativo do entregador para que esses bloqueios possam ser revistos. O Ifood afirma que “tem regras desativação de cadastro claras e um processo de análise de revisões cuja palavra final é dada por pessoas, e não por robôs”.

A ABO2O diz que “a inativação temporária ou, em último caso, o descredenciamento definitivo de um entregador acontece apenas em caso de descumprimento dos termos de uso dos aplicativos”.

Logado sempre?

Os entregadores afirmam ainda que, para receberem mais corridas, precisam ficar logados por mais tempo nas plataformas, o que reduz a flexibilidade de horários, um dos grandes trunfos do trabalho como autônomo.

“Não nos deixam ser autônomos de verdade. Antes tínhamos a liberdade de aceitar a rota que quiséssemos. Hoje se você não trabalhar de domingo a domingo, não recebe corridas. Tem aplicativo que fecha determinadas regiões para você. Se é autônomo de verdade tem que ser aleatório. Se querem exclusividade têm que assinar a carteira”, diz Alessandro da Conceição.

O registro em carteira não é uma pauta da paralisação de hoje, mas é defendido por uma parte dos entregadores. Paulo Lima, entregador de São Paulo, faz parte de um grupo denominado Entregadores Antifascistas, que defende o reconhecimento de vínculo empregatício para os entregadores que assim quiserem.

“Queremos que reconheçam o vínculo para os entregadores que quiserem, que paguem o piso da categoria, que não obriguem a trabalhar mais de oito horas por dia, e se for bloqueado tem que ter justa causa”, afirma Lima.

Sobre o tema, o Ifood afirma que não tem nenhum sistema de pontuação. A ABO2O diz que os prestadores de serviço não são subordinados a cumprir horários e têm o direito de decidir se atendem a determinada plataforma, ou até mais de uma ao mesmo tempo.

A Rappi diz que criou um programa de pontos para “trazer reconhecimento e preferência aos melhores prestadores de serviço”. A empresa diz que recentemente mudou o programa. Agora o acúmulo de pontos é mensal (não mais semanal) e que os entregadores conseguem acumular pontos em qualquer dia da semana.

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