Imigrantes da América Central se exercitam no centro de imigrantes "Posada Belen" em Saltillo (Daniel Becerril/Reuters)
Da Redação
Publicado em 23 de junho de 2014 às 06h59.
Cidade do México - A violência na América Central põe fim à infância de milhares de crianças, que se veem obrigadas a deixar suas brincadeiras para enfrentar uma missão tão arriscada como a de emigrar para o norte em busca do futuro que seu país não pode oferecer.
Segundo dados de organizações de direitos humanos e de autoridades migratórias, as crianças estão cada vez mais viajando sozinhas. Preferem enfrentar os riscos das rotas migratórias a continuar vivendo em lugares nos quais cada dia pode ser o último.
"Lá onde vivíamos não se pode sair na rua. As gangues nos obrigavam a entrar para elas e, caso contrário, diziam que iam nos ferrar".
Jeycer tem 16 anos e um objetivo claro: chegar aos Estados Unidos e encontrar sua mãe que vive lá há 12 anos, quando deixou seus filhos em Honduras em busca de um futuro melhor.
Ele tinha 4 anos, seu irmão Jonathan, que o acompanha na viagem, tinha 3. Quase não se lembram dela. "Nem me lembro de quando ela me deixou. Pela internet posso vê-la e manter contato pelo Facebook, mas não posso tocá-la", contou à Agência Efe por telefone.
Ela vive em Las Vegas e é uma imigrante ilegal, mas para esses adolescentes não importa o que terão que fazer quando chegarem, só querem deixar San Pedro Sula para trás, onde eram pressionados pelas gangues todos os dias.
Jeycer e Jonathan falaram por telefone de um local chamado "La 72", um refúgio para migrantes situado no município de Tenosique, no estado de Tabasco, no sul do México, aonde todos os dias chegam várias crianças desacompanhadas.
Frei Tomás González, o diretor do abrigo, faz as contas das crianças que param por ali: do total de migrantes em 2013, 10% eram menores desacompanhados. Este ano, as crianças sozinhas já representam 17%.
"Estão entrando muitas mulheres e menores acompanhados e não acompanhados, com entre nove e 17 anos", explicou o frei à Efe e acrescentou que a maioria vêm de Honduras, El Salvador e Guatemala.
Eles chegam por diversas razões, porque seus pais os abandonaram quando crianças e decidiram partir em busca de um futuro melhor, por causa da violência no seio de suas famílias ou porque vivem em áreas marginalizadas e dominadas pelo crime organizado.
Se a rota pelo México, por si só, já é repleta de perigos, cheia de controles migratórios e de organizações criminosas que consideram os migrantes um novo negócio, para os menores os riscos se multiplicam.
"As crianças não costumam estar totalmente por dentro da questão migratória, não entendem os fluxos migratórios ilegais ou sabem muito pouco e não imaginam o que os espera no caminho e o que eles podem sofrer nas mãos das autoridades", disse González.
A questão ficou evidente depois que os EUA anunciaram que tinham detido na fronteira mais de 47 mil crianças desacompanhadas nos últimos oito meses, o dobro do número dos oito meses anteriores, e prometeu US$ 254 milhões à América Central para financiar programas sociais e de segurança.
Além disso, há poucos dias, o Instituto Nacional de Migração (INM) do México publicou seus números: 6.330 crianças deportadas de janeiro a maio de 2014 (em 2013 foram 8.577 e em 2012, 5.966 no total).
Apesar de o INM apresentar as deportações como um resgate e "a reintegração ao seio familiar", as organizações de direitos humanos garantem que quase nunca é a melhor opção devolvê-los a suas origens e que as autoridades muitas vezes esquecem o básico, que antes de serem migrantes, são crianças.
"As políticas de proteção dos direitos da infância estão acima de qualquer norma migratória e, em algumas ocasiões, se vê o contrário disso, mas deve prevalecer o interesse superior da criança", disse à Efe Karla Gallo, oficial do Unicef México.
Os direitos das crianças "não terminam em uma fronteira", mas vão com elas e "onde quer que elas se encontrem, seus direitos têm que ser protegidos e garantidos", afirmou.
O refúgio "La 72" de Tenosique está na rota do trem de mercadorias "La Bestia", chamado assim pelas duras condições de seu trajeto, algo que Jeyzer e Jonathan estão a ponto de comprovar.
Embora este seja o meio utilizado pela maioria dos imigrantes, segundo comprovou Marta Sánchez, diretora do Movimento Migrante Mesoamericano, não é o mais usado pelas crianças, que "viajam por outras rotas".
Fundamentalmente, as crianças viajam por intermédio de traficantes de pessoas em ônibus ou carros particulares, que cobram entre US$ 3 e 6 mil, muitas vezes pagos pelos pais desesperados que os esperam do outro lado da fronteira.
"Estamos vendo um ar muito diferente nas pessoas que estão saindo. Eles vêm muito desesperados, não têm opções, se arriscam pelo que for, pois em seus países não podem ficar", garantiu a ativista.
Há poucos dias, Marta falou com uma das mães que levava crianças pequenas pela rota migratória. "Perguntei a ela por que os levava consigo e me respondeu que seus dois filhos maiores foram mortos e que não ficaria para que matassem os outros".
Foi a própria mãe de Jeycer e Jonathan que os encorajou a fazer a viagem, apesar do risco de não voltar a vê-los. "Ela já tinha medo do que nós lhe contávamos", disse o irmão mais velho.
Os dois ainda não sofreram nenhum problema no caminho e afirmam que conhecem os riscos dos quase 4 mil quilômetros que faltam para que finalmente possam chegar até onde está sua mãe e abraçá-la.