Guiana e Venezuela "concordaram que direta ou indiretamente não se ameaçarão, nem usarão a força mutuamente em nenhuma circunstância, incluindo aquelas decorrentes de qualquer controvérsia existente entre ambos os Estados", indicou parte do texto de três páginas. Também "concordaram que qualquer disputa entre os dois Estados será resolvida de acordo com o direito internacional, incluindo o Acordo de Genebra", acrescenta a carta.
Além disso, segundo o documento, um novo encontro entre os governantes deve ocorrer no Brasil em três meses "ou em outro momento acordado".
Veja abaixo os pontos do acordo:
- Compromisso de não fazer ameaças ou usar a força em qualquer situação;
- Resolução de controvérsias de acordo com o direito internacional;
- Comprometimento com a coexistência pacífica e unidade na América Latina e Caribe;
- Reconhecimento da controvérsia sobre a fronteira e da futura decisão da Corte Internacional de Justiça sobre o assunto;
- Acordo para continuar diálogos sobre questões pendentes;
- Compromisso de evitar "palavras ou ações" que possam intensificar o conflito;
- Comunicação, em caso de incidentes, envolvendo a Caricom, Celac e o Brasil;
- Estabelecimento de uma comissão conjunta com ministros das Relações Exteriores;
- Designação de Ralph Gonsalves, Roosevelt Skerrit (primeiro-ministro de Dominica, outro país caribenho) e o presidente Lula como interlocutores;
- Designação de António Guterres, secretário-geral da ONU, como observador;
- Compromisso de nova reunião no Brasil ou em data acordada nos próximos três meses para discutir o assunto.
Mais cedo, os presidentes encerraram com um aperto de mão a reunião promovida pela Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e pela Comunidade do Caribe (Caricom), com o apoio do Brasil. Este foi o primeiro diálogo direto entre os dois governos desde que as tensões escalaram nas últimas semanas — isto é, após a realização do polêmico referendo venezuelano, uma ameaça de invasão territorial e a iminência de um conflito armado na fronteira com o Brasil.
Antes da leitura da declaração conjunta, entretanto, Ali insistiu no direito do seu país de explorar o seu "espaço soberano", acrescentando que "a Guiana não é o agressor, a Guiana não procura a guerra, a Guiana reserva-se o direito de trabalhar com os nossos aliados para garantir a defesa do nosso país".
— Exijo respeito à nossa soberania — disse Ali em entrevista a jornalistas após o encontro com Maduro, que ocorreu em Kingstown, São Vicente e Granadinas, no Caribe. — Não há narrativas, propagandas que vão alterar o mapa de Guiana.
Por sua vez, Caracas considerou a reunião "bem-sucedida", e afirmou, por meio de seu Ministério de Comunicação e Informação, que "manifesta a sua vontade de continuar o diálogo para resolver a controvérsia em relação ao território". O órgão também postou um vídeo no X (antigo Twitter) mostrando um aperto de mão entre os dois presidentes ao fim do encontro. Maduro, no entanto, ainda não se pronunciou após a reunião.
Posições antagônicas
Antes mesmo de ocorrer, sabia-se que a reunião mostraria posições antagônicas de cada uma das partes envolvidas no conflito. Enquanto o líder venezuelano considerava o encontro como "uma grande conquista para abordar de maneira direta a controvérsia territorial", Ali negou repetidamente que a disputa estaria na agenda da reunião e insistiu em sua posição de que a questão deve ser resolvida na Corte Internacional de Justiça (CIJ), cuja jurisdição sobre o assunto não é reconhecida pelo governo venezuelano.
"A fronteira terrestre não é uma questão para discussões bilaterais e a resolução da questão cabe devidamente à Corte Internacional de Justiça, onde deve permanecer até que o tribunal dê a sua decisão final sobre o mérito do caso", escreveu Ali em uma carta endereçada ao primeiro-ministro do país caribenho, que facilitou a reunião entre os dois chefes de Estado.
"Venho buscar pela única via que existe, a via do diálogo e da negociação, soluções efetivas", disse Maduro à imprensa poucas horas antes do encontro, após a recepção de Gonsalves.
Na ocasião, Maduro também afirmou que foi ao Caribe sob "mandato do povo venezuelano" para "avançar mediante o diálogo e a palavra de paz". Em referência ao referendo consultivo do início deste mês, salientou que o avanço ocorrerá "defendendo os direitos do povo" e "da pátria".
A disputa, que remonta ao século XIX, ganhou novos capítulos quando Maduro organizou um referendo consultivo em 3 de dezembro sobre a anexação do território, aprovado por mais de 95% da população. O "sim" em massa apoiava a criação na região de uma província venezuelana, a "Guiana Essequiba", e a concessão da nacionalidade a seus habitantes — no último sábado, a Venezuela abriu um escritório do serviço de identificação e migração (Saime), em Tumeremo, na fronteira com Essequibo.
Desde o início, a Guiana considerou a consulta uma "ameaça direta", e Ali chegou a levar a questão ao Conselho de Segurança da ONU, que terminou sem declaração final. Dias antes, a Guiana anunciou que estava em contato com "aliados" militares e deu sinal verde guianês para uma possível presença do Comando Sul dos Estados Unidos em seu país, ato classificado como "imprudente" pela Chancelaria da Venezuela.
O Brasil, que defende uma solução pacífica, anunciou a decisão de reforçar a presença militar na fronteira e intensificou seus contatos diplomáticos para mediar a disputa pela região do Essequibo, tentando exercer um papel de liderança regional. O assessor especial Celso Amorim, ex-ministro das Relações Internacionais, foi designado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Sil para acompanhar presencialmente a reunião desta quinta.
De um lado, a Guiana se atém ao Laudo Arbitral de Paris, de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "para buscar uma solução satisfatória", já que o governo venezuelano considerou o laudo de 1899 "nulo e vazio".
Sem solução, a questão foi parar nas mãos da CIJ em 2017, por definição do secretário-geral da ONU, António Guterres, que se valeu da prerrogativa estabelecida pelo próprio Acordo de Genebra no caso de as partes não chegarem a um entendimento.
A briga ganhou novos capítulos após descoberta, em 2015, de grandes reservas de petróleo na região. A Guiana iniciou licitações para explorar campos petrolíferos em águas rasas e profundas em 2022, o que Caracas rejeitou, considerando-as ilegais.
(Com informações da Agência O Globo e AFP)